A reorganização de 1940/41, Um momento decisivo na história do Partido

A reorganização de 1940/41
Um momento decisivo na história do Partido

Maria da Piedade Morgadinho

Compreender melhor o alcance da reorganização de 1940/41, o seu significado, a sua importância na história do Partido, implica recuar alguns anos atrás, analisar a situação interna do Partido nos anos que a antecederam, assim como a situação política nacional e internacional em que ela ocorreu.

Os sucessos assinalados na actividade do Partido a seguir a 1929, altura em que, sob a direcção de Bento Gonçalves, teve lugar uma primeira reorganização e se fizeram esforços para responder às novas condições impostas ao Partido com a instauração, em 1926, da ditadura fascista, depressa foram interrompidos.

Devido à progressiva consolidação da ditadura e aperfeiçoamento dos meios e métodos repressivos fascistas por um lado, devido, por outro lado, à pouca experiência em matéria de defesa conspirativa que então possuía, o Partido voltou a enfrentar inúmeras dificuldades. Criou-se uma situação que pôs em causa a sobrevivência do próprio Partido.

Os esforços feitos a partir de 1929 haviam dado os seus resultados. No VII Congresso da Internacional Comunista, realizado em 1935, em Moscovo, Bento Gonçalves, Secretário Geral do Partido, apresentou um significativo balanço da actividade do Partido entre 1929 e 1935. Da leitura do seu relatório é notória a preocupação do Partido em ligar-se à classe operária nas empresas, nos sindicatos, em ligar-se às massas. Nesse curto espaço de tempo, a par da organização de algumas lutas, a par dos esforços para desenvolver e fortalecer a sua organização, o Partido conseguiu pôr também a funcionar a sua imprensa e desde Fevereiro de 1931 a saída regular do seu órgão central, o "Avante!", era uma realidade.

Porém, a partir de 1935, o Partido volta a enfrentar grandes dificuldades. Sucessivas vagas repressivas levam à prisão muitos dos seus mais destacados dirigentes.

Tomaram, então, conta da direcção do Partido quadros menos experientes, que tiveram sérias dificuldades em levar por diante a actividade do Partido nas condições da clandestinidade. Criou-se uma situação que pôs de novo em causa a sobrevivência do Partido e abriu caminho à infiltração de provocadores em algumas organizações e no aparelho técnico, o que permitiu que caísse em poder da polícia a tipografia do "Avante!" que deixou de se publicar.

Impunha-se a necessidade de uma nova reorganização do Partido, que teve, então, lugar em 1940/41.

Uma vez mais os comunistas tiveram de fazer apelo à sua coragem, à sua determinação, ao seu espírito e talento revolucionários para reorganizar de novo o Partido e pô-lo a funcionar. Assim o exigia a luta da classe operária portuguesa, dos trabalhadores, do povo, luta que entrava numa nova fase – a luta aberta e organizada contra o fascismo.

À data da reorganização de 1940/41, Bento Gonçalves, Secretário Geral do Partido, estava a ser lentamente assassinado no Campo de Concentração do Tarrafal, onde se encontravam também dezenas de quadros do Partido. Muitos dos dirigentes mais capacitados estavam presos. A libertação de alguns camaradas nessa altura permite, porém, levar por diante a tarefa de relançar a actividade partidária.

Não era tarefa fácil. Tratava-se de reorganizar o Partido e pô-lo a funcionar na mais severa clandestinidade, dar um forte impulso ao seu trabalho político, desenvolver a luta dos trabalhadores, ligar o Partido às massas, assegurar a continuidade do trabalho de direcção, rever métodos de defesa conspirativa, pôr de novo a funcionar a tipografia do "Avante!", vencer a desorientação e o desânimo que se tinham apoderado de muitos quadros do Partido, forjar quadros de grande firmeza e têmpera revolucionárias, dispostos a todos os sacrifícios e a passar pelas provas mais duras, elevar o seu nível político e ideológico, fortalecer a disciplina partidária.

A reorganização de 1940/41 teve lugar no momento em que, no plano nacional, a ditadura fascista se tinha consolidado, aperfeiçoado e afinado o seu aparelho repressivo.

No plano internacional, em 1939, os exércitos fascistas alemães e italianos aliados aos mercenários de Franco e ajudados por Salazar, esmagavam a liberdade do povo espanhol e na Alemanha hitleriana os nazis haviam ultimado os preparativos para a sua criminosa guerra de agressão contra os povos da Europa Central e da URSS.

Os resultados da reorganização de 1940/41 surgem pouco depois. Em Agosto de 1941 volta a publicar-se o "Avante!" que, nas condições de clandestinidade, a partir dessa data e até ao 25 de Abril de 1974 saiu sem qualquer interrupção. Nada menos do que 33 anos consecutivos!

Dá-se, com a reorganização, uma viragem na adopção de novos métodos de defesa, ligando estes ao desenvolvimento do trabalho de massas e à constituição de uma forte organização.

A partir, também, dessa data, um novo e vigoroso impulso é dado à luta dos trabalhadores. As primeiras grandes lutas do movimento operário perfilam-se no horizonte. Ainda em 1941 têm lugar as greves de Novembro dos têxteis da Covilhã. Em Dezembro do mesmo ano lançam-se em luta milhares de estudantes universitários de Lisboa, Porto e Coimbra contra o aumento brutal das propinas, luta que se salda com confrontos violentos entre os estudantes e a polícia fascista, com espancamentos, com prisões.

Em 1942, têm lugar numerosas lutas com destaque para as greves, paralisações, concentrações, manifestações e outras acções dos trabalhadores de Lisboa e arredores, de Outubro/Nov. desse ano.

Em Julho/Agosto de 1943, são as lutas de 50 mil trabalhadores da região de Lisboa e margem Sul e as lutas dos trabalhadores e das populações do Norte e Centro do País.

O PCP foi o organizador e dirigente destas grandiosas lutas, que constituíram o maior surto grevista registado após a instauração da ditadura fascista.

No apelo de 21 de Julho de 1943, lançado pelo Secretariado do Comité Central aos trabalhadores, pode ler-se: “Para se oporem à força brutal com que o fascismo obriga os trabalhadores à fome e à miséria, só resta aos trabalhadores responder com a força das massas. Há que recorrer a formas superiores de luta. Há que suspender o trabalho. Há que ir para a greve. Há que fazer grandes marchas da fome. Há que assaltar todos os locais onde os géneros estejam açambarcados. Há que ir buscar os géneros onde os houver.”

As greves e as lutas de massas que assinalaram o ano de 1943 constituíram uma grande vitória política do PCP, que as dirigiu passo a passo afirmando-se como o Partido da classe operária. Com isso mostrou também o PCP ter criado um forte núcleo de quadros, de dirigentes e ter desenvolvido uma forte e estreita ligação aos trabalhadores e às massas.

Após estas poderosas lutas realizou-se o III Congresso do PCP (1º ilegal).

Realizado vitoriosamente, num momento em que os exércitos nazis ainda esmagavam a Europa e a ditadura salazarista oprimia o nosso País, o III Congresso, na sequência lógica da reorganização de 1940/41 e das grandes lutas que se lhe seguiram, marcou sem dúvida a grande viragem na História do Partido que abriu uma nova fase da sua actividade.

«O Militante» – N.º 255 – Novembro/Dezembro 2001