Nota introdutória a
O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo
Carlos Aboim Inglez
Apenas uma breve nota introdutória a propósito desta oportuna reedição da tradução portuguesa de O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo, uma das obras capitais de Vladímir Ilitch Lénine, de quem passa este ano o 130º aniversário do nascimento.
A elaboração de O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo começa a ser preparada por Lénine em meados de 1915 e formulações relativas ao imperialismo tornam-se particularmente relevantes nos seus escritos da segunda metade de 1915, antecedendo a redacção directa desta obra de Janeiro a Junho de 1916. De novos fenómenos do desenvolvimento do sistema capitalista à escala mundial já Lénine se vinha apercebendo há muito e abordando em vários escritos, de 1895 a 1913. Entretanto, a importância político-prática de uma síntese teórica mais ampla e fundamentada da nova fase do capitalismo, firmada de finais do século XIX para começos do século XX, ganhava particular acuidade com a preparação e eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914. As perspectivas revolucionárias que se rasgavam, desde logo ao proletariado russo, mas não só, e a necessidade, para as aproveitar e mais seguramente se orientar na crise generalizada pela própria guerra, de derrotar o oportunismo no seio do movimento socialista – requeriam traçar «um quadro de conjunto da economia mundial capitalista nas suas relações internacionais», requeriam aprofundar «a compreensão de um problema económico fundamental, sem cujo estudo é impossível compreender seja o que for e formar um juízo sobre a guerra e a política actuais: […] o problema da essência económica do imperialismo.»
Baseada no seu excepcional conhecimento das obras de Marx e Engels e guiando-se firmemente pelos seus princípios teórico-revolucionários essenciais, esta obra de Lénine constitui decerto um dos mais importantes desenvolvimentos criadores do marxismo, caracterizando profundamente a «fase superior do capitalismo» alcançada no processo histórico de actuação das leis essenciais de movimento do seu sistema.
Como Marx e Engels, para a sua elaboração teórica Lénine baseou-se num amplo e diversificado estudo crítico escrupuloso da realidade objectiva em causa, bem como das precedentes abordagens teóricas. Os materiais preparatórios, que vieram ulteriormente a ser coligidos nos Cadernos sobre o Imperialismo, abarcam um enorme acervo de informações de âmbito mundial, estatísticas, excertos e teses de obras de variados autores, extraídos de cerca de 148 livros e 232 artigos especializados sobre a matéria.
Também como Marx e Engels, Lénine sentiu, em época de transição e agudização de todas as contradições económicas, sociais e políticas, a necessidade de aprofundar o seu já notável conhecimento filosófico, instrumento indispensável para a apreensão da realidade objectiva. Como se pode verificar pela consulta dos seus Cadernos Filosóficos (tomo 6 das suas Obras Escolhidas, Edições «Avante!», 1989), coligidos pela primeira vez em 1929-1930, Lénine estudou detidamente entre 1914 e 1915 inúmeras obras filosóficas, com significativo destaque para a Ciência da Lógica de Hegel, afinando assim o seu já magistral domínio da dialéctica materialista.
Como Marx e Engels, ainda, mas agora decerto em grau de maior intensidade e exigência imposto pelo patamar superior de actividade alcançado pelo movimento revolucionário do proletariado, todo o labor de investigação e elaboração teórica de Lénine foi entretecido com uma imensa actividade política prática. Lénine era já então não só um dirigente destacado e reconhecido do Partido Operário Social-Democrata da Rússia (POSDR), mas igualmente de todo o movimento socialista internacional, em expansão organizativa e atravessado por agudas polémicas ideológicas entre tendências oportunistas e revolucionárias. Por toda esta obra de Lénine perpassa um sentido de urgência e responsabilidade histórica perante as exigências duma luta de classes que, dentro de pouco mais de um ano, desembocou na Revolução Socialista de Outubro de 1917. Daí que a afirmação de Lénine, no seu prefácio à edição russa de Abril de 1917, segundo a qual «o imperialismo é a véspera da revolução socialista», tenha por ele sido retomada e completada no final do prefácio às edições francesa e alemã, de Julho de 1920: «O imperialismo é a véspera da revolução social do proletariado. Isto foi confirmado à escala mundial desde 1917.»
Hoje, em finais do século XX, a época histórica de transição do capitalismo para o socialismo, inaugurada pela vitória da revolução russa de Outubro de 1917, sofreu um brutal retrocesso com o desaparecimento da URSS e dos regimes socialistas dos países da Europa Ocidental. A derrota datada do modelo de socialismo que aí veio a configurar-se, todavia, não põe em causa a validade histórico-mundial essencial daquela tese leninista. Como o próprio Lénine justamente assinala (no seu trabalho Acerca da Brochura de Junius, escrito precisamente logo após a redacção de O Imperialismo…,), «conceber a história mundial como avançando sempre regularmente e sem escolhos, sem saltos por vezes gigantescos para trás, é antidialéctico, anticientífico, teoricamente incorrecto.» (Obras Escolhidas, tomo 2, p. 409 – sublinhado meu.) O processo revolucionário é irregular, feito de avanços e recuos, de períodos de refluxo e de períodos de ascenso. E a nossa própria experiência histórica veio confirmar que, como afirmava Lénine noutro escrito, «a revolução social não é uma batalha única, mas uma época com toda uma série de batalhas por todas e cada uma das questões das transformações económicas e democráticas, que só terminarão com a expropriação da burguesia.» (Ibid., p. 273.) Outros avanços históricos se seguiram a 1917 e o mundo hoje é indelevelmente marcado pelo processo de emancipação social e nacional que percorreu todo o século XX, não anulado pelo salto atrás verificado há uma década.
Novos avanços se estão trabalhosamente preparando, por uma tenaz luta de classes em todo o mundo, nas entranhas do imperialismo, cujas contradições intrínsecas persistem e se aprofundam a uma escala ainda mais global. Como a recente (e ainda não encerrada) crise económica e financeira de 1997-1999 veio uma vez mais patentear, com perdas imensas de riquezas materiais e tremendas consequências sociais, evidenciando brutalmente os limites históricos das relações de produção capitalistas precisamente numa altura em que o triunfalismo da «globalização» capitalista se pretendia impor às consciências como inevitabilidade eterna, um ahistórico «fim da História».
Oitenta e cinco anos após ter sido escrita, e apesar de todos os desenvolvimentos ocorridos durante este período, a obra de Lénine O Imperialismo, Fase Superior do Capitalismo permanece de extraordinária pertinência e validade para a análise e compreensão da natureza do capitalismo contemporâneo e do real conteúdo da sua actual vaga de «globalização», tal como para a reafirmação do papel motor decisivo da luta de classes dos trabalhadores e dos povos para a superação revolucionária do capitalismo.