Sobre a Iniciativa Popular de Referendo Local sobre o Alojamento Local

Valorizamos o trabalho desenvolvido pelo Movimento que promoveu a Iniciativa Popular de Referendo Local que, ao longo de dois anos e meio, contribuiu para a discussão, reflexão, contacto com milhares de pessoas em torno da premente questão da habitação em Lisboa. Partilhamos o reconhecimento do direito à habitação, inscrito na Constituição da República Portuguesa, e o entendimento sobre a sua função social, bem como nos revemos nas preocupações que revelam sobre a efectivação desse direito consagrado.

O Referendo que esta Iniciativa Popular propõe é sobre a questão concreta do Alojamento Local, uma realidade gritante na nossa cidade, que há muito necessita de regulação, como o PCP sempre defendeu. E em Lisboa, designadamente na CML, durante demasiado tempo, o PCP esteve absolutamente sozinho nessa preocupação de regulação do Alojamento Local – mas também dos hotéis. Durante anos, as restantes forças políticas na cidade representadas na CML, em funções de governação ou na oposição, subestimaram, desvalorizaram ou mesmo recusaram a necessidade de regulação do Alojamento Local, o que teve como consequência a sua excessiva expansão em diversas zonas da cidade. Mas mesmo com essa resistência, o PCP não deixou de insistir e de se empenhar e, logo que possível, foi aprovado um regulamento municipal que, com o contributo do PCP foi bem mais longe nas zonas contempladas do que a proposta inicial que a então gestão PS previa.

Desde há muito que o PCP intervém sobre esta matéria. Numa Moção ao Governo discutida em Janeiro de 2018 na Assembleia Municipal de Lisboa, o PCP dizia: “atendendo à complexa realidade resultante da gentrificação e da turistificação dos centros históricos da cidade, urge tomar medidas numa perspectiva de moderação e de contenção do alojamento local, equilibrando a existência desta actividade económica com a necessária protecção da acessibilidade à habitação e a salvaguarda das características dos bairros tradicionais”, recomendando que “a Assembleia da República, no âmbito das suas competências, legisle no sentido de salvaguardar e regulamentar esta actividade”.

Na Assembleia da República, o grupo parlamentar do PCP procurou contribuir, devendo-se à sua intervenção a possibilidade de regulação na lei, atribuindo competências aos municípios no domínio do Alojamento Local. Infelizmente, para Lisboa, esta importante alteração legislativa viria tarde, tornando-se de certa forma ineficaz, porque a disseminação do Alojamento Local de forma desenfreada e desregulada já tinha feito demasiados estragos.

Para o PCP, o crescimento desregulado do Alojamento Local, no quadro mais geral de um crescimento desregulado e desordenado do turismo, é uma das causas do problema da falta de habitação a preços acessíveis.

Mas existem, também, outras causas, que concorrem para a situação que hoje vivemos, que não devem ser esquecidas e sobre as quais é necessário intervir:

  • a lei do arrendamento;
  • o aumento das taxas de juro nos empréstimos bancários;
  • os regimes fiscais para atração de capitais ao sector imobiliário;
  • a reduzida dimensão do parque habitacional público;
  • a liberalização dos usos do solo no actual PDM;
  • o crescimento desregulado da oferta hoteleira.

Segundo a Carta Municipal de Habitação, existem em Lisboa cerca de 48.000 fogos devolutos (sem contar com casas de segunda habitação). São 48.000 casas na cidade que estão vazias. E pensamos ser essencial intervir sobre esta realidade, sob pena deste contingente poder vir a alargar-se ainda mais, sem nenhum contributo substancial para a resolução do problema da falta de acesso à habitação.

Sobre os instrumentos de regulação do Alojamento Local existentes, o PCP considera que o actual Regulamento Municipal não responde às exigências que estão colocadas, pelo que se tem empenhado na sua revisão, tendo em vista, entre outros aspectos:

  • a adopção de rácios de contenção significativamente mais baixos;
  • o fim das excepções injustificadas;
  • a adopção de unidades territoriais de regulação infra-freguesia, que evitem excessivas concentrações de Alojamento Local em determinadas zonas;
  • a intervenção nas zonas em que a percentagem de Alojamento Local é excessiva, promovendo a sua diminuição.

Não deve deixar de ser tido em conta que o AL não é uma realidade homogénea, seja em termos de propriedade, de tipologias ou do impacto em diferentes territórios da cidade.Em Lisboa, por exemplo, se há cerca de 6.000 frações de AL cujos titulares detêm apenas uma fração, ao mesmo tempo existem mais de 2.700 frações (quase 15% do total de AL) cujos titulares ou entidades gestores detêm mais de 30 frações. Esta realidade que exprime interesses muito diferentes – entre a pequena propriedade e a grande propriedade – não deve deixar de ser tida em conta na prossecução dos objetivos de regulação desta atividade.

Em relação à competência regulamentar do município na matéria em apreço, existe, do nosso ponto de vista, insegurança jurídica.

O PCP desenvolveu esforços, na comissão da AML, para esclarecer dúvidas de natureza jurídica sobre a proposta, nomeadamente solicitando um parecer jurídico aos serviços competentes, de modo a minimizar a probabilidade de um pronunciamento negativo por parte do Tribunal Constitucional. Esta possibilidade não foi, todavia, acolhida.

Foi à luz deste posicionamento que o PCP apreciou a proposta de referendo. Revendo-se nas preocupações manifestadas pelos promotores da iniciativa, o PCP continuará a intervir, a todos os níveis, pela efetivação do direito à habitação, tal como consagrado na Constituição da República Portuguesa.