A Internacional Comunista e o movimento sindical português

A Internacional Comunista e o movimento sindical português

 Américo Nunes

Passaram setenta anos sobre a realização do VII Congresso da Internacional Comunista, na Casa dos Sindicatos em Moscovo, no Verão de 1935, e ainda hoje, em Portugal, colhemos os frutos da orientação sindical ali traçada.

Estávamos então em pleno regime fascista, consolidado, e no mundo caminhava-se para a guerra.

O Partido, através dos comunistas da Comissão Inter-Sindical, fracassada a Greve Geral de 18 de Janeiro de 1934, tinha respondido de seguida com a criação de sindicatos clandestinos, à dissolução dos sindicatos pelos fascistas.

Mas, segundo Bento Gonçalves, esta resposta não estava a ser satisfatória. O Secretário-geral do Partido, no seu relatório ao VII Congresso, diz que a CGT, anarquista, se tinha desorganizado completamente, reduzindo-se a pequenos grupos sem ligação às massas, e que nos sindicatos vermelhos ilegais a actividade quase se limitava à publicação do jornal.

A discussão no VII Congresso, virada para a luta contra o fascismo no mundo, estabeleceu como questão fundamental a unidade da classe operária e das forças democráticas, voltada para a actividade de massas.

Entretanto, os sindicatos corporativos, impostos, tinham-se transformado em organizações de massas. Embora obrigados, era lá que estavam os trabalhadores.

Ninguém melhor que Bento Gonçalves, ex-sindicalista do Arsenal da Marinha e um dos obreiros da Inter-Sindical, para compreender a palavra de ordem lançada no Congresso de que os comunistas deveriam estar onde estão as massas. Incluindo nos sindicatos subordinados aos fascistas.

Bento, preso pouco tempo depois do regresso de Moscovo, e enviado para o Campo de Concentração do Tarrafal, onde viria a morrer, já não pôde participar activamente na aplicação prática da nova orientação. Mas a ideia ficou bem clara para todos os elementos da delegação ao VII Congresso, e para Álvaro Cunhal, que também estava em Moscovo a participar no congresso da Juventude Comunista.

Regressados a Portugal, inicia-se no seio do Partido uma dura batalha para alterar a política sindical, em conformidade com as deliberações internacionalmente assumidas.

Para os quadros sindicais comunistas, que se tinham empenhado na construção dos sindicatos clandestinos, incluindo José de Sousa, do Secretariado e responsável pelo trabalho sindical, a orientação de ir para dentro dos odiados sindicatos fascistas implicava, na prática, desistir do que tanto trabalho lhes tinha dado. Por isso não só não a aceitaram como a combateram, mesmo depois de ter sido assumida pela direcção do Partido, numa batalha que só terminou com a reorganização, em 1940/41, e a consequente derrota do sectarismo interno e do aventureirismo dos anarquistas, que também se recusavam a entrar para os sindicatos do regime.

A partir desta data construiu-se um complexo sistema organizativo onde, a par da organização partidária, surgem no plano unitário as Comissões de Praça ou de Jorna, no campo; as Comissões de Unidade, antecessoras das actuais Comissões de Trabalhadores, nas fábricas; as Comissões Sindicais, nos sindicatos, bem como a luta para colocar homens honrados, dedicados à causa dos trabalhadores, nas direcções dos sindicatos fascistas.

Estas formas de organização, clandestina e ilegal, semi-legal e legal, habilmente combinadas sob a direcção do Partido, desenvolveram uma intensa actividade reivindicativa económica, por melhores condições de vida e de trabalho, que acabava sempre por se transformar em luta política contra a ditadura fascista.

Com o fim da II Guerra Mundial em 1945, o fascismo português foi obrigado a promover um simulacro de eleições livres, incluindo nos sindicatos. Neste processo, os trabalhadores conseguiram eleger direcções da sua confiança em mais de 50 sindicatos e obter posições noutros, transformando-os num dos mais importantes meios de ligação do Partido ao mundo do trabalho.

Resolvida a questão da coordenação nacional do sector sindical com a criação da Comissão Sindical Nacional, no plano interno, começou a colocar-se também, por esta altura, a unificação da direcção da luta sindical, no plano unitário. Mas foi só com o forte ascenso da luta no período de 1968/70, durante a chamada abertura marcelista, que essa velha aspiração se veio a concretizar.

As grandes assembleias gerais com milhares de trabalhadores, e as greves em torno dos contractos colectivos de trabalho, proporcionaram o clima propício à criação da Intersindical Nacional, a partir das reuniões inter-sindicais de coordenação realizadas no plano unitário.

A data assumida para a constituição da Intersindical, actual CGTP-Intersindical Nacional, foi o dia 1 de Outubro de 1970. Dia em que as direcções dos sindicatos dos caixeiros, dos lanifícios, dos metalúrgicos e dos bancários de Lisboa, enviaram a um grupo restrito de outras direcções sindicais, um ofício, convidando-as a “comparecer numa sessão de trabalho para o estudo de alguns aspectos da vida sindical cuja discussão lhes parece da maior oportunidade”. Essa primeira reunião Intersindical, realizou-se na sede dos bancários de Lisboa, a 11 de Outubro de 1970. Além das direcções promotoras, estiveram presentes as direcções dos sindicatos dos bancários de Coimbra, electricistas de Lisboa, escritórios de Lisboa, lanifícios de Castelo Branco, lanifícios da Guarda e Viseu, metalúrgicos do Porto, propaganda médica, seguros de Lisboa, viajantes e praça do Porto.

A ordem de trabalhos: contratação colectiva; horário de trabalho e censura, da maior oportunidade naquela época, continua a ter o mesmo grau de oportunidade para qualquer sindicalista, na época presente. Sendo como são a negociação colectiva, a redução e organização do horário, e a liberdade de expressão grandes questões da passado e do presente.

Esta cultura e prática sindical, que alia a luta reivindicativa económica e por direitos laborais à luta política por direitos fundamentais, continua a ser uma marca distintiva do movimento sindical unitário português.

Foi este movimento sindical, cujos princípios e características foram forjados e consolidados na luta antifascista, que surgiu pujante no dia 25 de Abril de 1974, dirigido pela Intersindical. O seu grau de organização e de maturidade política permitiram-lhe reunir o Secretariado no dia 26 de Abril e emitir um comunicado a apoiar o Movimento das Forças Armadas, convocar e organizar as decisivas manifestações do 1º de Maio para daí a cinco dias, dando início à transformação do levantamento militar em revolução.

Nessa reunião histórica foi ainda aprovado um extenso caderno reivindicativo, onde constam a exigência do Dia Internacional do Trabalhador como feriado; o salário mínimo nacional; a redução do horário de trabalho; a liberdade de reunião e de manifestação; o direito à greve e outros que seriam imediatamente exercidos e consolidados na prática, e posteriormente nos contractos colectivos, na lei e na própria Constituição da República de 1976.

Em 2005, a CGTP-Intersindical Nacional continua actuante, enquanto maior e mais prestigiada organização social portuguesa, com um curriculum inultrapassável de conquistas e de lutas em defesa das condições de vida e de trabalho dos trabalhadores portugueses.

«O Militante» – N.º 277Julho/ Agosto 2005