MARÇO
A Dualidade de Poderes
Com o fim da Monarquia e a vitória da Revolução, instala-se no país uma dualidade de poderes. Por um lado, o Governo Provisório (“o poder sem a força”, segundo as palavras do chefe do Governo, príncipe Lvov), que representava a ditadura da burguesia. E por outro lado, o Soviete, (“a força sem o poder” nas palavras do mesmo Lvov) que realizava a ditadura democrática revolucionária do proletariado e do campesinato.
Manifestação por ocasião do Funeral das vítimas da Revolução de Fevereiro
A 1 de Março, o Soviete de Deputados Operários de Petrogrado decidiu organizar uma secção de soldados, e passou a chamar-se Soviete de Deputados Operários e Soldados de Petrogrado. No mesmo dia aprova a sua ordem n.º 1, dirigida à guarnição da região militar de Petrogrado, que estabelece um novo sistema democrático de organização do exército.
Aí se estabelece a eleição de representantes das patentes inferiores “em todas as companhias, batalhões, regimentos, baterias, esquadrões e diferentes serviços…”, a eleição de deputados aos sovietes em todas as companhias, a subordinação ao Soviete nas acções políticas, o papel secundário da Duma, os direitos políticos e os deveres militares dos soldados, a punição do comportamento grosseiro por parte dos oficiais. (Ordem n.º 1 do Soviete de Deputados Operários e Soldados de Petrogrado)
No dia 2 de Março, é eleito o primeiro comité legal do POSDR (Bolchevique).
Os sovietes criaram uma mílicia operária nas empresas, libertaram os presos políticos, desarmaram os representantes da antiga administração tsarista, organizaram eleições de comités de fábrica, de circunscrição local e de aldeia, assumiram o controlo da imprensa, e avançaram na melhoria da situação material dos operários.
Apesar de, nesta fase da revolução, os sovietes estarem maioritariamente influenciados pelas forças socialista-revolucionárias e mencheviques, a pressão directa do povo armado e a criatividade revolucionária das massas determinavam a sua intervenção. Exemplo disso é a implantação da jornada de 8 horas, por iniciativa dos Sovietes sem cobertura dos dirigentes socialista-revolucionários e mencheviques.
O Governo Provisório
Impossibilitado de utilizar a força contra os Sovietes, a Burguesia, através da Duma de Estado e do Governo Provisório (nesta fase, assente nas forças políticas representantes da grande burguesia), reconhecia os Sovietes e formalizava concessões às reivindicações populares, ao mesmo tempo que adiava as questões centrais, procurando ganhar tempo e inverter a correlação de forças.
Assim, o Governo Provisório declara “privado de liberdade” o antigo tsar e sua família directa a 7 de Março, a 6 de Março decretou a amnistia política geral, a 12 aboliu a pena de morte. Os deportados bolcheviques foram libertados e os exilados obtiveram o direito de regressar à pátria. Foram abolidas um conjunto de restrições por motivos religiosos ou nacionais.
Mas adiava-se a resolução do problema agrário, não se atacava a insuficiência de alimentos e mantinha-se a Rússia na guerra imperialista. A 9 de Março, os EUA reconhecem o Governo Provisório, e a 11 reconhecem-no a França, a Grã-Bretanha e a Itália. Nessa ocasião, afirma o embaixador inglês: ”A Grã-Bretanha, ao estender a mão ao governo provisório, está convencida de que ele permanecerá fiel às obrigações assumidas pelo seu antecessor e fará todo o possível para travar a guerra até à vitória”. A 27 de Março, o Governo publica uma declaração sobre as tarefas da guerra onde proclama, como seu objectivo, “defender custe o que custar o nosso próprio património pátrio e libertar o país do inimigo que invadiu as nossas fronteiras” como “a primeira questão premente e vital”.
E paralelamente, trabalhava-se para alterar a correlação de forças.
A dualidade de poderes
Assim se criou temporariamente, no império russo, um equilíbrio precário entre estes dois pólos do poder. Para realizar a sua política, o governo burguês precisava do apoio, ou pelo menos da tolerância, dos Sovietes. Os Sovietes poderiam ter aproveitado esta fraqueza do Governo Provisório para o avanço da Revolução. Mas não o fizeram. À frente dos Sovietes continuavam os mencheviques e os socialistas-revolucionários, os quais cada vez mais iam deixando passar para o Governo da grande burguesia o poder conquistado pelos operários e soldados – em vez de tirarem partido da situação em proveito do povo. O Governo da grande burguesia ainda tinha de fazer algumas concessões ao povo, de garantir algumas liberdades políticas, dado o impulso revolucionário das massas populares e a situação incerta do país. Mas continuou com a guerra. Prosseguiu, assim, a morte absurda dos soldados. Os camponeses não receberam terra. A escassez de alimentos e a fome continuaram. O Governo Provisório burguês era incapaz de resolver os problemas vitais.
A revolução ganhou assim novas raízes. Operários entravam em greve, camponeses agitavam-se, soldados recusavam-se a obedecer e voltavam para casa. Os bolcheviques encontravam cada vez maior apoio, e puderam alargar a sua influência entre os operários e os soldados. À frente dos bolcheviques estava Lénine, que em Abril de 1917 regressará da Suíça para a Rússia com a palavra de ordem «Todo o poder aos Sovietes!».