Em Março de 1961
Uma reunião histórica do Comité Central
Maria da Piedade Morgadinho
Nos anos de 1960/61 desenvolveu-se no PCP uma profunda discussão sobre problemas políticos e ideológicos da actividade e da vida interna do Partido, sobre a clarificação da via para o derrubamento do fascismo e um conjunto de questões abrangendo a defesa do Partido, a política de quadros, o trabalho de organização e direcção, os problemas fundamentais da orientação e da táctica do.
Procedeu-se a um sério trabalho autocrítico do Comité Central que demonstrou a capacidade, a coesão ideológica e a coragem política do PCP.
Esse intenso debate interno, iniciado com a reunião do Comité Central de Fevereiro de 1960, continuado pela reunião de Dezembro desse mesmo ano, culminou na reunião do Comité Central de Março de 1961. Nessa reunião, o CC, além de ter aprovado uma resolução sobre o desvio de direita, uma declaração sobre a via para o derrubamento do fascismo, elegeu o secretário-geral do Partido, aprovou resoluções sobre alterações ao Programa e aos Estatutos e pronunciou-se sobre a importância da Conferência Internacional dos 81 Partidos Comunistas e Operários e sobre a situação em Angola.
No ano de 1959 registara-se um sério refluxo no movimento antifascista português e nas suas lutas. Refluxo esse resultante, em grande parte, da violenta repressão lançada contra o movimento democrático e, principalmente, contra o PCP, após as grandes jornadas de 1958 nas eleições-burla para a Presidência da República. A PIDE fez centenas de prisões. Os comunistas foram os principais alvos dessa ofensiva e em Dezembro de 1958 foram presos destacados dirigentes do Partido e dezenas de militantes clandestinos.
Mas, para o refluxo da luta haviam contribuído também, e de forma decisiva, as concepções erradas que então existiam no Partido, o desvio de direita que se desenvolveu, nomeadamente a partir de 1956, e expresso na resolução do V Congresso, que levaram a depositar esperanças numa modificação da situação política em Portugal através de um processo de desagregação automática do fascismo.
Ilusões legalistas e constitucionais e, também, ilusões golpistas, levaram a esperanças numa solução pacífica facilitada por certos sectores do regime, ou a esperanças num golpe militar fomentado por militares dissidentes do regime de Salazar.
Tais ilusões não contribuíram para que se ganhasse as massas para a ideia de que a luta contra o fascismo era uma luta dura e difícil, de que os fascistas utilizariam todos os meios para se manterem no poder, de que a agudização da luta de classes conduziria inevitavelmente a um choque frontal que se decidiria pela força. Subestimou-se a necessidade de forjar uma forte organização política ligada às massas e voltada para a mobilização popular, com uma perspectiva revolucionária. Quebrou-se o ímpeto combativo e a disposição de luta das massas. Tomaram-se posições de expectativa que entravaram o desenvolvimento e a afirmação do papel da classe operária e das massas populares nessa luta. Subestimou-se o papel da classe operária, o papel do Partido e da sua organização e foram postos em causa os princípios leninistas do seu funcionamento.
Viragem histórica
Em Janeiro de 1960, a audaciosa fuga de Peniche de Álvaro Cunhal e outros destacados dirigentes do Partido deu um novo impulso ao trabalho de direcção do Partido. E graças à orientação traçada na reunião de Março de 1961 e às medidas tomadas para o reforço do trabalho de direcção, da sua actividade, da sua organização e da sua ligação com as massas, o PCP reforçou rapidamente a sua força e influência política. De fins de 1959 a fins de 1961 duplicou o número de membros do Partido e dos seus simpatizantes, assim como a tiragem do «Avante!».
O Partido encontrou-se, assim, em condições favoráveis para dirigir as lutas que ficaram a marcar os anos de 1961/62 e que constituíram uma das mais importantes vagas de lutas revolucionárias do povo português.
Como destacou O Militante de Abril de 1961, referindo-se a essa reunião do Comité Central:
«A correcção da tendência anarco-liberal no trabalho de direcção e de organização do Partido e do desvio de direita na sua linha táctica, que caracterizaram e debilitaram o trabalho geral do Partido no período de 1956 – 1959, e a correspondente reposição dos princípios leninistas na vida do Partido, armam os militantes para a rectificação prática dos erros cometidos neste período e abrem perspectivas para um rápido e decisivo impulso em todos os sectores da actividade partidária».
A orientação traçada pelo Partido na reunião do Comité Central de Março de 1961 está contida na Declaração aí aprovada «A via para o derrubamento da ditadura fascista e para a conquistas das liberdades políticas».
Destacando a natureza de classe do governo fascista de Salazar, a Declaração do Comité Central sublinha: «A luta contra a ditadura fascista de Salazar é a luta contra os monopólios e os grandes senhores da terra, a luta contra o domínio imperialista e pela completa independência de Portugal, a luta pelo bem estar do povo português, a luta pelo reconhecimento do direito dos povos coloniais à autodeterminação e à independência, a luta pela Paz e a luta pela liberdade política».
«O Partido Comunista Português e as restantes forças democráticas não podem colocar apenas como objectivo da sua acção política pressionar o governo e outros órgãos do Estado para que façam concessões. A luta por concessões parciais deve prosseguir, tanto pela importância das concessões parciais, como porque só lutas parciais (por reivindicações económicas, políticas, de natureza cultural) criarão condições para uma poderosa acção popular capaz de derrubar a ditadura.
É com os olhos postos neste objectivo fundamental que se deve desenvolver a acção das forças democráticas. O povo português e as forças democráticas têm de preparar-se para derrubar a ditadura e conquistar o poder.
Embora as condições muito particulares e numa evolução hoje imprevisíveis da situação política interna possa ser pacificamente substituído o governo fascista e conquistadas as liberdades democráticas e embora o Partido Comunista Português deseje a solução pacífica do problema político português, não se pode afirmar que a via pacífica para o derrubamento do fascismo seja a mais provável e a mais viável.
Nas condições presentes, o levantamento em massa da Nação para o derrubamento da ditadura fascista é a perspectiva para o qual se devem ganhar as amplas massas do povo português. O levantamento nacional, em que a greve geral política pode desempenhar importante papel, terá de transformar-se numa acção armada, com a participação ou neutralização de grande parte das forças militares, caso o governo fascista continue a resistir com a violência e o terror à acção popular».
Eleição de um secretário-geral
A orientação definida pelo Comité Central foi desde logo sujeita à discussão de todos os militantes e encontrou entusiástica aprovação em todo o Partido, que há muito sentia a necessidade dessa rectificação. Posteriormente ela foi aprovada no VI Congresso do Partido, realizado em 1965. Congresso que ficou na história do Partido Comunista como o Congresso do Programa: aquele em que o Partido, na base do marxismo-leninismo, da análise criadora da situação nacional, na base da sua experiência revolucionária e da experiência revolucionária mundial definiu a etapa da revolução em Portugal – nos seus objectivos, na forma de lutar por eles e de os levar à prática – como uma revolução democrática e nacional.
Assumindo perante o Partido a responsabilidade de rectificação do desvio de direita e da nova orientação traçada, o Comité Central sublinhou, na resolução da sua reunião de Março de 1961, que só as dificuldades impostas pela clandestinidade e a repressão fascista e o facto de ser essa clarificação indispensável para a orientação imediata de toda a actividade do Partido o levaram a proceder assim sem esperar a realização de um novo Congresso.
A enorme importância e significado desta reunião do Comité Central na história do PCP encontrou expressão ainda noutro facto: a eleição de um secretário-geral.
Desde a morte de Bento Gonçalves em 1942, que o PCP não voltara a ter um secretário-geral. O Comité Central, tendo em conta que a eleição de um secretário-geral contribuíria para fortalecer a actividade do Secretariado do Comité Central e do Comité Central no seu conjunto, procedeu à eleição de um secretário-geral do Partido. Foi então eleito, nessa reunião do Comité Central de Março de 1961, o secretário-geral do Partido – o camarada Álvaro Cunhal.