Intervenção de Jerónimo de Sousa na Marcha pela Saúde – 16/02/2008

O Secretário-Geral do PCP, ao intervir no final da
Marcha pela Saúde em Odivelas, afirmou que «mais de 700.000 portugueses
continuam a não ter médico de família, mais de 35.000 aqui no concelho de
Odivelas. Apenas dois centros de saúde em Portugal têm enfermeiro de família,
para uma necessidade, de acordo com os rácios da Organização Mundial de Saúde,
de mais de 12.000».

Jerónimo de Sousa disse ainda fazer «todo o sentido
continuar a luta em defesa do SNS. É mesmo um imperativo nacional assegurar o
direito à saúde, não deixando que a luta se esgote na resolução, ou não, do
problema imediato».

 

«Marcha pela Saúde»

Intervenção de Jerónimo de Sousa, Secretário-geral do
PCP

A Marcha pela Saúde que
acabámos de realizar e que juntou centenas de pessoas aqui no concelho de
Odivelas é bem a expressão do descontentamento que reina em Portugal quanto ao
estado da saúde. As concentrações e manifestações que se têm realizado de Norte
a Sul do país, atingindo uma participação e uma determinação muito
significativas, são o resultado não apenas do descontentamento que existe, mas
da crescente consciencialização de que o que está em causa já não é apenas o
acesso a um determinado serviço público de saúde, mas o próprio direito à
saúde. 

Hoje, passados quase três
anos desde que o actual Governo PS tomou posse, podemos afirmar que se há
sector da vida nacional que se destaca, quer pela sua importância na vida dos
portugueses, quer pela insatisfação que lhe cria devido às condições cada vez
mais difíceis de acesso, esse sector é sem dúvida o da saúde. 

O direito à saúde e a
consagração constitucional do Serviço Nacional de Saúde no ano de 1979 como
instrumento para a realização deste direito é, desde então, uma “espinha
atravessada na garganta” daqueles que olham para a saúde, não como um direito,
mas como um negócio. Dizem que o Estado deve apenas abandonar a sua função
prestadora mantendo a sua função reguladora, mas principalmente manter-se como
financiador do sistema de saúde. Outros dizem “menos Estado, melhor Estado”,
partindo da tese não demonstrada de que os privados fazem sempre melhor que o
público. Uns e outros defendem o abandono do Estado das suas responsabilidades
constitucionais, abrindo desta forma caminho ao investimento privado, mas com
uma condição: é que o Estado se transforme no principal cliente dessas unidades
privadas. Estão assim criadas as condições para que uma parte significativa dos
muitos milhões de euros que o SNS movimenta (mais de 14 mil milhões em 2006),
passem a integrar a estrutura de lucros dos grandes grupos privados que
intervêm neste sector. 

Quando confrontado com esta
realidade e as suas próprias responsabilidades na situação que está criada no
país, o Primeiro Ministro responde acusando-nos de imobilistas, de defendermos
que tudo fique como está, de estarmos contra um conjunto de ditas “reformas”
que, segundo ele, são essenciais para a modernização dos serviços e para
garantir a sustentabilidade financeira do Serviço Nacional de Saúde. Nada mais
falso. Aliás, quem o ouve dirá que estamos perante um acérrimo defensor do SNS
que se desenvolve no quadro do serviço público e que seja universal, geral e
tendencialmente gratuito, tal como está inscrito na Constituição da República
Portuguesa. Neste, como em outros aspectos da acção governativa, a cara não
condiz com a careta. 

A realidade o que mostra, é
um país desde há muito, mas particularmente nestes últimos três anos,
confrontado com um ataque sistemático ao SNS como parte de uma estratégia mais
vasta de encerrar serviços públicos e entregar aos privados uma área que há
muito está referenciada pelos grandes grupos económicos e financeiros como um
negócio e não um direito. Por mais que procure esconder, o actual governo ficará
de forma inequívoca associado ao período mais negro da ofensiva contra o SNS e
simultâneamente ao período em que se avançou mais na privatização de serviços e
no licenciamento de unidades privadas. 

É neste processo de abandono
do Estado e das suas responsabilidades em matéria de saúde e de privatização em
curso, que encontramos os eixos centrais da política de saúde do Governo PS.
Nesta matéria como noutras, o Governo PS segue claramente a cartilha neoliberal
da UE, cuja concretização é extensiva a outros países nos mesmos moldes.  

Como justificação para o
rumo que está a ser seguido, dizem-nos que o país não tem recursos inesgotáveis
e por isso não pode suportar no futuro custos que tendencialmente crescerão nos
próximos anos, ficando o Estado impedido de garantir o acesso a todos os
portugueses aos cuidados de saúde independentemente das suas condições
económicas e sociais. 

O que não dizem, é que uma
análise rigorosa às contas do SNS, conduz-nos a uma conclusão inquestionável –
as despesas do SNS crescem mais na medida em que aumenta a promiscuidade entre
o público e o privado e que a parte mais significativa dos aumentos com os
custos com o SNS está na contratação de serviços ao exterior. 

O que não dizem aos
portugueses é que esta política economicista de contenção do investimento na
saúde, tem como consequência o aumento dos custos para as famílias, em grande
medida devido às taxas moderadoras, à perda de qualidade dos serviços
prestados, menos medicina preventiva e mais medicina curativa, com custos bastante
superiores. A saúde não só sofre o impacto do desenvolvimento económico como é
condição indispensável  para o
crescimento e desenvolvimento económico. 

A ofensiva contra o SNS e o
crescimento das injustiças e das desigualdades piorando o estado de saúde da
população são um obstáculo ao desenvolvimento.  

Numa operação de cosmética o
Governo procura transmitir a ideia de que agora vai ser diferente. Não nos
iludamos. Pode mudar o estilo mas o conteúdo, esse, mantém-se intacto. Não há
nenhuma decisão de recuar na política de encerramentos de serviços, mas tão só
concretizar de acordo com um novo calendário. A resolução do problema central
que está colocado na saúde – a falta de profissionais (médicos, enfermeiros e
outros técnicos) nos cuidados de saúde primários e em algumas especialidades –
continua a não ser objecto de um plano de emergência e de medidas de fundo, que
procure solucionar o problema no curto e no médio prazo, nomeadamente o fim dos
números clausus que continuam a funcionar como uma autêntica barreira
administrativa no acesso às Faculdades de Medicina. 

Mais de 700.000 portugueses
continuam a não ter médico de família, mais de 35.000 aqui no concelho de
Odivelas. Apenas dois centros de saúde em Portugal têm enfermeiro de família,
para uma necessidade, de acordo com os rácios da Organização Mundial de Saúde,
de mais de 12.000. Só aqui no concelho faltam mais de 70. 

Mais de 220.000 portugueses
continuam em lista de espera para uma cirurgia, apesar dos vários programas
lançados com o objectivo de resolver este flagelo. 

Também na política do
medicamento, ao contrário do que foi sendo afirmado, os portugueses continuam a
pagar mais, quer pela política de descomparticipação, quer pelo aumento dos
preços dos medicamentos e das margens de comercialização, particularmente na
indústria. Se compararmos 2005 com 2006, de acordo com as estatísticas do
medicamento, verificamos que a despesa pública passou de 68,3% do custo total
com medicamentos, para 66,7%, enquanto a despesa das famílias passou de 31,7 %
para 33,3%, mais cerca de 40 milhões de euros. 
 

Neste quadro faz todo o
sentido continuar a luta em defesa do SNS. É mesmo um imperativo nacional
assegurar o direito à saúde, não deixando que a luta se esgote na resolução, ou
não, do problema imediato. É importante a luta contra o encerramento deste ou
daquele serviço, pela construção do novo centro de saúde, pelo alargamento do
número de utentes com médico de família, mas tudo isto será insuficiente se o
Estado não garantir um SNS, universal, geral e gratuito, realizado no quadro do
serviço público.  

O PCP, no âmbito da sua
actividade política geral e no quadro da Assembleia da República, não deixará
de intervir para obrigar o Governo, não apenas a reconhecer a sua política
errática em matéria de saúde e a assumir as responsabilidades que tem nas
consequências dessa política, mas também avançando propostas responsáveis que
integrem as aspirações e preocupações dos portugueses. 

A participação dos membros
do PCP em organizações e movimentos de massas, respeitando e defendendo a
autonomia, o carácter unitário e a vida democrática dessas organizações e
movimentos, tem um papel determinante na elevação da consciência sobre os
problemas da área da saúde e ainda na mobilização para a participação na luta que
também é por melhores condições de vida e de trabalho.