IreneSá
(in Caderno Vermelho 14, Setembro 2006)
Educação: Um alicerce do Estado em ruína
Quando se pensa em agentes educativos, os primeiros de que nos lembramos são os professores. Só depois nos ocorrem os estudantes, os auxiliares, os encarregados de educação, os técnicos especializados e a comunidade de um modo geral. Este raciocínio é fruto de uma convicção enraizada de que estas componentes sociais da vida colectiva são asseguradas por determinados profissionais. É portanto, normal, que antes de pensarmos em alunos, nos recordemos dos seus mestres. Do mesmo modo que, quando falamos em agentes da saúde, falamos de médicos e não dos utentes. Quando falamos de agentes artísticos, referimo-nos aos artistas e não aos seus fruidores. No entanto, estaria a sociedade em profunda crise se apenas se responsabilizassem os principais agentes de cada uma destas áreas fundamentais pelos seus fracassos e insucessos. Contudo, é isto que está a acontecer em Portugal e graças aos esforços envidados pelo próprio Governo (esse sim, e os que o antecederam, responsáveis últimos pela situação nacional). E esta estratégia é, basicamente a do velho “dividir para reinar”, um pouco mais depurada, um pouco mais agravada.
Todos são considerados improdutivos, privilegiados, infractores e sobre todos é gerado um discurso de acusação. O necessário espírito de solidariedade, cooperação e entendimento entre trabalhadores é substituído pelo acicatar de animosidades, contra os agentes da justiça, contra polícias, contra professores, contra os trabalhadores da administração pública no geral, contra médicos, contra populações, contra os desempregados, etc. Neste clima vivem-se nos locais de trabalho constantes intimidações e ameaças ao modo de vida da classe média resultantes do elevado número de desempregados, da forte dependência económica do país e de governos que confundem deliberadamente maioria absoluta com carta branca para deitarem por terra todos os princípios fundadores da nossa democracia vertidos em lei no texto constitucional, acenam-se cenouras frente ao nariz do burro, prometem paraísos a longo prazo e vende-se banha da cobra fazendo passar por vantajosas medidas lesivas.
Particularmente no que diz respeito à educação, esta perversa estratégia governamental assume contornos de grande e consciente irresponsabilidade. Este é, provavelmente, o sector em que o resultado das medidas políticas e económicas aplicadas no espaço de tempo de uma legislatura (ou até mesmo de duas ou três) é menos visível e menos palpável e ao mesmo tempo mais estrondoso.
Sendo a educação um dos alicerces do Estado, a sua própria ruína implica necessariamente a ruína do próprio Estado. E o fim do Estado no presente quadro político nacional e internacional significa deixar o país, com o seu povo e o seu património, à lei selvagem do capitalismo, com toda a rapina, exploração e violência que ela representa.
Mas por outro lado, os erros e ofensas cometidas na educação são como uma doença que vai consumindo os corpos de dentro para fora. As causas e os resultados não se associam e mantêm-se ocultos ou facilmente maquilháveis. À medida que esta “doença” se vai expandindo, vai-se tornando mais difícil sensibilizar o povo português para a importância da educação. A ofensiva ideológica que deixa grande parte dos trabalhadores indiferentes ou inoperantes face à destruição do sistema educativo tem em si uma componente educacional, ou melhor, a falta dela. Já há mais de um século Lénine escrevia: “… o ministro vê os operários como se fossem pólvora, e os conhecimentos e a instrução – como faísca: o ministro está seguro de que, no caso da faísca cair na pólvora, a explosão se dirigirá, antes de mais, contra o governo.”
Mas não é preciso ir tão longe nem tão atrás para exemplificarmos como as classes mais baixas são sub-repticiamente afastadas da escola: o aumento dos custos de frequência e o encerramento de muitíssimos estabelecimentos de ensino são os dois mais paradigmáticos. No entanto, e este é o aspecto mais subtil sobre as políticas de educação, a formação ou a instrução não são, ou não podem ser apenas, observadas na escola. E isto remete-nos, em parte, para o início deste texto. A educação faz-se, ou não, em conversas, em jornais, na televisão, na rua e em casa. Todos interferem, de certo modo, no processo de educação e todos os meios servem este propósito. O mais importante é a família; mas quando analisamos o papel que a família está a desempenhar na educação verificamos que os extensos horários de trabalho (e, devido aos baixos salários, em alguns casos a necessidade de mais do que um emprego), os péssimos sistemas de transportes que obrigam a grande dispêndio de tempo em deslocações, um conjunto vasto de obrigações burocráticas, a fraca sensibilização para as questões de educação, prejudicam, e muito, a assumpção da educação dos mais jovens como prioridade. Para além disso, os meios de comunicação social e o mercado de produtos de consumo para os mais novos, representam um factor que, em muitíssimos casos, já ultrapassou a barreira do saudável e concorrem fortemente com uma acepção de educação pensada e cuidada que visa o pleno desenvolvimento das personalidades. Por outro lado as instituições que visam justamente a protecção de crianças em risco não têm mãos a medir com o número crescente de casos dramáticos e os instrumentos que detêm são ínfimos face às necessidades.
Em resumo: o capitalismo não se compadece com os múltiplos cenários de abandono parcial ou total a que estão votados uma grande quantidade de jovens em idade escolar. Interessa-se exclusivamente em retirar o máximo proveito da força de trabalho dos pais, o que invariavelmente conflitua com a necessidade de meios e de tempo para a educação.
Ficam então professores e educadores com a ingrata e impossível tarefa de educar, sem que estejam asseguradas, muitas vezes, as necessidades básicas, de segurança e de afecto, num cenário de uma profunda crise de valores.
A LBSE e a situação da educação
A LBSE (Lei de Bases do Sistema Educativo), aprovada, sem votos contra, em 1986, estabelece que: “Todos os portugueses têm o direito à educação e à cultura, nos termos da Constituição da República.”, “É da especial responsabilidade dos Estado promover a democratização do ensino, garantindo o direito a uma justa e efectiva igualdade de oportunidades no acesso e sucesso escolares.”, “O sistema educativo organiza-se de forma a: (…) b) Contribuir para a realização do educando, através do pleno desenvolvimento da personalidade, da formação do carácter e da cidadania, preparando-o para uma reflexão consciente sobre os valores espirituais, estéticos, morais e cívicos e proporcionando-lhe um equilibrado desenvolvimento físico; (…) g) Descentralizar, desconcentrar e diversificar as estruturas e acções educativas, de modo a proporcionar uma correcta adaptação às realidades, um elevado sentido de participação das populações, uma adequada inserção no meio comunitário e níveis de decisão eficientes; h) Contribuir para a correcção das assimetrias de desenvolvimento regional e local, devendo incrementar em todas as regiões do País a igualdade no acesso aos benefícios da educação, da cultura e da ciência; i) Assegurar uma escolaridade de segunda oportunidade aos que dela não usufruíram na idade própria, aos que procuram o sistema educativo por razões profissionais ou de promoção cultural, devidas, nomeadamente, a necessidades de reconversão ou aperfeiçoamento decorrentes da evolução dos conhecimentos científicos e tecnológicos; (…) l) Contribuir para desenvolver o espírito e a prática democráticos, através da adopção de estruturas e processos participativos na definição da política educativa, na administração e gestão do sistema escolar e na experiência pedagógica quotidiana, em que se integram todos os intervenientes no processo educativo, em especial os alunos, os docentes e as famílias.”
Estes são alguns dos princípios que têm vindo a ser ignorados ou descaradamente deturpados pelos próprios governos de partidos que a aprovaram (PS e PSD) com o apoio de outro que se absteve (CDS-PP). Em 2001 saiu gorada uma tentativa de substituição da LBSE por uma LBE (Lei de Bases da Educação) que romperia com a primazia do direito à educação face à liberdade de ensinar, o que significa que a obrigação do Estado em garantir as condições pela frequência e o acesso à escola seria trocada pela obrigação do Estado em liberalizar a educação como um mercado, colocando assim o Ensino Público em pé de igualdade com o Particular e Cooperativo. O próprio abandono da ideia do Sistema Educativo demonstrava já vontade em abandonar uma perspectiva de desenvolvimento integrado e sustentável da educação. O então Presidente Jorge Sampaio não promulgou a lei por falta de debate alargado e consulta dos parceiros sociais. No entanto, as práticas desde então mostram bem que a direita não respeita a democracia nem as suas instituições. A lei não foi aprovada mas é como se já vigorasse. O panorama é este:
– O Governo anunciou o encerramento, já para o próximo ano lectivo, de 1500 escolas do primeiro ciclo e a curto prazo de mais 3000, totalizando cerca de metade do total das escolas do primeiro ciclo;
– Os lugares de Quadro de Escola e de Zona Pedagógica têm vindo a ser encerrados à medida que os professores se vão reformando;
– O trabalho precário é uma realidade. A situação dos contratados é cada vez mais difícil. Com a passagem do concurso para trienal, a renovação dos contratos passa a ser responsabilidade dos conselhos executivos que cada vez mais se querem capatazes do Ministério da Educação. As ofertas de escola começam a generalizar-se e a maior parte dos portadores de habilitação própria vão ficar arredados do sistema. A perspectiva de estabilidade profissional (tão necessária ao desempenho da função docente) está cada vez mais distante das perspectivas de muitos professores e educadores.
A expansão do inglês no ensino básico tem servido muito mais os interesses de empresas privadas que fazem chorudos lucros explorando desenfreadamente professores seleccionados sob critérios muito díspares e sem limitações, que estão a dar as referidas aulas em regimes precaríssimos, alguns mesmo sem contrato. O ministério com esta medida agradou aos pais, que viram o horário escolar dos seus filhos prolongado, mas não realizou nenhum estudo sobre as necessidades de formação no primeiro ciclo e prepara-se agora para estender estas aulas às artes plásticas;
– Com as alterações ao regime de aposentação, muitos dos profissionais do ensino, depois de sujeitos a um profundo desgaste (trata-se de uma das profissões com os mais elevados níveis de stress) viram-se na situação de terem de adiar as suas merecidas reformas;
– Congelamento de carreiras e de contagem do tempo de serviço e perda de poder de compra nos últimos cinco anos (alguns sem qualquer aumento e outros com aumento inferior à inflação real);
– Redução do número de turmas por escola com o mero objectivo de reduzir despesas em pessoal. Consequentemente as turmas são maiores, em muitos casos desrespeitam o número máximo estabelecido e, muito frequentemente, os casos em que as turmas devem ser reduzidas por serem integradas por alunos com necessidades educativas especiais;
– O ensino especial a ser desmembrado;
– O Ministério da Educação acabou com as reduções da componente lectiva por tempo de serviço e preencheu estas horas com aulas de substituição e outras tarefas, deturpando o estatuto da carreira docente e aquilo que é o conteúdo funcional da profissão. Para além disto, a medida está a causar grande instabilidade nas escolas que não têm condições físicas e materiais para manter os professores ocupados na escola. A médio prazo o Governo pretende mesmo ocupar por inteiro os horários de todos os professores com aulas adoptando assim mais uma medida economicista sem qualquer propósito pedagógico e que visa apenas, mais uma vez, reduzir custos com pessoal;
– Por outro lado, sucessivas reformas e revisões curriculares têm também servido desígnios económicos e o produto dessas medidas salda-se, entre outros erros, em reduções injustificadas das cargas horárias das disciplinas;
– O equipamento e instalações das escolas estão em franca degradação, ficam aquém das necessidades de modernização, e o tão propalado “choque tecnológico” não acompanha nas escolas o ritmo alucinante da propaganda do Governo. São conhecidos os casos das escolas do norte/interior que fecham no pico do Inverno por falta de aquecimento, mas menos noticiados são os muitos estabelecimentos que nem dinheiro para manterem a limpeza têm;
– O Governo entretanto vai adoptando medidas persecutórias e vilipendiando professores e educadores. Recentemente enviou uma circular para os conselhos executivos estabelecendo que as justificações de faltas ao abrigo da lei sindical sobre reuniões fora do local de trabalho não deveriam ser aceites;
Resposta sindical
E como respondem os professores e educadores a este descaracterizar e espezinhar da educação e exploração e falta de respeito pelos seus profissionais?
Por todas as razões expostas têm sido professores e educadores os maiores defensores da educação. Foram assumindo, mal ou bem, o papel que a sociedade portuguesa lhes foi atribuindo: o de responsáveis, e têm também, mal ou bem, naturalmente, procurado defender o seu trabalho. As estruturas sindicais são os instrumentos por excelência de defesa dos trabalhadores. Funcionam, ou devem funcionar, como grandes plataformas de unidade entre aqueles que defendem a sua força de trabalho para dar resposta e ganhar terreno face aos detentores dos meios de produção. Esta é uma definição, um tanto rudimentar, do que é um sindicato de classe. No entanto, também nesta frente, a força dominante do capitalismo usa a mesma estratégia do “dividir para reinar”: sindicatos e sindicatozinhos proliferam como cogumelos nos diversos sectores. A FNE (Federação Nacional da Educação) afecta à UGT reúne sindicatos deste tipo e procura fazer frente à , essa sim, grande estrutura de unidade sindical de professores e educadores, a Fenprof (Federação Nacional de professores), cujos sindicatos (7) representam mais de 80% dos docentes sindicalizados. Agrega cerca de 62 mil sindicalizados, num universo sectorial que anda à volta dos 300 mil trabalhadores. É, portanto, uma grande força sindical de classe e está ligada, através dos seus sindicatos, à CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses), efectivamente a grande central sindical portuguesa, uma instituição que, graças à sua coerência e perseverança, ao seu papel na defesa dos trabalhadores, honestidade e solidariedade, foi considerada, num inquérito realizado há alguns anos, a que merecia a maior confiança e a mais prestigiada do país, e uma das mais respeitadas a nível internacional.
O papel dos quadros organizados e dirigentes do PS, e da direita num sentido lato, é o de impedir processos de luta consequentes e em crescendo e de institucionalizar, nos sindicatos e na CGTP, o “chamado direito de tendência”. É neste âmbito que o SPGL (Sindicato dos Professores da Grande Lisboa) tem sido disputado. Sendo o maior sindicato de professores português é o maior da Fenprof, que por sua vez é a maior federação sindical do país. O rumo do SPGL pode ser determinante para o movimento sindical português e é, certamente, importante que ele continue do lado do sindicalismo de massas e classe. No entanto, o SPGL, de alguns anos a esta parte, foi-se descaracterizando à medida que a sua direcção se foi tornando palco apetecível dos mentores de um sindicalismo burocrático, fechado e avesso a mobilizações de massas, foi espartilhando as suas frentes de luta, cada vez em objectivos mais reduzidos. Não haveria nada de errado com essa táctica se ela fizesse parte de uma estratégia integradora. Todavia o processo foi sendo o inverso, batalhas cada vez mais balizadas até ao ponto de conduzir muitos professores a deixarem de ver o todo e absolutizarem problemas parcelares como os mais graves e prementes.
Ainda mais absurdo sob o ponto de vista de um sindicalismo de massas e solidário é a conflitualidade sempre latente que o SPGL estabelece com outros sindicatos da administração pública organizados na plataforma da Frente Comum. No momento em que o sector público e os seus trabalhadores são o principal alvo a abater (com vista à completa liberalização e privatização dos serviços), o SPGL, ao invés de envidar esforços de união, de sensibilizar e mobilizar os professores e educadores para as batalhas e objectivos comuns, coloca sucessivos entraves e chega mesmo a destruir entendimentos e estratégias com outros sindicatos. Exemplo disto é o processo desenvolvido ao longo de 2005: no qual o SPGL teve, em diversos momentos, grandes responsabilidades na inviabilização de lutas conjuntas. Os últimos meses do ano foram determinantes para a aprovação do Orçamento de Estado e dos aumentos salariais para 2006. Tivesse havido um bom desenvolvimento da luta da administração pública e a demonstração de força teria, muito possivelmente, levado a outro desfecho.
A introdução do “direito de tendência” organizado foi mais um rude golpe no sindicalismo docente. O “direito de tendência” figurava já nos estatutos do sindicato e, embora existissem efectivamente as tendências organizadas da direcção, elas não tinham, até à recente revisão dos estatutos, outra expressão para além do direito de usarem as instalações e meios do próprio sindicato para as suas reuniões. Agora vêem-se verdadeiramente consagradas através da criação de um Conselho Geral. E que perigo representam o Conselho Geral e o “direito de tendência”? Este órgão não tem na realidade competências que obriguem a uma grande discussão política. Todavia é encarado como tal, o que se afigura estranho. Objectivamente o que acontece é que estas competências foram roubadas à AGDS (Assembleia Geral de Delegados Sindicais). E seria lógico mantê-las assim: os delegados sindicais são, no sindicalismo de massas, os principais elos de ligação do sindicato aos locais de trabalho. São eles que vivem as realidades das escolas, e são eles que levam a voz do sindicato. A AGDS era portanto o órgão que reuniria melhores condições para tomar as grandes decisões executivas. O Conselho Geral, composto por membros indicados pela direcção, delegados sindicais eleitos por listas pelo método de Hondt em AGDS e sócios eleitos pelo mesmo método em eleições gerais, para além de se afastar ainda mais da realidade do sector, serve apenas para cavar ainda mais fundo divergências. Os sócios mais activos em vez de serem agentes da convergência serão promotores dos afastamentos das escolas e da divisão. Em vez de se alimentar os consensos, semeia-se o espírito e as práticas de grupo. E isto não interessa, de modo nenhum, aos trabalhadores, serve sim os objectivos da direita e do patronato.
Numa altura em que a contratação colectiva está a ser desrespeitada e fortemente atacada, o SPGL ao invés de protagonizar uma grande mobilização e unidade para fortalecer o lado dos trabalhadores em sede de negociação, contribui para o enfraquecimento deste lado da barricada. Ao mesmo tempo produz discursos de grande dramatismo contra o Governo e as suas medidas. Assim, os responsáveis por esta situação conseguem ir mantendo do seu lado os professores justamente indignados e simultaneamente travar a participação e a combatividade. Apesar disso abandonaram o SPGL desde Fevereiro à volta de 2 mil professores (cerca de 10% dos sócios).
Já não se trata de pequenas diferenças na concepção da estratégia e das tácticas sindicais, nem se trata aqui de uns se agarrarem a velhas representações e conceitos. Trata-se de perceber que, por mais voltas que o discurso dê, por mais que se tente alimentar o espírito de ilusões de modernidade, democracia e humanismo, o capitalismo é selvagem, está aí e a luta de classes existe. Existe porque há ataques do patronato e existe porque, mesmo quando a resposta é insuficiente, há gente que não capitula.
No SPGL há professores e educadores que não capitularam e estão a responder a uma forma contraproducente de fazer sindicalismo. Responderam à revisão dos estatutos apresentando uma proposta, a B, que apesar do calendário inoportuno e da profunda falta de debate conseguiram alcançar 21,4% dos votos contra os 46,6% obtidos pela proposta A. É de sublinhar que o processo foi tão distante dos sócios que os votos em branco representaram 16,8% do total. Com 2079 votos na proposta A, mudaram-se radicalmente os estatutos de um sindicato com 21444 sócios. Os promotores da revisão procuraram a todo o tempo fazer crer que se tratava de uma mudança ligeira que apenas punha em prática alguns princípios já enunciados nos próprios estatutos. A falta de clareza foi tão profunda que a própria direcção aprovou a proposta em seu nome no próprio dia em que terminava o prazo para a entrega à Assembleia-Geral e em vésperas de férias de natal.
Entretanto o mesmo grupo de docentes lançou para os sócios do sindicato uma manifesto, “Por um sindicalismo participado que defenda os professores e a escola pública”, que se posiciona por “uma acção sindical centrada nas escolas e nos problemas concretos dos professores e educadores”, pela “intensificação e melhoramento da intervenção dos delegados e dirigentes sindicais”, pela “preparação, debate e luta dos professores” e pela participação activa “nas estruturas do movimento sindical unitário, designadamente na Fenprof, Frente Comum e CGTP”, e que já recolheu centenas de subscrições. Os seus subscritores, depois de um debate no passado dia 25 de Março entenderam dar resposta à necessidade de um rumo diferente para o SPGL, contribuindo para a defesa da educação e do sindicalismo unitário, de classe e de massas. Os seus subscritores decidiram, nesta reunião magna de 25 de Março, dar voz às aspirações dos professores e concorrer numa lista unitária às eleições para os Corpos Gerentes, Conselho Geral e Conselho Fiscal do SPGL.
O processo eleitoral foi acidentado. Mas teve a vantagem de deixar bem claro que aqueles que não conseguem entender que o sindicato é um instrumento de todos os seus sócios e não a plataforma de uma concepção sindical que detesta a combatividade e que procura bloqueá-la, não podem agir senão a golpe, sem espírito democrático nem respeito pela vontade colectiva e pelas regras estabelecidas.
Os resultados iniciais da votação – depois de contados todos os votos entrados nas urnas – davam a vitória na Direcção Central à lista B, a do grupo de sócios subscritores do mencionado manifesto, demonstrando assim que a análise que haviam feito estava correcta; uma grande parte dos sócios do SPGL – mais de 50% não votaram na actual direcção – já não se revia na direcção e exigia um sindicato mais próximo das escolas, democrático e enérgico na defesa dos seus interesses.
No entanto, utilizando os meios da estrutura sindical rapidamente os cabecilhas da lista adversária inverteram os resultados através dos chamados “votos por correspondência”. A utilização deste modo de manipulação de eleições não é nova e, neste processo em concreto, começou logo de início. Primeiro, através da publicação de um documento em nome da Mesa da Assembleia-Geral em que, à revelia do órgão competente, se referia a votação por correspondência (apesar de não estar prevista nos estatutos). Depois, na subversão do próprio Regulamento Eleitoral, que foi alterado sem conhecimento dos delegados que o aprovaram. Em terceiro lugar, pela recolha de “votos por correspondência” em mão de modo generalizado, utilizando a carrinha do sindicato para essas recolhas e apenas com elementos da lista da direcção. Em quarto lugar, pelo atraso – superior a 24 horas – da entrega, pelos serviços, desses “votos por correspondência” à comissão eleitoral. Em quinto, pela entrega desses votos com os sobrescritos que os continham já abertos, e, em sexto lugar, pela aceitação de parte desses votos (108) em que o sobrescrito exterior não continha assinatura conforme exigia o regulamento eleitoral. E estas foram apenas algumas das irregularidades detectadas.
Por si só o acima descrito mostra bem que não se tratou de um processo transparente e democrático. Houvesse um mínimo de seriedade e ter-se-ia aceite a proposta de não considerar os “votos por correspondência”.
Contudo, os responsáveis da Direcção e da Mesa da Assembleia-Geral cessante, num claro abuso de poder, fizeram de tudo para consumar a tomada de posse dos órgãos eleitos com a manipulação dos resultados. Não deram prossecução aos recursos apresentados e apressaram a tomada de posse para evitar que uma providência cautelar a impedisse.
De facto, tudo fizeram para viciar o resultado final, mas não conseguiram evitar que a lista B vencesse a direcção regional de Lisboa e 10 das 19 zonas sindicais: 4 em Lisboa (Amadora-Sintra, Loures-Odivelas, Oeiras-Cascais e Vila Franca de Xira-Azambuja), 2 em Setúbal (Almada-Seixal e Setúbal) 3 em Santarém (Santarém, Santarém Sul e Santarém Oeste) e 1 na região Oeste (Torres Vedras).
As eleições no SPGL confirmaram a lista B como a alternativa necessária para o assegurar de práticas sindicais de unidade, participação e combatividade e mudaram o cenário que se vivia no SPGL. O SPGL não será o mesmo e os professores têm, agora, novos meios e força renovada para prosseguir os seus objectivos e a sua luta.
A revisão do ECD vai sendo feita e torna-se absolutamente imprescindível que os professores e educadores respondam a essa agressão; que se mobilizem e actuem em unidade juntamente com os restantes trabalhadores, e, em particular, com os da administração pública. O mês de Setembro deve ser marcado pelo crescendo da luta e a marcha de 5 de Outubro anunciada pela Fenprof deve ser um rotundo e inequívoco NÃO à política educativa do Governo.