Troika

“Tu que tanto prometeste quando nada podias, hoje que podes, esqueceste tudo o que prometias”.

É caso para dizer, hoje, que falta fazem os poetas para dizerem aquilo que outros não podem ou não querem dizer.

Pois é, como bem lembrava Aleixo basta chegar ao “pote” para se esquecer todas as promessas.

Neste país hoje governado por uma maioria PSD/CDS a única diferença entre o antes e o agora é que as políticas são as mesmas em versão mais aprofundada, mais dura, mais exigente …

 

Sob a capa da moralização do sistema, cortar é a palavra de ordem. Mas cortar de forma selectiva, que é como quem diz sempre nos mesmos sem mexer nas regalias do capital, sobretudo no capital financeiro.

 

Então quem paga a crise? Sempre e só os trabalhadores e a classe média. Os trabalhadores da função pública, pois claro.

Aliás, é recorrente a posição dos ministros quando pretendem justificar as medidas dizendo que os ministérios não são centros de emprego. Na realidade deveriam dizê-lo, fazendo a ressalva que são centros de emprego para ministros, secretários de estado, assessores e staff’s. Só os funcionários públicos são para “eliminar”.

Este é o tempo de ajuste de contas com o 25 de Abril. Apenas 37 anos passaram e aí estão a vir ao de cima todas as estruturas que a revolução dos cravos tentou, mas não conseguiu, mudar.

À sociedade dos direitos, liberdades e garantias, segue-se uma sociedade da precariedade e sobretudo uma sociedade de matriz caritativa.

Serviços e bens estratégicos para a soberania de qualquer país estão a ser paulatinamente preparados para serem privatizados. A água, a electricidade, os correios, os transportes, a saúde, a educação, são apenas alguns exemplos de bens e serviços que estão a tornar-se atractivos para serem entregues ao jogo do mercado.

Hoje, para quem tinha dúvidas, já sabemos o que é a economia de mercado. O mercado, entenda-se o jogo dos especuladores, determina a vida das pessoas e até a existência dos países.

Se a Democracia é o poder do povo, pois com estas políticas ela está posta em causa.

A degradação da Democracia verifica-se em várias áreas da nossa vida colectiva :

– no constante silenciamento das posições e acções de quem está "contra a corrente";

– no claro desrespeito pelo pluralismo democrático, como acontece regularmente nos órgãos de comunicação, em que os comentadores escolhidos a dedo fazem a mentalização das massas para aceitarem como inevitáveis as soluções apresentadas;

– ao nível económico e na distribuição dos recursos e que o digam os milhares desempregados, para quem o governo não arranja soluções, apesar das promessas eleitorais;

– na liquidação do sector produtivo e na falta de estratégia para o país, contrastando com o favorecimento dos grandes interesses económicos, vejam-se as alterações propostas às leis do trabalho;

– nas leis do associativismo e nos estatutos de dirigente associativo, que tornam cada vez mais difícil a vida das colectividades, base essencial da Democracia;

– no conceito de Participação Cívica, que se resume a transformar cada cidadão num mero eleitor, que periodicamente e cada vez em menor número é chamado a votar;

A questão que se coloca é a da sobrevivência da própria Democracia. A sobrevivência do regime democrático impõe o rompimento com estas políticas e com estes políticos afundados em auras de justiceiros e moralizadores, mas que na verdade estão ao serviço dos mesmos interesses que fizeram Portugal chegar ao estado em que se encontra.

Voltámos à teoria do “bom aluno”. Não aprendemos com os erros do passado. Hoje quem clama por desenvolver o sector produtivo foi exactamente quem nessa época (a do bom aluno) destruiu todo o sector produtivo no nosso país. Haja memória e um mínimo de decência!…

Já sabemos que a conjuntura internacional serve de desculpa para tudo. É a escapatória.

Mas também sabemos que outra política, outras opções são possíveis e é por elas que nos batemos.

Tenho dito.

Odivelas, 26 de Setembro de 2011
Lúcia Lemos

1.ª Reunião da 4ª Sessão Ordinária da Assembleia Municipal de Odivelas