Bruno Dias, O capital faz-se à pista

O capital faz-se à pista
BRUNO DIAS

A anunciada construção do novo Aeroporto de Lisboa tem sido usada como um aríete para tentar justificar a privatização da rede aeroportuária nacional. Com a trapaça de "conseguimos um aeroporto praticamente de borla", os sucessivos governos têm procurado esconder a factura que o País teria a pagar com este negócio.
 
Falamos de um sector com um papel estruturante e estratégico no funcionamento da economia e até na soberania nacional. Falamos da coesão territorial, de políticas de investimento em infra-estruturas espalhadas pelo continente e regiões autónomas, fala- mos do turismo, da logística, da ligação às comunidades portuguesas pelo mundo.
 
O desempenho desta empresa pública, com resultados crescentemente positivos, é uma realidade que faz cair com estrondo o mito da "supremacia do sector privado". O investimento avança, com o premiado Aeroporto Francisco Sá Carneiro no Porto, com a modernização da Portela e novos investimentos em Faro e Ponta Delgada. Mesmo com tudo isto, o resultado líquido da ANA chegou aos 238 milhões de euros nos últimos oito anos. Segundo os dados mais recentes do INAC, o sector aeroportuário apresenta resultados líquidos positivos, aliás, os melhores entre todos os segmentos de actividade da aviação civil nacional.
 
A privatização do handling da TAP foi o pior que podia ter acontecido aos passageiros, aos trabalhadores e até à própria TAP, que aliás teve de readquirir a empresa que antes tinha vendido! E ainda há quem se lembre do plano de privatização da TAP, que o Governo PS/Guterres apresentava como urgente e indispensável, e que previa a venda da companhia à Swissair. Se esse plano tivesse ido por diante, a TAP teria desaparecido. Temos de aprender com a nossa própria experiência – e com a dos outros – em vez de "aterrar às cegas" em mais uma privatização desastrosa.
 
Veja-se o que se passou na Grécia, com a entrada dos privados na gestão dos aeroportos, à pala do investimento no Aeroporto de Atenas. E veja-se a desgraça que isso representou para a Olympic Airways. Ou então, veja-se a crise dramática da British Airways, encurralada em Londres desde que em 2006 os aeroportos foram privatizados e ficaram nas mãos da espanhola Ferrovial. Os prejuízos da BA ascenderam a 280 milhões nos últimos nove meses de 2009. A situação tornou-se tão grave que foi criada uma comissão de inquérito no parlamento britânico, especificamente para investigar a privatização dos aeroportos e as suas consequências. Curiosamente, nada disto foi notícia por cá…
 
Quando se fala da ANA, fala-se também do capital total da Portway, de 70% da ANAM (Madeira) e de 49% da ADA (Macau). Mas também de interesses que despertam grandes apetites. Há projectos em preparação para hotéis em Pedras Rubras ou em Faro, e falta conhecer o destino que terão afinal os terrenos da Portela. Não admira que os grupos económicos privados e transnacionais do sector esfreguem as mãos de entusiasmo.
 
Em qualquer país, os aeroportos têm um valor estratégico para a economia – e até para a soberania. Para um país com o peso da actividade turística como o nosso, com uma posição periférica no contexto europeu e com o seu território de ilhas e arquipélagos, pensar a rede aeroportuária como negócio de saldo ou moeda de troca é nada menos que criminoso.
Quando o poeta Ary dos Santos falava nas "Empresas que são do Estado / / Porque o seu dono é o povo", era afinal disto que estava a falar: da economia ao serviço do País. É muito simples – trata-se de decidir ao serviço de quem estão as alavancas estratégicas da economia, quem as controla e a quem delas se presta contas, que interesses e objectivos servem. Os aeroportos são de nós todos.