Contestação de Bento Gonçalves à Secretaria do Tribunal Militar Especial

(1 Os Comunistas – Bento Gonçalves, “A Opinião”, páginas 57 a 65, Maio 1976)


No dia 16 de corrente, foi-me entregue, no comando Militar da Fortaleza de
Angra, onde me encontro preso desde o dia 13 de Janeiro p.p., a nota de culpa
passada por esse Tribunal a meu respeito.

No formulário que antecede essa nota (ponto nº 1) estabelece-se que tenha a
faculdade de apresentar a minha defesa por escrito dentro de 3 dias. Este prazo
expira, pois no dia 19, inclusivé.

O facto de me encontrar em Angra do Heroísmo (Ilha Terceira do Arquipélago dos
Açores), por determinação do Governo, será tido em conta no caso sujeito. Espero
que o prazo que me é fixado se refere ao tempo de que disponho para entregar a
minha contestação na Secretaria do Governo Militar na Fortaleza de S. João
Baptista. O resto será das atribuições desta Secretaria, segundo creio.

É minha intenção apresentar testemunhas abonatórias do meu comportamento moral e
civil, bem como advogado defensor, por mim escolhido livremente. Porém, o pouco
tempo que medeou entre a minha prisão (11 de Novembro do ano findo) e a minha
deportação (8 de Janeiro deste ano), no qual é preciso intercalar 44 dias de
incomunicabilidade rigorosa e 4 dias apenas de direito de visita de 2 pessoas de
família – faz com que só a partir do dia 25 do corrente poderei preencher as
formalidades dos pontos 3º e 6º do formulário a que atrás me refiro.

Alguns dados que se me referem pessoalmente – chamo-me Bento António Gonçalves,
nascido em 2 de Março de 1002, sou natural de Trás-os-Montes, filho de Francisco
Gonçalves, camponês, e de Germana Alves (falecida). Comecei a trabalhar aos 13
anos de idade, após conclusão da minha instrução primária, como torneiro de
madeira. Aos 16 anos de idade mudei para torneiro mecânico, profissão que ainda
conservo. Desde 1919 até Agosto de 1933 trabalhei no Arsenal da Marinha como
operário do quadro (oficinas de máquinas). Frequentei a Escola Industrial Afonso
Domingues (Xabregas – Lisboa) e tenho o curso elementar de pilotagem.

No Arsenal da Marinha fui alvo de vários convites para ascender a uma situação
superior à de operário, o que jamais aceitei. Recordo a propósito o convite que
me foi feito, em 1920, pelo então engenheiro dirigente da Oficina de Máquinas,
Sr. Antero da Silva Borges, tendo em vista a minha passagem para a sala de
desenho acompanhada de preparação técnica, simultâneamente, no objectivo de mais
tarde substituir um técnico inglês, que nesse tempo dirigia a mesma sala de
desenho; recordo entre outros convites semelhantes um que me foi feito entre
Março e Agosto de 1933 para eu ascender a operário-chefe da Oficina de Máquinas.

A aplicação profissional foi sempre um princípio que norteou a minha vida de
operário metalúrgico. E dos meus conhecimentos profissionais jamais fiz
exclusivo pessoal. Deste duplo critério espero que o Arsenal de Marinha algo
tenha beneficiado. Refiro aqui, em abono desta afirmação o teor duma das
ocorrências da Ordem da Direcção das Construções Navais de 8 (?) de Agosto de
1933 onde, a propósito duma inovação técnica (fabrico de fresas) que introduzi
na Oficina de Máquinas, fui considerado um nobre exemplo de arsenalista e
promovido a operário de 1ª classe por distinção.

Justamente a pertir dessa data comecei a ser objecto duma tão intensa
perseguição policial que não pude voltar a trabalhar pela minha profissão.

A nota de culpa que ora recebi é do seguinte teor:

“Fazendo parte do Partido Comunista desenvolveu desde Maio de 1935 bastante
actividade revolucionária e incitamento à indisciplina social o que constitui
crime previsto no artº 2 nº 2 em artº 44 do decreto 23.203 de 6/11/1933”.

Após a minha prisão, a Polícia de Defesa e Política Social pretendeu elaborar o
meu processo em volta das seguintes questões fundamentais;

a) Que responsabilidade assumi, em quanto à actividade do Partido Comunista
contra a sociedade organizada.

b) Qual a minha parte de responsabilidade no movimento de 18 de Janeiro que
deveria fazer eclodir uma greve geral revolucionária.

c) Que as minhas viagens à União Soviética tinham por fim receber instruções que
deveria aplicar, depois, em Portugal.

A tudo isto respondi de um modo preciso:

a) Sou dirigente do Partido Comunista Português desde Abril de 1929 e assumo
inteira responsabilidade de toda a actividade política do meu Partido; descartei
do campo dessa actividade a prática de actos isolados ou de terror, sublinhando
a posição do nosso CC e a minha posição pessoal em relação aos actos desta dupla
natureza, factos que se encontram salientados na imprensa do Partido Comunista
(“Avante”, etc.); refusei igualmente a acusação segundo a qual a actividade do
Partido Comunista seja uma actividade contra a sociedade organizada, declarando
que o Partido Comunista na luta pela emancipação dos trabalhadores, não é contra
todas as formas do Estado, nem contra todas as leis nas condições da sociedade
capitalista.

b) O movimento do 18 de Janeiro não foi preparado pelo CC do Partido Comunista
debaixo da palavra de ordem de greve revolucionária nem de revolução contra a
ditadura. O Comité Central do Partido Comunista Português, e eu pessoalmente –
acrescentei – não havíamos perdido a cabeça; nós preparávamos o movimento do 18
de Janeiro debaixo da palavra de ordem – “impedir a fascização dos Sindicatos da
classe operária portuguesa”; recordei a esse respeito o manifesto que editámos
de preparação daquele movimento e a sua linha política geral, bem como a crítica
que fizemos à palavra de ordem Greve Geral Revolucionária.

c) As minhas viagens à URSS tiveram como objecto o estudo das condições
económicas, políticas e sociais soviéticas e o estudo, no transcurso dessas
viagens, do movimento operário internacional.

A nota de culpa que ora me foi transmitida pelo Tribunal Militar Especial reduz
consideravelmente o carácter das acusações que me haviam sido formuladas pela
polícia. Eu quero tirar algumas conclusões políticas deste pormenor. O meu
processo é, em certa medida, o processo do Partido Comunista Português. E então
verifico do próprio ponto de vista ca concepção jurídica do TME as proclamações
que o Governo da Ditadura tem trazido a público, a propósito do comunismo:
“revolução extremista que espreita”, “revolução vermelha que está para eclodir”,
etc., etc., não passam dumas atoardas fascistas. Este mesmo facto salienta a
opinião que nós, comunistas, mantemos, segundo a qual a ilegalidade do nosso
Partido não se encontra prescrita em qualquer lei. A ilegalidade do Partido
Comunista Português é um arbítrio do poder executivo ditatorial do “Estado
Novo”.

A primeira parte da minha nota de culpa actual considera-me simplesmente como
“fazendo parte do Partido Comunista…” A este respeito não tenho senão que
sustentar a declaração que fiz na Polícia de Defesa Política e Social: Não faço
parte do PC: assumo as responsabilidades do seu dirigente político. A minha
actividade política também não procedeu de 1935: provém de 1929.

Quanto à parte da acusação “desenvolver bastante actividade…” não tenho nada
que objectar. Eu sou incapaz de conceber que um membro responsável dum Partido
que luta contra tudo que é velho e iníquo, possa cumprir a sua missão, sem
desenvolver bastante actividade.

A acusação “actividade revolucionária” não é matéria de crime. As democracias
alvoreceram sob o lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”. E a concepção
proletária da revolução tomou corpo, quando à classe operária se tornou patente
que a democracia burguesa era incapaz de instaurar a democracia autêntica, a
democracia da abolição da exploração do homem pelo homem. O 28 de Maio
definiu-se mais um pouco em 1930 sob a palavra de ordem “Revolução Nacional”.
Ora o que há de particular entre a concepção revolucionária do PC e a concepção
“revolucionária” da actual Ditadura, é o facto da Ditadura adoptar uma
fraseologia revolucionária como meio de iludir as grandes massas do povo que
abominam a exploração capitalista e latifundiária, em benefício da qual a
Ditadura exerce a dominação política do país – ao passo que o PC se propõe
realizar efectivamente a revolução de libertação nacional e social do povo
português.

Sou acusado, por fim, de “incitamento à indisciplina social”. A minha
actividade, a actividade do Partido Comunista, não cabe no colete de forças de
“incitamento à indisciplina social”. O Partido Comunista Português opõe,
partindo da realidade, da própria vida, uma forma determinada e precisa de
organização económica e social à ordem económica e social existente. O PC dá-se
conta das particularidades nacionais, e, por isso, não submete as formas da
revolução, da emancipação do povo português, a um “cliché”.

O PC é o herdeiro das tendências liberais e dos valores intelectuais
progressivos do povo português. E a história do nosso país é toda ela cheia de
acontecimentos grandiosos, que arrancaram à ditadura fascista todas as bandeiras
da tradição e do desenvolvimento histórico português.

Nós vimos dese povo que fez a revolução do Mestre de Aviz e que definiu a
nacionalidade portuguesa em luta contra a nobreza de Portugal enfeudada à coroa
de Castela.

Nós vimos desse povo que já antes da restauração de Portugal, quando D. João IV
ainda hesitava entre servir a Casa de espanha ou seguir as directivas da Casa de
França e de Inglaterra, se batia nas ruas contra a dominação nacional da nobreza
espanhola.

Nós vimos desse povo que se levantou em massa contra o ultimatum inglês e que
debaixo desse imperativo de soberania nacional derrubou a Monarquia em 5 de
Outubro de 1910.

Nós vimos desse povo que criou a “Portuguesa” onde se encerra mais ideia de
Nação do que tudo que poderá conter a esse respeito toda a Torre do Tombo dos
decretos e das notas oficiosas do “Estado Novo”.

E é muito fácil dizer-se para onde vamos. O PC combate o actual estado de
iniquidade social debaixo de um programa preciso. Nós lutamos pela restituição
ao povo português de todas as liberdades democráticas, conquistadas pelos nossos
antepassados, desde 1820 a 1910 e que a Ditadura lhes arrancou.

Lutamos pela salvação económica dos camponeses espoliados pelas cargas
tributárias e pelas leis agrícolas restritivas da Ditadura. Lutamos pela
satisfação imediata das satisfações ingentes do proletariado, pela defesa das
condições económicas e sociais das camadas médias, pela defesa da cultura e
pelos interesses das pequenas e médias actividades em geral, e propomo-nos
realizar este programa por meio da Frente Popular de todos os agrupamentos que
estão contra a Ditadura fascista vigente.

Esta é uma etapa intermédia para a luta pela emancipação dos trabalhadores, para
a instauração da Democracia autêntica, que constitui o objectivo ulterior do
nosso Partido. Porém, subordinando a sua actividade a um programa imediato tão
definido como aquele, o PC vulgariza a noção e ordem social que advoga em cada
etapa da luta de classes. E a nós não restam dúvidas que na luta pela
materialização deste programa, as massas do país saberão deduzir todas as
consequências políticas, sociais e jurídicas indispensáveis à satisfação das
suas necessidades e aspirações fundamentais.

Quando a Ditadura decretou o desconto de 2% nos salários da classe operária e o
PC respondeu: Socorro contra o desemprego custeado pelo Estado e pelos
empresários! – Que espécie de actividade do PC encontramos aqui? “Incitamento à
indisciplina social”, ou defesa dos interesses da classe operária?

Quando o PC proclama: A trabalho igual salário igual! Que espécie de actividade
vemos aqui? “Incitamento à indisciplina social”, ou defesa das mulheres e da
juventude trabalhadora?

Quando o PC proclama: Abaixo os monopólios agrícolas, mercado livre, o crédito
barato à pequena e média lavoura! De que se trata realmente? De incitamento à
rebelião ou de defesa dos camponeses?

Quando o PC proclama: Abolição da censura à imprensa! Abaixo a “política do
espírito”! Que espécie de actividade vemos aqui? Incitamento à indisciplina, ou
defesa da liberdade de pensamento e de cultura?

Quando o PC proclama: Abaixo a corrida louca aos armamentos! De que actividade
comunista se trata realmente? De incitamento à indisciplina social, ou de luta
pela emancipação da paz?

Tal é ao que se reduz a acusação a que venho de referir-me.

Nós conhecemos o valor prático desta acusação lançada contra o Partido Comunista
e contra o movimento antifascista, na imprensa oficiosa da Ditadura.
“Incitamento à Indisciplina Social” foi e continua sendo a palavra de ordem, em
nome da qual o “Estado Novo” põe em prática os métodos da repressão mais
violenta da luta de classes, e, em particular, do Partido Comunista.

Entre o cortejo de vítimas da Ditadura fascista eu recordo aqui: Manuel Vieira
Tomé, velho militante sindical, ferroviário, preso em 1934 e espancado tão
barbaramente durante 12 dias de incomunicabilidade, após o que pereceu,
“enforcado” no segredo do Aljube; Álvaro Gonçalves, cortador, militante do
Partido Comunista, tão sujeito a torturas que, após a sua passagem à
comunicabilidade manteve, durante alguns tempos, largos indícios de alienação
mental; Adolfo Ayala, militante das juventudes comunistas, a que a Polícia de
Informação torturou para “endireitar-lhe a corcunda”; Acácio Tomaz Aquino,
anarquista, pedreiro da Companhia Carris de Ferro de Lisboa, ferozmente
espancado; Américo Gomes, jovem comunista, falecido na Penitenciária de Lisboa,
em virtude dos maus tratos sofridos na Polícia de Informação; João Ferreira de
Abreu, falecido também pelas mesmas causas; José Borges Seleiro, militante
sindical do Partido Comunista, incomunicável durante 180 dias, 120 dos quais só
lhe eram fornecidas duas refeições por dia; José de Sousa, membro do
Secretariado do PC, brutalmente espancado quase na minha presença (11 de
Novembro p.p.) durante mais de uma hora. Recordo o regime de
semi-incomunicabilidade em que se encontram submetidos quase todos os oresos
políticos e sociais em geral e a situação dos que se encontram na Forlateza de
Angra; rígida censura à correspondência, ambiente prisional o mais inóspito aqui
se encontram em cativeiro indefinido apesar de já haverem acabado as suas penas
há longos meses; quantos e quantos se encontram aqui cumprindo pena
penitenciária, apesar de terem sido condenados a desterro ou simplesmente a
prisão correccional. Quase todos estes presos se encontram privados de visita,
incluindo um natural da própria Ilha Terceira.

“Ponhamos termo à indisciplina social, porque de contrário arriscar-se-á a
soberania nacional e a sorte das colónias portuguesas”.

Este é outro elemento da demagogia da Ditadura, dirigido contra as forças
antifascistas do país.

A política exterior da Ditadura relacionada com o conflito ítalo-etíope
esclarece-nos sobre o modo como o “Estado Novo” realiza aquela dupla defesa.
Portugal obteve um lugar no comité pro-coordenação das sanções a aplicar à
Itália. Porém, conduz aí uma política de vacilação ante o receio de que a
derrota de Mussolini em África arraste a queda do fascismo italiano dada a
importância que esse facto pode vir a ter no campo nacional português. A guerra
na Abissínia prolonga a sua duração. Entretanto Hitler ganha teempo para
conduzir na Alemanha as suas campanhas sobre colónias. Ao mesmo tempo o conflito
ítalo-etíope pode degenerar numa nova conflagração. Um arranjo amigável pode vir
ainda a ser o caso para a Itália. Ora, qualquer deses factos podem pôr, dum
momento para o outro, em ordem do dia da política imperialista, a questão do
reparto de Angola e Moçambique.

A situação internacional presente tem este traço novo: uma política exterior
apoiada no SDN poderia trazer a Portugal uma maior independência da Inglaterra.
Ora a Ditadura tem seguido justamente uma política contrária. A verdadeira
faceta desta política está no seguinte: Para explorarem e oprimirem os
camponeses pobres do país, os grandes lavradores nacionais têm necessidade dum
aliado imperialista. Tal é a política do capitalismo nacional, inimigo do povo
português.

Quisera dizer algumas palavras sobre o modo como a Ditadura realiza a “Revolução
Nacional”. Em 1931, a Ditadura colocou ante o país o seguinte problema: o que o
capitalismo não conseguiu resolver durante a atapa do livre câmbio
(monopolização completa da produção industrial e agrícola) é preciso efectuá-lo
agora nas condições da crise geral do capitalismo.

Depois veio a demagogia da “subordinação aos altos intersses nacionais” e da
“defesa do bem comum”. Passou a falar-se de “direito hierárquico” e de “economia
autodirigida” e tudo isto queria dizer simplesmente:

Capitalista: grande empresário e grande lavrador – únicos senhores! Em 1934, a
imprensa uniformizada do país proclamava: os maus dias passaram já. Nós vimos,
pelo contrário, que ao passo que as empresas capitalistas encerravam o seu
exercício anual com lucros animadores, a classe operária via piorar as condições
da sua existência.

Foi decretada a constituição dos Sindicatos Nacionais que deviam elevar
socialmente a situação dos trabalhadores. Porém, o Dr. Teotónio Pereira declarou
por essa altura: contra os interesses do capital não podem prevalecer os
direitos do Trabalho!

Vários foram os contratos colectivos de trabalho em que aos trabalhadores foi
imposta uma situação mais miserável do que aquela que anteriormente vinham
usufruindo.

Desde 1931 até ao presente os novos impostos sobre os camponeses e as medidas
restritivas sobre a lavoura já constituíam aluvião. A pequena e média lavoura
vinheteira e cerealífera estalam sobre o peso da crise agrária, tornada muito
mais dura com o aparecimento das Federações Agrícolas.

O pequeno e médio comércio e a pequena e média indústria sufocam ao peso dos
impostos e contribuições.

As mulheres e os jovens trabalhadores estão sujeitos a um regime de escravos.

Foi limitado o acesso ao ensino secundário e superior para os filhos da pequena
burguesia e o governo amputa as escolas industriais. O ensino vai-se tornando um
exclusivo dos grandes ricos.

A censura à imprensa, a “política de espíritos” e os salários miseráveis das
grandes massas agravam a crise do livro português.

A Ditadura arrancou às colónias todos os embriões de autodeterminação que lhe
haviam sido dados com a revolução de 1910.

O “Estado Novo” recuou de mais de meio século a liberdade de pensamento,
condição de produção duma cultura cultura humana, e o direito dos trabalhadores
à greve em defesa da sua existência.

Tal é, em largos traços, a “Revolução Nacional” que a Ditadura realiza. Eu creio
ter provado que as acusações que me são feitas pelo TME não encerram matéria de
crime. Já disse também, que entre as acusações lançadas pela Ditadura e pela
Polícia de Informação contra o PCP e a acusação que me é feita pelo TME há uma
enorme contradição. Este facto tem uma explicação muito simples. A Ditadura põe
mas os factos também dispõem, numa certa medida.

Se a acusação que ora me é feita é insignificante em comparação com as acusações
que dia a dia são lançadas contra o meu Partido, isto quer dizer que à Ditadura
já falta o ambiente para realizar o estrangulamento do Partido Comunista
Português. Porém, eu não tenho ilusões sobre o critério policial da Ditadura:
faz-se-me uma acusação insignificante para distrair o proletariado da luta pela
libertação dos militantes revolucionários e antifascistas que se encontram a
ferros da Ditadura. Ao mesmo tempo, à semelhança do que já se fez em relação a
outras vítimas do fascismo português, resolveu-se que a grandeza ditada pelo TME
pouco vale, ante o critério pré-estabelecido da Ditadura de manter os que
combatem em prisão preventiva eterna.

O mundo, porém, continua a rodar.

O fascismo, é uma barbárie contra a qual as massas se levantam já em vários
sítios, Gil Robles e os sanguinários medievais estranguladores da revolução
asturiana foram derrotados em Espanha.

O proletariado e os camponeses de Portugal não abdicaram da sua resistência à
espoliação capitalista e latifundiária em benefício da Ditadura fascista.

Aqui e ali, as massas corrigem a demagogia ditatorial fazendo vingar algumas das
suas reivindicações parciais. Eu recordo-vos o movimento dos camponeses do
centro e sul vinhateiro contra a restrição do plantio da vinha e as lutas do
proletariado conserveiro contra a fome que era imposta no período de defeso
deste ano.

O proletariado reunirá as suas forças para o contra-ataque à ofensiva do
capital.

Os 10 anos de opressão fascista em Portugal já forneceram uma experiência
bastante salutar às forças antifascistas do país para resolverem as pequenas
querelas que as dividem, na luta contra o inimigo comum.

Nós saudamos os primeiros passos que os anarco-sindicalistas e os republicanos
empreenderam ombro com ombro com o nosso Partido na formação da frente única
proletária e duma frente popular contra a Ditadura pela libertação nacional e
social do povo português.

O Tribunal vai ditar-me a sentença. Que faça o Tribunal o que entender. Quanto a
mim, mantenho-me nesta convicção: A Terra Gira!

a) Bento António Gonçalves

In “O Militante”, Ano 38º-III Série, Nº 169, Fevereiro de 1971