VII Congresso da Internacional

Importância e actualidade do VII Congresso da Internacional Comunista

Por Domingos Abrantes
Membro do Comité Central do PCP

Passaram-se 70 anos desde que, na cidade de Moscovo, se realizou, entre os dias 25 de Julho e 20 de Agosto de 1935, o VII Congresso da Internacional Comunista, tendo participado nos seus trabalhos 513 delegados representando 65 partidos comunistas e várias organizações internacionais.
O VII Congresso da IC acabaria por ser o seu último congresso, dado que até à dissolução da IC, em 1943, o seu órgão máximo não voltou a reunir, nem mesmo para decidir da sua dissolução.
O VII Congresso, pela dimensão e natureza das matérias em discussão, pelas decisões e orientações que aprovou, as quais em muitos aspectos significaram a adopção de uma nova linha de orientação estratégica e táctica em ruptura com concepções até então em vigor, constituiu um marco histórico na actividade do movimento comunista internacional e o seu legado político e ideológico, apesar das alterações verificadas no mundo e na situação do movimento comunista internacional em questões essenciais da teoria e da prática revolucionárias, mantém-se como um valor imperecível.
No vasto conjunto de questões colocadas à discussão destacam-se as constantes dos relatórios "A ofensiva do fascismo e as tarefas da Internacional Comunista na luta pela unidade da classe operária contra o fascismo"; "A preparação da guerra imperialista e as tarefas da Internacional Comunista"; "O balanço da edificação do socialismo na União Soviética" e "O balanço da actividade do Comité Executivo da Internacional Comunista", apresentados respectivamente por G. Dimitrov, P. Togliatti, Z. Manuilski e W. Pieck.
Todos estes documentos, retomando velhos e provados princípios do estilo de trabalho leninista, foram preparados ao longo de quase um ano, tendo muitas das questões sido submetidas a reflexão prévia dos diferentes partidos integrantes da IC.
O movimento comunista e a luta dos trabalhadores e dos povos encontravam-se numa encruzilhada. A própria vida foi tornando claro que a par dos sucessos e dos progressos dos partidos comunistas, as orientações, as formas de organização e de funcionamento se mostravam desajustados face à realidade.
No período dos sete anos decorridos desde o VI Congresso da IC (1928) tiveram lugar acontecimentos de importância universal e operaram-se no mundo profundíssimas alterações no plano social, político, económico, da correlação de forças, etc., gerando um quadro de desenvolvimento internacional extremamente complexo e contraditório, com as suas consequentes repercussões nas orientações no seio do movimento comunista internacional.
Nesse período, o capitalismo conheceu a mais grave crise económica até então registada. O grande capital pôs em marcha uma ofensiva sem precedentes com vistas a intensificar a exploração e fazer recair sobre os trabalhadores os custos da crise. As violações de direitos e a liquidação de liberdades e de regimes democráticos tornaram-se correntes. Variadíssimos países, nomeadamente na Europa, viviam sob ditaduras fascistas. O movimento comunista e o movimento sindical eram as principais vítimas do fascismo. Dos 22 partidos comunistas existentes na Europa, apenas 11 actuavam numa situação de legalidade ou semi-legalidade. O movimento sindical revolucionário (e em alguns casos o movimento sindical reformista) tinha sido ilegalizado em vários países. A grande burguesia apostava cada vez mais no recurso ao fascismo como solução para assegurar o seu domínio num quadro de crise profunda. Em contrapartida, enquanto o capitalismo era atravessado por uma grave crise, a União Soviética registava notáveis êxitos no seu desenvolvimento, reforçando o seu poderio económico e militar. Enquanto nos países capitalistas, o desemprego atingia dezenas de milhões de pessoas, a URSS anunciava ao mundo ter posto fim a esse flagelo. O movimento revolucionário no começo dos anos 30 ganhou novo impulso. Entretanto, a chegada dos nazis ao poder (1933) deu novo alento às forças reaccionárias de todo o mundo e fez aumentar os perigos de uma nova guerra mundial, desde há muito em gestação e principalmente direccionada para o esmagamento da URSS.
É, pois, compreensível que no centro dos debates tenha estado a discussão sobre a definição da natureza do fascismo e a necessidade de se desenvolver e intensificar a luta contra as ditaduras fascistas e contra a ameaça de uma nova guerra.
Mas, se o que mais perdura como resultado do VII Congresso da IC, pela sua popularização, rectificação de avaliações e orientações erróneas e o quadro histórico concreto em que teve lugar, são as questões que se prendem com a unidade da classe operária e das forças antifascistas, e as da luta pelas Frentes Únicas Operárias e Populares, contra o fascismo e a guerra, a importância do VII Congresso vai muito para além dessas questões ainda que nucleares e de grande relevo quanto ao conteúdo estratégico e de princípio que encerram.
Partindo de uma análise de classe da natureza do fascismo e de uma avaliação objectiva da realidade, a IC elaborou uma estratégia e táctica correctas de luta, definiu o sistema de aliança para essa fase da luta, incluindo a revisão da definição sobre a natureza dos regimes de democracia burguesa, o papel da social democracia e as formas de actuação e intervenção dos comunistas no movimento sindical.
As novas orientações não abriram caminho sem enfrentar resistências e incompreensões. Ao não ter sido possível ultrapassar todas as concepções erróneas, mantiveram-se orientações e avaliações da realidade contraditórias e carregadas de subjectivismo, aliás bem patentes nos diferentes documentos, nomeadamente quanto às condições objectivas e subjectivas para o desenvolvimento do processo revolucionário, expressas nas afirmações de que a crise revolucionária estava "amadurecida no mundo inteiro" (1) e que "o sistema capitalista estava abalado até aos seus fundamentos". Mas o VII Congresso, ao eleger o combate às concepções sectárias e dogmáticas que determinavam a actividade da IC à época, ao fazer deste combate uma das linhas mestras das orientações para o reforço dos partidos comunistas e da unidade da classe operária, deu um grande impulso para transformar os partidos comunistas em grandes partidos revolucionários, capazes de dirigir de facto a luta da classe operária e das massas populares, pela paz, a democracia e o socialismo.
O VII Congresso, ao demonstrar que o papel de vanguarda dos partidos comunistas não se determinava por proclamações propagandísticas mas pelo seu papel na luta quotidiana e influência nas organizações de massas, nomeadamente no movimento sindical (reformista e mesmo fascista), contribuiu decisivamente para a ligação dos partidos comunistas às massas e para o aumento do seu prestígio e influência.
O VII Congresso da IC, enriquecendo de forma criativa o marxismo-leninismo, inaugurou uma nova fase no desenvolvimento do movimento comunista internacional e deu um importante contributo para que se verificassem grandes avanços no processo de amadurecimento da coesão política e ideológica do movimento comunista internacional.

A natureza do fascismo

A "chave" para a viragem no conjunto das orientações esteve na definição da natureza de classe do fascismo, já debatida anteriormente nos órgãos da IC, mas aprofundada e largamente fundamentada no relatório de Dimitrov.
O VII Congresso definiu o fascismo como "a ditadura terrorista aberta dos elementos mais reaccionários, mais chauvinistas e mais imperialistas do capital financeiro" e o fascismo alemão como "o destacamento de choque da contra-revolução internacional, como incendiário da guerra imperialista" (2), ultrapassando concepções muito generalizadas que punham o acento tónico na pequena burguesia como base social fundamental do fascismo e não na forma de Estado ditatorial do grande capital.
Salientando que o fascismo e a sua natureza devem ser analisados à luz do desenvolvimento do capitalismo na sua fase imperialista, ligando-o portanto ao sistema sócio-económico que é o capitalismo, concluiu-se que o fascismo não era um fenómeno acidental, ou uma degenerecência da democracia burguesa, como defendia a social-democracia.
O VII Congresso armou os partidos comunistas com um importante instrumento para a batalha ideológica, para o seu trabalho de massas e para a compreensão das forças que deveriam ser ganhas para a luta contra o fascismo e para o combate quanto à subestimação do fascismo e "as perigosas ilusões acerca da derrota automática das ditaduras fascistas" (3) e fez diminuir o campo de manobra da social-democracia, no seu apoio à política do grande capital.
A luta pela paz e contra a guerra tem sido uma constante do movimento comunista desde o seu nascimento, partindo sempre de posições de princípio, nomeadamente ligando a guerra à natureza do capitalismo e em particular na sua fase imperialista.
No começo dos anos 30 e sobretudo quando, com a chegada dos nazis ao poder, se criou uma ameaça real de se desencadear uma guerra capaz de fazer perigar a própria humanidade, o movimento comunista fez uma abordagem mais aprofundada das questões da paz e da guerra.
Concluindo que os perigos de uma nova guerra radicavam nas contradições inter-imperialistas e na luta dos principais países capitalistas por uma nova redivisão do mundo, não se deu, entretanto, o devido relevo às contradições políticas que se manifestavam no seio de sectores da burguesia, nem da social-democracia, resultantes de interesses de classe contraditórios, bem como das contradições entre a defesa de regimes democráticos burgueses e as ditaduras fascistas.
Na dificuldade em definir as posições a adoptar relativamente às diferentes forças sociais e políticas susceptíveis de serem mobilizadas para a luta contra o fascismo e a guerra, pesavam concepções erróneas e desajustadas da situação concreta sobre as perspectivas revolucionárias, a natureza dos regimes democráticos que como ditaduras da burguesia eram assimiladas às ditaduras fascistas, o papel da social-democracia, tomada em bloco e assimilada ao fascismo, posições que impediam de ver que os avanços vertiginosos do fascismo faziam aumentar a polarização social e política, situação que exigia uma reavaliação das necessidades e possibilidades das alianças da classe operária.
O VII Congresso, ao colocar como tarefa central do movimento comunista a luta contra a guerra, destacou, nomeadamente nos relatórios de Dimitrov e Togliatti, que para conjurar os perigos da guerra não bastava a luta de vanguarda da classe operária, que era necessário mobilizar amplas e diferenciadas camadas sociais e de classe e forças políticas e que, para evitar a guerra, se impunha como premissa fundamental criar frentes populares e anti-imperialistas, assentes numa base social que, na sua amplitude, fosse muito para além da classe operária.
As orientações adoptadas pelo VII Congresso nesta matéria, tiveram profundas repercussões na afirmação do papel de vanguarda dos partidos comunistas, no aumento do seu prestígio e influência. E se o objectivo central, que era impedir uma nova guerra, não foi atingido, não é menos verdade que as profundas transformações sociais, económicas e políticas que se produziram no pós-guerra e o enorme prestígio alcançado pelo movimento comunista, não são separáveis do papel da URSS na derrota do nazi-fascismo e da luta dos partidos comunistas para criar uma vasta frente internacional contra a guerra e pela unidade antifascista.
A defesa da criação de uma vasta aliança de luta de camadas sociais muito diversas, sob a forma de frentes únicas operária e popular, alicerçava-se na análise das lições das derrotas da classe operária e do triunfo do fascismo e da experiência de frentes populares ou tão só de acções unitárias de socialistas e comunistas na Áustria, na Espanha, na Checoslováquia e em vários outros países e muito especialmente em França, onde, com a Frente Popular, as massas populares tinham, pela primeira vez, feito recuar a tentativa de assalto ao poder pelo fascismo.
Os extraordinários êxitos da Frente Popular em França, para além do significado em si para o desenvolvimento da luta neste país, teve o mérito extraordinário de levar à rectificação das posições da IC sobre o PCF e servir de exemplo para a luta geral. "A luta do proletariado francês – declarava W. Pieck – mostrou a todos os trabalhadores como deve agir o proletariado nos países capitalistas (…) O acordo de frente única entre socialistas e comunistas em França, ao qual os socialistas só anuíram sob a pressão das massas, contra a vontade expressa do Executivo da II Internacional, mostrou o caminho aos sociais-democratas de esquerda em todos os países" (4). Acrescente-se, entretanto, que os sucessos da Frente Popular mostraram igualmente o caminho aos comunistas, na medida em que não foram poucas as pressões sobre o PCF e sobre M. Thorez para não irem por esse caminho.
De qualquer modo, nesta posição estava implícita uma modificação das orientações da IC, depois largamente tratada no relatório de Dimitrov, parte substancial do qual foi dedicado às questões tácticas, estratégicas e de princípio que se prendiam com a Frente Única.
A unidade da classe operária no plano nacional e internacional era colocada como condição essencial para derrotar o fascismo, unidade que entretanto não devia ser considerada apenas na perspectiva da resistência ao fascismo, mas também para se passar à contra-ofensiva e à luta por profundas transformações sociais, económicas e políticas, só possíveis com a mobilização de amplas massas.
A luta pela criação da Frente Única implicava a rectificação de orientações até então em vigor na IC que definiam a social-democracia como a base social fundamental de apoio da burguesia, os sindicatos reformistas como escolas do capitalismo e os grupos de esquerda da social-democracia como o inimigo principal, mas implicava igualmente o abandono por parte da social-democracia a sua colaboração continuada e estreita com a burguesia contra o movimento operário e comunista.
A defesa da Frente Única repousava ainda numa orientação que ainda hoje mantém valor de princípio inegociável. A defesa de acções unitárias contra o fascismo e contra o capital não podia levar à diluição do papel e dos objectivos dos comunistas, nem estes podiam renunciar "ao trabalho próprio e independente de educação comunista, de organização e mobilização das massas". (5)
O fortalecimento dos partidos comunistas – condição para o desenvolvimento da luta pela Frente Única – passava obrigatoriamente pela sua ligação às massas, razão pela qual a questão do trabalho nas organizações de massas em geral foi considerado como "um dos problemas mais importantes a resolver" e o trabalho nos sindicatos, incluindo os influenciados pelo reformismo e o fascismo "a questão mais candente dos partidos comunistas". (6)
Na génese destas orientações estava já presente implicitamente o retorno às teses de Lénine sobre a necessidade dos partidos comunistas ganharem a maioria da classe operária.
A afirmação e consolidação das novas orientações que o VII Congresso se propunha trilhar, requeria entretanto a resolução prévia de uma questão ideológica que era a necessidade de, a par da luta contra o oportunismo de direita, combater e derrotar o sectarismo de que estavam eivadas as orientações da IC, sectarismo que, no dizer de Dimitrov, tendo deixado de ser "uma doença infantil", se tinha tornado "um vício muito arreigado" (7) e que sem ser ultrapassado não se podia pensar em criar a Frente Única e subtrair as massas à influência da social-democracia, na medida em que o sectarismo, negando a necessidade de associar a luta por objectivos democráticos gerais com a luta pelos interesses da classe operária, isolava os comunistas das grandes massas.
As orientações sectárias resultavam de causas objectivas e subjectivas. O longo historial de traições da social-democracia (envolvimento directo no esmagamento do movimento operário e revolucionário, participação em governos burgueses responsáveis por graves ataques às condições de vida e direitos dos trabalhadores, responsabilidade pela divisão do movimento sindical, complacência para com medidas antidemocráticas de governos burgueses e que funcionavam como estímulo às forças reaccionárias, recusa sistemática às propostas comunistas para acções comuns para barrar o caminho ao fascismo, incluindo para impedir a chegada de Hitler ao poder) geravam um justo sentimento de indignação e revolta, fácil de levar as emoções a sobreporem-se à análise fria das questões políticas.
Pesaram igualmente pressões oportunistas de direita que se continuavam a fazer sentir, as quais negavam o papel revolucionário da classe operária, erigiam como valores absolutos os métodos parlamentares, ignoravam e negavam a natureza de classe do fascismo, defendiam que o capitalismo tinha entrado num período de estabilização antes da crise e a impossibilidade de, em condições de crise, se travarem lutas reivindicativas, ideias veiculadas essencialmente pela social-democracia, mas que, num ou noutro aspecto, se faziam sentir nas fileiras comunistas.
Finalmente, na base da deriva sectária esteve também o abandono e mesmo ruptura com importantes teses e ensinamentos de Lénine.
A Internacional Comunista nasceu em ruptura aberta com o oportunismo de direita e da necessidade da classe operária dispor, para a sua luta emancipadora, de uma organização revolucionária, o que passava obrigatoriamente pelo combate sem tibiezas contra o oportunismo de direita, o social-reformismo e o revisionismo, tarefa a que Lénine dedicou particular atenção, tanto mais que, à época da fundação da IC, o oportunismo de direita se apresentava como o perigo principal para o movimento operário.
Mas Lénine pronunciou-se igualmente de forma resoluta contra o oportunismo de "esquerda" e o dogmatismo, desvios que, se não fossem combatidos, causariam "os mais sérios prejuízos ao comunismo". (8)
Lénine avançou ainda uma outra tese, infelizmente muitas vezes esquecida e que a história confirmou ao longo dos tempos, a tese de que o dogmatismo, no plano da teoria, alimenta o revisionismo, daí as suas insistentes chamadas de atenção para a necessidade do desenvolvimento criativo do marxismo, na base da análise concreta das situações concretas.
No começo dos anos 20, quando se iniciava uma fase de refluxo, e tinha sido infligido um sério golpe no oportunismo de direita com a criação da IC, quando já emergia o fascismo e se colocava a necessidade da Frente Única Operária, Lénine concluiu que a luta contra o esquerdismo se tinha tornado uma tarefa prioritária. A sua obra "A doença infantil do "esquerdismo" no comunismo", preparada para o II Congresso da IC e que foi distribuída a todos os delegados, e a sua intervenção directa no Congresso contra as posições sectárias armaram os jovens partidos comunistas com sólidas orientações para os momentos difíceis que se avizinhavam.
No III Congresso da IC, intervindo a favor da táctica da IC, voltou a alertar para os perigos do esquerdismo, advertindo que "se o congresso não trava uma ofensiva enérgica contra estes erros, contra estas tolices "esquerdistas", todo o movimento está condenado". (9)
Só que após a morte de Lénine, as tendências esquerdistas até aí contidas foram paulatinamente ganhando terreno, acabando por impregnar as orientações da IC e da generalidade dos partidos comunistas, com a agravante de às tendências sectárias lhes ter sido dado um invólucro "teórico" e se ter tornado linha oficial da IC.
Acrescente-se, entretanto, que apesar dos erros e das debilidades, o que marcou decisivamente a actividade e a vida da IC neste período foi um trabalho extraordinário no apoio à criação e desenvolvimento dos partidos comunistas, no apoio à formação de abnegados e talentosos dirigentes, no desenvolvimento da luta contra o fascismo e a guerra.

O PCP e o VII Congresso

O VII Congresso da IC, no qual participou uma delegação do PCP, composta por Bento Gonçalves, na altura Secretário-Geral do Partido, Francisco Paula de Oliveira, Manuel Roque Júnior e Gilberto de Oliveira, ao operar uma viragem importante nas orientações do movimento comunista internacional, desempenhou papel significativo na evolução política do PCP. Como salientou o camarada Álvaro Cunhal, "até ao VII Congresso, a linha política do PCP estava eivada de ilusões sectárias e voluntaristas" (10), o que dificultava a consolidação da influência que o Partido já então gozava junto das massas.
Apesar de o Partido ser praticamente a única força que desenvolvia uma acção continuada contra o fascismo, de procurar organizar-se nos locais de trabalho, desenvolver actividade sindical e a luta de massas, apesar de uma política de defesa da unidade antifascista e dos apelos à acção comum, a verdade é que o Partido continuava a revelar grandes debilidades políticas, ideológicas e orgânicas e continuava a ser influenciado por tendências anarquizantes e "reviralhistas" e por orientações erróneas da IC acerca da perspectiva revolucionária, lançando a palavra de ordem de luta pelo "governo operário e camponês", a luta de "classe contra classe", a resistência ao trabalho nos sindicatos fascistas, etc., etc.
As conclusões do VII Congresso acerca da necessidade da criação de uma larga frente de antifascistas, assente na unidade da classe operária, foram de grande importância "para a rectificação de erros sectários e para orientar o Partido no sentido de um verdadeiro trabalho de massas" (11).
"A revolução democrática antifascista, a unidade da classe operária compreendida não como a unidade dos partidos comunistas e socialista (dada a inexistência do PS que em 1933 decidira a sua auto-dissolução), mas como a unidade alcançada na luta concreta por interesses imediatos; a actividade nos sindicatos fascistas, substituindo a tentativa, destruída pela repressão, da criação de sindicatos clandestinos; a unidade das forças democráticas na luta contra a ditadura – passaram a ser direcções fundamentais da linha política do Partido". (12)
A viragem nas orientações da IC foi igualmente de grande importância para o trabalho unitário do Partido em geral e para o trabalho nos Sindicatos Nacionais, "uma das grandes razões do desenvolvimento da actividade partidária ligada à classe operária, a criação das suas raízes na classe operária e o desenvolvimento da acção de massas nas condições do fascismo". (13)
O documento inédito de Bento Gonçalves que se publica nesta edição de O Militante, intitulado "Sobre as tarefas imediatas do PCP", e que sintetiza as orientações do VII Congresso, tendo em conta a realidade portuguesa, atesta até que ponto o VII Congresso influiu na viragem das orientações do Partido.
Entretanto, a prisão de Bento Gonçalves (Novembro de 1935), portanto logo após o VII Congresso, a instabilidade que se viveu ao nível da direcção do Partido, levou a que verdadeiramente só com a reorganização dos anos 40/41 e particularmente com a realização do III Congresso do Partido (Novembro de 1943) se tivesse consolidado a rectificação das orientações do Partido, à luz das orientações do VII Congresso da IC.

George Dimitrov e o VII Congresso

As orientações e decisões saídas do VII Congresso foram o resultado de um trabalho colectivo, do amadurecimento de condições objectivas e subjectivas fruto do próprio fluir da vida e da experiência acumulada, mas a viragem na vida da IC não é separável do papel desempenhado por um leque de notáveis dirigentes, dirigentes que, com o seu enorme prestígio e autoridade política e ideológica, a tornaram possível.
Há, entretanto, um dirigente – G. Dimitrov – cujo nome ocupa um lugar particular no historial do VII Congresso e que importa salientar, particularmente no momento em que se comemora, igualmente este ano, um importante acontecimento – o 60.º aniversário desse enorme feito histórico do século XX que foi a derrota do nazi-fascismo, objectivo ao qual Dimitrov dedicou todas as suas energias.
A Bulgária, com o golpe militar fascista (Junho/1923), foi um dos primeiros países a sofrer as consequências de uma ditadura fascista. Mas foi igualmente o país onde teve lugar o primeiro levantamento popular de natureza inssurreicional contra o fascismo (Setembro/1933), levantamento pelo qual, mais tarde, no processo de Leipzig, Dimitrov assumiu, com orgulho, a responsabilidade e que o obrigou a seguir o caminho do exílio.
A sua prisão na Alemanha nazi (1933), a conduta corajosa e combativa no processo de Leipzig, mostrou quanto era grande a firmeza e a combatividade revolucionária de Dimitrov e a sua confiança inabalável nos destinos da luta da classe operária.
Com o desfecho do processo de Leipzig, em que apoiado por um vasto movimento de solidariedade internacional impôs a primeira grande derrota à escala mundial ao fascismo, Dimitrov ganhou um enorme prestígio e autoridade, e deu, com a sua luta, um grande impulso à unidade antifascista, ao fortalecimento do movimento comunista, à luta de massas, à luta pela criação da Frente Única – batalhas que travava desde 1923, e que foram sintetizadas nas palavras: "trabalho de massas, luta de massas, resistência de massas, frente única, nada de aventuras – tal é o alfa e o ómega da táctica comunista". (14)
E não é menos relevante, embora pouco conhecido, o papel corajoso de Dimitrov – só possível pelo seu prestígio e autoridade política – na defesa de quadros da internacional comunista sujeitos a acusações infundadas.

Rumo ao futuro

A história não se repete sob as mesmas formas, sem que isso signifique a impossibilidade de as mesmas causas produzirem, no essencial, os mesmos efeitos.
Naturalmente que, passados 70 anos, o quadro do mundo e do movimento comunista é muito diferente do que era em 1935. Mas hoje, como há 70 anos, está colocada, perante o movimento comunista internacional, a necessidade de resposta às questões prementes da nossa época e de recolocar o movimento comunista à altura das suas responsabilidades históricas face às graves ameaças que o imperialismo faz pairar sobre a humanidade.
A realidade do mundo actual é marcada por uma grave crise do capitalismo com todo o cortejo de misérias, poderosa ofensiva contra as condições de vida e os direitos dos trabalhadores. Em vários países elementares direitos democráticos vão sendo reduzidos drasticamente. Assiste-se ao renascer de organizações fascistas, as quais procuram cavalgar a crise para se afirmarem. As forças progressistas e democráticas cometem um grave erro se julgam que as forças fascistas foram liquidadas para todo o sempre e que recidivas fascistas estão excluídas.
O imperialismo, que se arroga mesmo no direito de reprimir a luta dos povos e de se imiscuir na sua vida interna, com a sua política de guerra tornou-se na maior ameaça à paz e à soberania dos povos. A teoria do "espaço vital" hitleriana deu lugar "à defesa dos interesses estratégicos" dos EUA e da NATO. A advertência do VII Congresso de que se se quer evitar a guerra é preciso lutar antes que ela comece, é uma lição que deve inspirar a luta contra as novas ameaças imperialistas, bem como muitas outras lições devem servir de base à necessária reflexão sobre o melhor caminho para nos levar a alcançar a unidade da classe operária, o alargamento e a consolidação da necessária e indispensável frente anti-imperialista, sobre a necessidade da cooperação e da unidade dos partidos comunistas, sobre a necessidade de prosseguir o combate ideológico, assente em princípios e no marxismo-leninismo, entendido como uma teoria que se enriquece e renova, é bom lembrá-lo, dando respostas aos novos fenómenos, concepção do mundo contrária à dogmatização, bem como à revisão oportunista dos seus princípios, fundamentos essenciais para se poder aproveitar ainda hoje, passados 70 anos, o imenso legado teórico e ideológico do VII Congresso da Internacional Comunista.

Notas

  • (1) Pieck, W., Relatório ao VII Congresso "Sobre a Actividade da CEIC", in "La Correspondance Internationale", n.º 69, pág. 1015 e 1020.
  • (2) Dimitrov, G., Relatório ao VII Congresso, in "El Frente único y Popular", Sofia-Press, 1969, pág. 117/118.
  • (3) Dimitrov, G., id., pág. 133.
  • (4) Pieck, W., Relatório ao VII Congresso, id., pág. 1013.
  • (5) Dimitrov, G., Relatório ao VII Congresso, id., pág. 142.
  • (6) Dimitrov, G., Relatório ao VII Congresso, id., pág. 165.
  • (7) Dimitrov, G., Relatório ao VII Congresso, id., pág. 188.
  • (8) Lénine, Obras Escolhidas em 3 Tomos, 3º volume, Edições "Avante!", pág. 338.
  • (9) Lénine, Obras Completas, Tomo 32, Editions Sociales, 1974, pág. 498.
  • (10) Cunhal, Álvaro, "O Partido com Paredes de Vidro", Edições "Avante!", 6ª edição, pág. 250.
  • (11) Cunhal, Álvaro, "O PCP e o VII Congresso da Internacional Comunista", edições "Avante!", 1985, pág. 35.
  • (12) Cunhal, Álvaro, "O Partido com Paredes de Vidro", pág. 251.
  • (13) Cunhal, Álvaro, "Duas intervenções…", edições "Avante!", pág. 19.
  • (14) Dimitrov, G., Intervenção no tribunal nazi, in "O processo de Leipzig", edições "Avante!", pág. 88.

"O Militante" – N.º 277Julho/ Agosto 2005