O 3º Congresso da Oposição Democrática

Há 30 anos
O 3º Congresso da Oposição Democrática

Vitor Dias

Completam-se no próximo mês de Abril trinta anos sobre a realização, em Aveiro, do 3º Congresso da Oposição Democrática (*) que constituiu, a muitos títulos e por variadas razões, um importante êxito da luta antifascista em Portugal, um sólido e incontestado testemunho da persistente contribuição do PCP para a unidade das forças de oposição à ditadura fascista e um marco muito relevante no áspero caminho para a conquista da liberdade e da democracia no nosso país.

1. Quando naquele já longínquo dia 4 de Abril de 1973, no Cine-Teatro Avenida em Aveiro, Álvaro Seiça Neves leu o telegrama do Prof. Rui Luís Gomes declarando aberto o 3º Congresso da Oposição democrática, na qualidade de Presidente do Congresso em que fora investido por vontade unânime da Comissão Nacional mas que o fascismo impedira de exercer presencialmente ao não permitir o seu regresso do exílio, os participantes nessa sessão inaugural teriam certamente boa consciência de que, para trás, ficava um aturado, laborioso e amplamente participado trabalho preparatório. Teriam certamente também uma firme e fundamentada convicção de que aquela realização iria significar um forte impulso na luta do movimento democrático contra o fascismo e designadamente na sua intervenção na farsa eleitoral marcada para Outubro desse ano. Mas não podiam saber – e ninguém honestamente podia saber ou adivinhar – que se estava à beira do último ano de vida da ditadura e a um ano do 25 de Abril.

2. As novas e distintivas características que o 3º Congresso da Oposição Democrática assumiu e bem assim a natureza das orientações políticas fundamentais que nele foram aprovadas testemunharam, por referência aos meritórios 1º e 2º Congressos (respectivamente, de 1958 e de 1969), um processo não apenas de assimilação crítica de experiências e orientações anteriormente prevalecentes, mas também uma evolução de concepções determinada por patentes alterações na correlação de forças dentro do campo da oposição antifascista que já se vinha desenhando e afirmando, no plano do movimento democrático, desde as «eleições» de 1969. E surge como indiscutível que nessa evolução e nessas mudanças pesaram, entre outros factores e de forma determinante, a própria dimensão da luta da classe operária, os audaciosos avanços e posições conquistadas nos sindicatos e a integração na luta legal e semi-legal de novas gerações de estudantes e jovens trabalhadores, tudo inseparável de concepções e orientações defendidas pelo PCP e que, ganhando autoridade e reconhecimento de acerto no confronto com o andamento da realidade política nacional, conquistaram crescente audiência e influência em amplos sectores democráticos.

3. No plano da organização e dos métodos de preparação, o 3º Congresso da Oposição Democrática ficou sobretudo assinalado pela amplitude do número e pela diversificação regional e social dos democratas integrados nas estruturas de preparação e direcção; na formação e regular funcionamento ao longo de vários meses de uma Comissão Nacional com cerca de 500 membros; em inúmeras iniciativas e reuniões de debate (e mais não foram porque muitas, de maior expressão pública, foram proibidas); na apresentação de duas centenas de teses e trabalhos, muitos deles de elaboração colectiva, abrangendo um vastíssimo leque de questões e problemas da vida nacional mas onde, significativamente, ganharam um novo e destacado relevo os problemas dos trabalhadores e a questão da guerra colonial. E cremos que, nem na época nem hoje, pode haver alguma dúvida de que, sem prejuízo de outros factores gerais como a conjuntura de patente isolamento do regime, foram estes critérios e orientações firmemente apostados numa ampla participação na sua preparação que muito favoreceram a presença no Congresso de milhares de participantes, atestando uma grande e dinâmica mobilização democrática em que, como noutra ocasião escrevemos, o próprio Congresso colheu a combatividade e a firmeza política que se viriam a afirmar naquela magnífica jornada.

4. Com efeito, no quadro atrás descrito em termos gerais, a combatividade e a firmeza política manifestada por ocasião do 3º Congresso da Oposição Democrática revelaram-se quer no plano das principais conclusões políticas (e, de forma por demais significativa, na definição das grandes exigências ou, melhor dizendo, dos grandes objectivos da luta democrática) quer na forma corajosa como o Congresso e a sua direcção e participantes deram resposta às limitações e à brutal repressão que o governo desencadeou contra o Congresso na esperança de o domesticar ou de frustar o seu impacto.

5. No plano político, adquiriu um relevante significado que o 3º Congresso da Oposição Democrática (indiscutivelmente assente na contribuição convergente das principais forças e correntes da oposição) tivesse postulado com toda a clareza, na sua Declaração Final, como «objectivos imediatos, possíveis de atingir através da acção unida das forças democráticas,» o «fim da guerra colonial», (antes classificada no texto como «crime contra a Humanidade») a «luta contra o poder absoluto do capital monopolista» e a «conquista das liberdades democráticas».

À distância de 30 anos, justifica-se explicar que o relevo e importância da fixação destes três precisos objectivos não derivam naturalmente do ponto referente à «conquista das liberdades democráticas» (desde há muito património comum das diversas correntes da oposição) mas sim dos pontos referentes ao «fim da guerra colonial» e da «luta contra o poder absoluto do capital monopolista», objectivos de há muito sustentados pelo PCP mas rejeitados ou não assumidos com clareza por algumas outras correntes.

A definição destes três grandes objectivos e a assunção dos seus indissolúveis nexos, iluminando «a contrario sensu» a verdadeira natureza da ditadura fascista, não só marcaram decisivamente a intervenção da oposição democrática na farsa eleitoral de Outubro de 1973 como influenciaram o pensamento político do Movimento dos Capitães, viriam a ter uma aproximada consagração no «Programa do MFA» e viriam a plasmar-se na vida como componentes cruciais da Revolução de Abril.

6. Mas o valor e importância do 3º Congresso da Oposição Democrática, para além do acerto das suas conclusões políticas, sustentam-se também na firme e corajosa condução política que o transformou numa concreta jornada de luta aberta e frontal contra o regime e como mais uma contribuição para desmascarar os últimos e já muito ténues resquícios da «demagogia liberalizante» de Marcelo Caetano e acentuar o seu isolamento interno e externo.

Com efeito, a vasta mobilização para o Congresso forçaram o Governo fascista a impor um vasto conjunto de medidas limitativas e repressivas em si mesmas prejudiciais para a benévola imagem que poderia querer ganhar ao autorizar o Congresso. E, neste âmbito, assumiu um carácter emblemático de que os democratas reunidos em Aveiro não estavam ali para usar unicamente a restrita «liberdade vigiada» que lhes era momentaneamente consentida, o facto de a Comissão Nacional do Congresso ter decidido manter a romagem à campa de Mário Sacramento (destacado intelectual comunista e figura de referência dos anteriores Congressos), mesmo depois da sua proibição pelas autoridades fascistas e mesmo correndo o risco – que se viria confirmar na manhã de dia 8 – de uma brutal carga policial.

7. Como já foi indiciado, o 3º Congresso da Oposição Democrática representou um importante passo na unidade na acção das principais forças e sectores democráticos (comunistas, socialistas – então ainda agregados na Acção Socialista Portuguesa mas à beira da fundação do PS –, católicos progressistas) só possível porque, entretanto, se foram desvanecendo as ilusões e rectificando as concepções erróneas que alguns sectores democráticos (e sobretudo a ASP) tinham perfilhado aquando da substituição de Salazar por Marcelo Caetano e nos primeiros tempos do «marcelismo».

Mas, por respeito pela verdade histórica, é necessário observar que se esse passo teve especial consagração e desenvolvimento no encontro realizado em Paris entre delegações do PCP e do PS em Setembro e na estreita e leal cooperação de comunistas e socialistas nas «eleições» de Outubro de 1973 isso não significa, porém, que não tenham permanecido no campo da oposição consideráveis controvérsias e que algumas evidentes lições do 3º Congresso não tivessem sido, só por si, bastantes para evitar que diversas personalidades democráticas (tanto de tendências mais «moderadas» como de tendências mais «esquerdistas») decidissem desvalorizar e rejeitar a intervenção democrática na «farsa» eleitoral» subsequente.

8. E, no entanto, o 3º Congresso da Oposição Democrática tinha representado de facto uma incontornável demonstração do acerto da orientação de fortalecer o movimento democrático na base dos seus próprios objectivos políticos (e não na dependência de compromissos com o regime ou com segmentos do regime), na base da sua maior ligação às massas populares e aos trabalhadores, na base da sua própria estruturação e actividade, na base da exploração combativa de todas as possibilidades de intervenção aberta e de conquista de novos espaços de actuação que forçassem e ultrapassassem os limites impostos pelo fascismo e, por esta via, rejeitando quer o aprisionamento nas malhas da legalidade fascista quer a desastrosa clandestinização irresponsavelmente defendida por correntes esquerdistas.

E, neste quadro, importa acentuar que, entre muitos outros exemplos, o 3º Congresso da Oposição Democrática constituiu mais uma comprovação da correcção de uma orientação do PCP apostada na flexível combinação e articulação entre formas de organização e de luta ilegais e clandestinas e formas de organização e intervenção legais ou semi-legais que, além de tudo o mais, se revelaram ao longo de décadas como indispensáveis para promover o avanço da consciência e experiência políticas de milhares de portugueses e para atrair para a luta antifascista novas gerações de combatentes cuja emergência nos anos finais do fascismo se viria a revelar de enorme importância nas tarefas da Revolução de Abril.

9. Trinta anos volvidos sobre a comovente e corajosa jornada do 3º Congresso da Oposição Democrática, sendo essencial evocar a contribuição determinante do PCP e dos comunistas para a sua realização e o seu êxito, é também de inteira justiça evocar o papel e o mérito de todos os homens e mulheres, vivos ou infelizmente já falecidos, de diversos quadrantes, que o ajudaram a erguer e a fazer dele um momento marcante no nosso percurso colectivo para a liberdade. E, propositadamente prudentes na tentação de nele procurar outras projecções ou lições para a actualidade, concluamos ao menos afirmando que o 3º Congresso da Oposição Democrática foi há muito tempo mas dele e de tantos outros episódios da luta antifascista continuam vivos o valor das convicções e a determinação de luta que impulsionam, a confiança nos objectivos em que se acredita mesmo que não se saiba nem se anteveja quando se realizarão, a esperança de um país melhor e mais justo a ser construído pela acção colectiva e pela inteligência, trabalho e luta dos portugueses.

(*) Um «dossier» com múltiplas informações sobre o 3º Congresso da Oposição Democrática pode ser utilmente consultado no sítio do PCP na Internet (www.pcp.pt/actpol/temas/3cong-op/3cong-op.html)

«O Militante» – N.º 263 Março/Abril de 2003