O enorme crescimento da actividade turística em Portugal, sobretudo desde 2014 e em particular na cidade de Lisboa, tem introduzido um conjunto significativo de alterações na vida mas também na estrutura económica e social da cidade. Uma das consequências desse incremento no turismo foi, sem dúvida, o crescimento exponencial do alojamento local. Ao longo dos últimos anos, assistimos a uma transferência de uso de imóveis do arrendamento habitacional permanente para o alojamento local, de carácter temporário, reduzindo a oferta de habitação disponível – tanto na forma de arrendamento como de compra – e à
elevação dos preços praticados a um ritmo e para níveis incomportáveis para a maioria da população.
Uma das consequências desta evolução foi o abandono das populações de muitos bairros, dos locais onde sempre residiram, indo para as periferias (para outros concelhos e mesmo outros distritos), por não disporem de condições económicas para suportar os elevados custos associados à habitação. Tornou-se premente adoptar medidas de moderação e de contenção desta actividade económica, o alojamento local, de forma a mitigar os seus impactos negativos no acesso à habitação e à descaracterização dos bairros tradicionais, sob pena de se perder o que é autêntico e que é procurado por quem nos visita. Estas medidas de moderação e contenção não são um ataque ao turismo – pelo contrário, procuram proteger as características únicas de Lisboa, que são um dos seus grandes atractivos, ao mesmo tempo que concorrem para a preservação do tecido social da cidade e procuram restringir o empurrar quase diário de famílias para outras localidades por não conseguirem uma casa para morar.
O Regulamento Municipal sobre Alojamento Local, apresentado há 5 meses atrás na CML e que seguiu para consulta pública, teve os votos contra do PCP por entendermos que um regulamento que pretende promover o equilíbrio entre a actividade turística e outras dimensões fundamentais da vida da cidade, como é a habitação, não poderia conter excepções que pusessem em causa esse objectivo. Mas como a apresentação dessa proposta não era o fim do processo, mas antes uma etapa, concentrámo-nos na apresentação e discussão de propostas de alteração ao Regulamento no sentido do mesmo poder cumprir o seu objectivo. A versão aprovada na semana passada em Câmara e que hoje aqui discutimos contempla alterações grandes que, do nosso ponto de vista, transformam substancialmente os resultados da aplicação do Regulamento no futuro e fundamentam a modificação do sentido de voto do PCP nesta matéria, aprovando o Regulamento. Este Regulamento não corresponde às nossas propostas iniciais mas é substancialmente diferente do que foi proposto inicialmente. Das várias propostas apresentadas pelo PCP e que foram integradas no texto aqui em debate destacamos:
– A integração da zona da Baixa/Eixos Av. da Liberdade/Av. da República/Av. Almirante Reis nas áreas de contenção do Alojamento Local (a proposta inicial da CML excluía-as, o que era inaceitável para o PCP);
– A redução de excepções com a eliminação da possibilidade de se registarem Alojamentos Locais em áreas de contenção relativa (Graça e Envolvente da Av. Almirante Reis/Bairro das Colónias) quando se façam obras de reabilitação de edifícios que subam dois níveis de conservação;
– Maior definição nas excepções admitidas nas zonas de contenção absoluta (Baixa/Eixos Av.Liberdade/Av.República/Av. Almirante Reis; Bairro Alto/Madragoa; Castelo/Alfama/Mouraria/Colina de Santana) onde podem ser concedidas quando se trate de reabilitação de edifícios em ruínas ou devolutos, e quando cumpram o critério de “especial interesse para a cidade”; A proposta do PCP foi especificar que esse interesse seja “darem origem a edifícios de uso misto em que o alojamento local esteja integrado em projecto de âmbito social ou cultural de desenvolvimento local”, ou integre “oferta de habitação com arrendamento acessível atribuída no âmbito do Regulamento Municipal do Direito à Habitação”, ficando estes projectos sujeitos a serem votados em reunião de Câmara;
– A introdução de organizações representativas de vários interesses, como as associações de moradores, na Comissão de Acompanhamento de Alojamento Local, e de um relatório anual para apreciação dos órgãos municipais, por forma a controlar de forma eficaz o desenvolvimento do Alojamento Local em Lisboa;
Estas propostas, agora integradas no texto do Regulamento, foram fundamentais para a alteração do nosso sentido de voto. Pensamos que o Regulamento responde ao objectivo de contribuir para travar a especulação imobiliária, a expulsão dos moradores e reverter os efeitos destas transformações que alteraram profundamente as realidades locais dos bairros. Este Regulamento é uma conquista na defesa do Direito à Habitação e do Direito à Cidade.
Mas a resolução dos problemas criados pelas actividades económicas que decorrem do aumento exponencial do turismo em Lisboa não se resolvem apenas com este Regulamento.
Todos os dias são conhecidos novos prémios na área do turismo atribuídos à nossa cidade.
Todos os dias surgem novos números de diárias, de visitas aos monumentos, de gastos em restauração.
Mas continua por efectivar o estudo aprofundado das dinâmicas turísticas, concretamente a capacidade de carga turística da cidade, bem como a elaboração de uma Carta do Turismo de Lisboa. Ambos os instrumentos foram propostos pelo PCP e aprovados na CML, há já alguns meses e com os votos contra do PSD e abstenção do BE, prevendo o desencadear de um processo de diagnóstico e de avaliação de impactos, positivos e negativos, do turismo ao nível local, principalmente nas freguesias centrais de Lisboa, a desenvolver com o contributo de diversos serviços da Câmara de Lisboa, Universidades, Associações e outras organizações da sociedade civil. Este trabalho é fundamental para o diagnóstico mas também para a tomada de decisões e intervenção esclarecidas.
O próprio Regulamento do Alojamento Local exige um acompanhamento particular, com atenção às eventuais flutuações que estes processos sofrem e com a maleabilidade suficiente para o alterar, se for necessário. Poderão vir a ser consideradas zonas da cidade em que a pressão obrigue à eliminação de quaisquer excepções, por exemplo.
O Parecer da 5ª Comissão recomenda que a área de contenção relativa seja alargada às zonas da cidade não abrangidas por qualquer tipo de contenção, enquanto não houver novos estudos. Pela nossa parte, consideramos esta medida excessiva dado que põe no mesmo patamar zonas muito distintas da cidade: naturalmente que os riscos, nesta matéria, que correm zonas como a Ajuda ou Belém são totalmente diferentes da realidade de Santa Clara ou Marvila. Mas estamos de acordo com o Parecer, de uma forma geral.
Por fim, e porque a discussão deste Regulamento sendo sobre turismo é também, e primordialmente, sobre habitação, não podemos deixar de referir a necessidade de outras medidas para inverter o panorama actual:
– a revogação da Lei das Rendas;
– a efectivação pela CML do Programa de Arrendamento a Custos Acessíveis (PACA);
– um planeamento da cidade com um urbanismo democrático, transparente e participado;
– o investimento público na habitação.