in Jornal "Voz do Operário"
A Revolução de Outubro, de 1917, foi e representa hoje a primeira revolução socialista vitoriosa, ou seja, a primeira revolução em que os trabalhadores triunfam sobre as classes dominantes e iniciam a construção de um estado de operários e camponeses, assim como de uma sociedade sem classes antagónicas e liberta da exploração do homem pelo homem. O seu carácter inaugural não deve hoje ser esquecido por algumas razões fundamentais.
A grande Revolução triunfa onde outras tentativas de libertação dos explorados e oprimidos fracassaram, desde as revoltas dos escravos de Roma, às revoltas camponesas, às insurreições operárias do séc. XIX, até à Comuna de Paris. A própria participação popular na Revolução francesa tinha sido defraudada pela burguesia. A primeira revolução vitoriosa é assim portadora da memória activa de lutas, sonhos e esperanças, utopias milenares e sempre vencidas. O que não pode deixar de nos levar a considerar as razões e o significado da vitória. O projecto que vence com a revolução de Outubro é um projecto de edificação de um tipo de sociedade nunca antes conhecido pela humanidade na sua história.
A grande revolução significa um profundo revolucionamento político, económico, social e cultural, transforma radicalmente a vida de populações que habitam um território enorme. Entrega o poder àqueles que sempre dele tinham sido afastados e o tinham apenas sofrido, começa a construir um sistema político que une as dimensões representativa e participativa da democracia, altera o regime jurídico e social da propriedade e as relações de produção e lançará um impetuoso desenvolvimento das forças produtivas. A revolução é também um poderoso revolucionamento cultural: a educação de milhões de pessoas torna-se uma prioridade, a revolução leva à escrita povos que a não tinham e elimina, num curto prazo histórico, o analfabetismo, cria as condições do desenvolvimento científico e abre as portas a um florescimento artístico e cultural incomparável.
Talvez hoje, paradoxalmente, possamos perceber melhor o seu carácter profundamente novo, avaliar as suas dificuldades, compreender o seu carácter de primeira tentativa histórica e, ao mesmo tempo, aprender a situar, na longa duração da história, a significação da derrota das primeiras sociedades construídas com o objectivo do socialismo e do comunismo.
Hoje, que a ideologia burguesa celebra a vitória do capitalismo, tornado sistema mundial, e que tende a apresentá-lo como o estádio final da história humana, apresentando a nova ordem como o fim do socialismo e do comunismo, ao memo tempo, que desencadeia uma ofensiva global contra os direitos económicos, políticos, sociais e culturais dos trabalhadores, conseguidos directa e indirectamente graças à revolução de Outubro e ao impulso que ela deu ao movimento operário, popular, democrático e nacional libertador em todo o mundo, talvez se possa medir mais intensamente a imensa força que foi precisa para constituir essa sociedade nova e as enormes forças que desde o início se levantaram contra ela, e foi sendo necessário acumular para a derrotar.
Entretanto, a revolução de Outubro com o seu carácter inaugural, com o fluxo revolucionário a que deu origem, com as conquistas que possibilitou, com o papel da URSS na derrota do nazi-fascismo, mostrou que a construção do socialismo não é uma utopia, nem apenas uma possibilidade real, mas uma alternativa histórica ao capitalismo e ao imperialismo. Uma alternativa que começou concretamente a ser construída e foi interrompida.
Acontecimento maior do séc. XX, ela marca-o determinantemente, e representa o início de uma era histórica que ainda não terminou (mesmo que vivamos hoje um período de contra-ciclo): a era da passagem revolucionária do capitalismo ao socialismo.
Quando aqueles que violentamente expropriam os direitos alcançados e que constituiriam uma plataforma civilizacional para a participação democrática e a emancipação social, aqueles que continuam a levar a guerra a todos os continentes, consideram essa interrupção como uma derrota definitiva, o que fazem é tentar desfigurar e ocultar a revolução de Outubro, e obscurecer que há uma alternativa ao seu domínio, uma alternativa que essa revolução configurou e ajuda hoje a configurar.
As manobras ideológicas para retirar à revolução de Outubro o seu imenso poder de atracção sobre o imaginário político, as convicções e a inteligência da história dos milhões de explorados e oprimidos são inúmeras, apoiam-se no controlo dos grandes meios de comunicação de massas e contam com apoios financeiros poderosíssimos.
Na actualidade, à medida que a ofensiva neo-liberal enfrenta cada vez mais uma resistência popular crescentemente organizada, uma das mistificações mais corrente, baseada na desfiguração dos factos históricos, consiste em reduzir a revolução ao modelo que aprisionou as suas forças e a partir daí condenar miseravelmente todo o esforço heróico dos comunistas e de populações inteiras na luta pela liberdade, o poder do povo, a justiça social, a paz e a soberania, comparando miseravelmente comunismo e fascismo.
A mistificação consiste em culpar a revolução de Outubro pelas desfigurações, erros e desvios que, em determinadas condições históricas, marcadas por uma constante pressão externa, uma série de conspirações e agressões internacionais, levaram à génese de um modelo que aprisionou as forças sociais e humanas libertadas pela revolução, contrariou em aspectos determinantes os princípios e o desenvolvimento da teoria revolucionária do marxismo-leninismo, violou a legalidade socialista e virou costas a princípios fundamentais do ideal comunista. Esse modelo fragilizou o poder socialista e abriu as portas à sua derrota que nem a agressão nazi-fascista conseguira obter. Mas pretender que esse modelo decorre necessariamente do pensamento e do programa do marxismo-leninismo, que a ele se reduz o ideal comunista é dar provas de desonestidade política e intelectual, reescrevendo a história, com o fito de incriminar e reprimir, primeiro os comunistas, depois todos os que pensam e lutam organizadamente contra o sistema capitalista e depois todo e qualquer protesto social.
Outra das mistificações correntes consiste em acusar a revolução pela sua extrema violência e em imputar aos revolucionários de 1917 um particular gosto pela violência. No sentido em que a palavra "violência" é utilizada na acusação, o que há que responder é que o conjunto de actos revolucionários, ou a tomada do poder, se deram quase sem mortos. É com a guerra civil desencadeada pela reacção aristocrática e burguesa e com o cerco da Rússia por 14 exércitos de outras tantos estados que o número de mortos e a violência brutal faz o seu aparecimento. É igualmente falso que Marx, Engels, Lenine e os revolucionários de Outubro tivessem um particular gosto pela violência, antes concebiam a revolução com o mínimo de violência organizada, necessária para pôr termo à violência generalizada e multiforme do sistema capitalista e, no caso vertente, agravada pelo regime czarista. Historicamente, a revolução de Outubro responde à bárbara violência sangrenta da guerra inter-imperialista que foi a I Guerra Mundial, e sucede, em escassos meses de 1917, à brutal repressão de uma manifestação popular.
A acusação de violência é, além do mais, um exemplo da mais descarada hipocrisia por parte dos defensores de um sistema que nasceu da mais brutal expropriação, da escravização de milhões de seres humanos e cresceu até hoje graças à opressão colonial e neo-colonial, recorrendo sempre que precisou à violência fascista e a inúmeras guerras.
Uma outra linha, mais elaborada, de ataque à Revolução de Outubro, assim como ao programa e ao ideal comunista consiste em acusá-los por representarem uma tentativa desmedida de controlar o processo histórico, de modo a impor-lhe uma direcção ou um sentido voluntaristamente pré-definidos. Segundo estes acusadores o processo económico e social é objectivo e fatal, incomensurável com o pensamento e a acção humana, só nos restando a possibilidade de pequenas intervenções de ajuste, de correcção de uma dinâmica fundamentalmente cega. Esta teorização parece ser apenas a cobertura aparentemente sofisticada daquela máxima reaccionária "Sempre houve pobres e sempre há-de haver, não há nada que possamos fazer", ou a fundamentação da tese da propaganda burguesa que consiste em afirmar que o capitalismo é o sistema que corresponde à "ordem natural das coisas". É uma teorização que confunde a objectividade de uma situação ou de um estado de coisas com a impossibilidade de a pensar e procurar intervir para a transformar, e impõe limites estreitíssimos ao pensamento e acção humanas.
Contra esta teorização e as suas teses, o facto de a revolução de Outubro ter sido não apenas possível, mas possível como vitória, é a demonstração viva da eficácia de uma teoria, o marxismo-leninismo, de um programa político, o do partido bolchevique, e da acção de transformação revolucionária da realidade desenvolvida pelas massas populares, reunidas em torno da classe operária.
A revolução de Outubro é denegrida, mistificada e ocultada, porque justamente é o acontecimento histórico singular de massas imensas que tomam os seus destinos nas próprias mãos, a demonstração do poder transformador da acção humana esclarecida, poder que radica na faculdade de transformação do trabalho humano. A revolução de Outubro é odiada porque ela continua a indicar o caminho, continua a significar que existe uma alternativa à barbárie capitalista, o socialismo e o comunismo. A Revolução de Outubro de 1917 continua a dizer-nos que um outro mundo será possível, na liberdade e na democracia, na justiça e no bem-estar social, com o poder dos trabalhadores e a emancipação social, com a criação cultural socialmente apropriada, com o socialismo.