A Revolução de Fevereiro proporcionou, e proporciona ainda hoje, um manancial de experiências, de estratégia e táctica de luta revolucionária que enriqueceram o marxismo e se tornaram património da luta do movimento operário e comunista.
1. A Revolução de Fevereiro de 1917 não ocupa lugar importante só pelo facto de ter sido a primeira revolução popular triunfante na época imperialista, ou por ser a primeira fase da primeira revolução socialista, igualmente triunfante, o que só por si já lhe conferiria extraordinário significado.
Ao mostrar o carácter indissolúvel entre a satisfação das reivindicações políticas, económicas e sociais dos trabalhadores e das massas populares e grandes transformações sócio-económicas e quanto é ilusório falar em liberdade e democracia para as massas mantendo intacto o poder económico, político, cultural e militar das classes dominantes, a Revolução de Fevereiro fez avançar significativamente a natureza e o conteúdo do conceito de revolução social.
2. A Revolução de Fevereiro alterou profundamente o quadro da evolução do mundo. Com o desmoronar da monarquia csarista, polarizaram-se as forças de classe à escala mundial; a luta de massas contra a guerra imperialista e a luta dos trabalhadores pela satisfação de reivindicações políticas, económicas e sociais, ganharam novo impulso; reforçaram-se as posições orgânicas e ideológicas do movimento operário e das correntes socialistas revolucionárias – em oposição às correntes oportunistas da social-democracia da II Internacional, atascadas no pântano do oportunismo e da cumplicidade com a guerra imperialista.
A confirmação prática da palavra de ordem dos bolcheviques de que para acabar com a guerra se impunha, aos trabalhadores e aos povos, a imperiosa necessidade de transformar a guerra imperialista em guerra civil contra o domínio da burguesia, ganhou grande adesão, impulsionou a luta contra a guerra e pela paz e tornou-se uma ameaça para o domínio da burguesia.
A estratégia leninista veio a ter completa confirmação teórica e prática com o desenvolvimento da Revolução de Fevereiro. A vida resolveu a seu favor a polémica que se instalara no campo bolchevique sobre a validade da tese que considerava, nas condições concretas da Rússia, a revolução democrática burguesa como a primeira etapa da fase de transição para a segunda etapa, a revolução socialista.
3. Os bolcheviques não foram apanhados de surpresa com os acontecimentos de Fevereiro, além de que tinham ideias bem precisas, quer quanto à natureza da revolução que acabava de triunfar, quer quanto à questão da sua transformação em revolução socialista, cuja teoria começou a ser elaborada por Lénine no decurso da Revolução de 1905-1907 e de que a sua obra «Duas Tácticas da Social-Democracia na Revolução» continua a ser fonte de pensamento criador na nossa época.
Obviamente que, naquela altura, Lénine não podia adivinhar que um mês depois a Rússia iria entrar nas dores de parto da revolução. O que sabia é que amadureciam, objectivamente, em praticamente todos os países envolvidos na guerra, as condições para a eclosão de uma crise revolucionária. Foi na Rússia, à época o país em que todas as principais contradições do sistema capitalista se apresentavam de forma aguda e concentrada que a crise rebentou. A Rússia tinha-se tornado, por um conjunto de circunstâncias históricas, no centro do movimento revolucionário mundial. Os efectivos da classe operária tinham crescido significativamente. Em nenhum outro país do mundo eram tão elevados os níveis de concentração da classe operária (60% de todos os operários trabalhavam em empresas com mais de 500 trabalhadores, havendo várias empresas com mais de 10.000 e mesmo mais de 20.000) e em nenhum outro país existia um partido revolucionário tão solidamente implantado nas empresas e com tanta influência na direcção da luta da classe operária. A Rússia era praticamente o único país em que a classe operária não tinha sido contaminada pelo «vírus» do chauvinismo da II Internacional. A Rússia foi, por isso, o país no qual se criaram, em primeiro lugar, as condições para que a classe operária passasse à ofensiva.
Nos dias que antecederam o assalto ao poder, o movimento grevista que atravessava a Rússia abrangia centenas de milhar de trabalhadores, ultrapassando os 300 mil só em Petrogrado.
Quando no dia 23 de Fevereiro (8 de Março) centenas de milhar de trabalhadores de Petrogrado saíram à rua para comemorar o Dia Internacional da Mulher, transformando as comemorações em greve política, adoptando as palavras de ordem do Partido Bolchevique – fim do governo csarista, formação de um governo provisório, instauração da república democrática, horário de 8 horas laborais, medidas sócio-económicas a favor dos trabalhadores e do povo, entrega das terras dos latifundiários aos camponeses pobres, fim da guerra – a revolução tornou-se imparável. No dia 27 de Fevereiro (12 de Março) a greve política transforma-se em inssurreição armada. Quase 200.000 soldados juntam-se à classe operária. No dia seguinte são presos os principais elementos do governo csarista e a 2 de Março (15), uma semana depois do início da greve política, Nicolau II abdicou. Finalmente tinha-se posto fim ao csarismo, pela acção revolucionária das massas. O proletariado tinha demonstrado ser a principal força do exército político da revolução democrática. A aliança povo/forças armadas revelou-se decisiva para o seu triunfo e para a sua defesa.
4. A Revolução de Fevereiro resultou de um gigantesco e combativo movimento de massas que, compaginando formas de luta legais e ilegais, pacíficas e não pacíficas, fundiu numa torrente única a luta da classe operária, do campesinato, dos soldados e a luta do movimento nacional dos povos subjugados pelo csarismo, sob a direcção do Partido Bolchevique – o único partido que dispunha de uma organização nacional e de um programa fundamentado para a revolução.
E, no entanto, a influência e a experiência dos bolcheviques (o Partido acabava de sair da clandestinidade, a maioria dos seus dirigentes do exílio ou da cadeia) não foram suficientes para conduzir pela direcção justa, a massa imensa não só de operários, mas também de camponeses, soldados, sectores da pequena burguesia que se incorporaram em larga escala na revolução mas que, por impreparação política e inexperiência de luta, eram bastante permeáveis às ilusões criadas com as promessas da burguesia. A rapidez e a facilidade da vitória deveu-se ao facto de, num momento e numa situação histórica extraordinariamente original, se terem fundido «correntes absolutamente diferentes, interesses de classe absolutamente heterogéneas, aspirações políticas e sociais absolutamente opostas». (2)
Quando as forças burguesas se lançaram abertamente na contra-revolução, com o objectivo de esmagar as forças revolucionárias, acabar com a dualidade de poderes e impor o seu poder, encontraram pela frente sólidas forças revolucionárias sob a direcção do Partido Bolchevique.
5. Lénine desenvolveu um colossal trabalho teórico para responder à nova realidade, que se traduziu no programa prático das tarefas que se colocavam à classe operária e ao Partido Bolchevique.
Assumiu e continua a assumir um valor de princípio a noção de hegemonia da classe operária que, tal como a definiu Lénine, «é a acção política que ela exerce (ela e seus representantes) sobre os outros elementos da população» (3) , logo a hegemonia resulta da acção política não de métodos autoritários ou de medidas legislativas.
As teses de Lénine só fizeram curso através de uma intensa discussão ideológica, em que muitas vezes se encontrou em franca minoria. A realidade, a revolução no concreto, colocava muitos problemas que a teoria não previra ou previra de forma diferente. Era preciso perceber que «…as palavras de ordem e as ideias bolcheviques, em geral, foram plenamente confirmadas pela história, porém concretamente as coisas resultaram de outro modo do que quem quer que fosse podia esperar, de modo mais original, mais peculiar, mais variado». (4)
Assumiram particular relevância as questões relativas ao papel do partido revolucionário, ao Estado, à democracia como parte integrante da luta pelo socialismo e à revolução socialista na fase imperialista, questões a que Lénine dedicou particular atenção desde a Revolução de 1905-1907.
6. A vitória de Fevereiro traduziu-se em importantes conquistas políticas das massas populares: liberdade de acção livre e aberta a todos os partidos políticos; libertação dos presos políticos e regresso dos emigrados, abolição da censura à imprensa, liberdade de expressão, de reunião e manifestação.
Foi nestas condições que, como Lénine previra, a conquista da democracia na Rússia não marcou, nem podia marcar, o fim da revolução, mas deveria abrir caminho ao desenvolvimento da revolução, rumo à revolução socialista.
Notas
(1) Lénine, Obras Completas, em francês, Tomo 23, Edições Sociais, 1976, pág. 276.
(2) Lénine, Obras Escolhidas em seis volumes, Tomo 3, edições «Avante!», pág. 83.
(3) Lénine, Obras Completas, em francês, Tomo 17, Edições Sociais, 1977, pág. 73.
(4) Lénine, Obras Escolhidas em seis volumes, Tomo 3, edições «Avante!», pág. 122.