(…) Desde logo não se pode falar da reorganização do PCP nos anos 1940/41 se não tivermos em conta alguns importantes momentos anteriores da sua vida e actividade. Lembremos: a fundação em 1921, a actividade legal até ao golpe militar de 28 de Maio de 1926, a efectiva organização na clandestinidade a partir de 1929 com Bento Gonçalves, secretário-geral, a luta do Partido, da classe operária e de amplos sectores sociais nas condições da estruturação fascista do Estado nos anos 1933 e seguintes, a influência crescente nos sindicatos até à sua ilegalização em 1933/34, a luta ideológica contra o anarco-sindicalismo e o reviralhismo e os sucessivos e profundos golpes da repressão que conduziram à grande crise do Partido nos anos 1938/40 tornando necessária a reorganização de 1940/41.
(…) Só tendo em conta estes antecedentes (…) é que se pode avaliar correctamente o que representou a reorganização do PCP nos anos 40/41, a transformação do PCP num grande partido nacional, a sua luta ininterrupta que se seguiu ao longo de mais de 30 anos e a contribuição do PCP para o derrubamento do fascismo e a instauração da democracia com o 25 de Abril.
(…) É particularmente significativo que essa reorganização do PCP tenha sido empreendida num momento em que parecia que o terror fascista ia ganhar todo o mundo e a ditadura em Portugal, terminada a fascização do Estado, estava no aparente apogeu do seu poder.
A guerra civil espanhola terminara com a derrota da República e a instauração da ditadura de Franco, cujo golpe foi militarmente apoiado pela Alemanha de Hitler e a Itália de Mussolini e contou com o activo apoio de Salazar. Os exércitos nazis tinham varrido e ocupado a Europa continental, chegavam aos Pirinéus e avançavam até às portas de Moscovo, de Leninegrado e de Stalinegrado. O Japão militarista conquistava o Oriente.
O que então apregoavam os fascistas, faz lembrar o que hoje apregoam alguns: que o comunismo tinha morrido.
O governo declarava que o PCP estava definitivamente liquidado e tanta confiança mostrava em que com a derrota da URSS na guerra o comunismo seria uma causa definitivamente perdida que libertou em 1940 do Tarrafal e de outras prisões vários membros responsáveis do Partido.
Em tais circunstâncias, empreendendo a reorganização, creio poder dizer-se que o PCP mostrava como os comunistas compreendem os seus deveres para com o povo e para com o país, como não recuam ante obstáculos e dificuldades, como não se deixam intimidar pela mais brutal repressão e como a sua visão da história e da sociedade os não faz perder a confiança no futuro.
(…) Cabe dizer que a reorganização de 1940/41 pecou inicialmente por partir de uma conclusão não provada segundo a qual a causa fundamental das sucessivas prisões que atingiam a direcção do Partido se deviam necessariamente a provocação policial instalada entre os quadros dirigentes. Subestimaram-se as insuficiências dos métodos de defesa numa tão severa clandestinidade e o resultado foi que já depois da reorganização novos golpes atingiram a direcção até que a partir de 1942 se realizou uma transformação radical desses métodos.
(…) A defesa contra a repressão nas condições de clandestinidade a que o PCP era obrigado, exigia compartimentação de organizações, militantes e tarefas, secretismo de numerosos dados, forte centralização de competências de direcção e rigorosa disciplina. Mas apesar de erros cometidos em alguns momentos de centralismo excessivo, foi constante a preocupação de, mesmo em tais condições, assegurar métodos democráticos de trabalho.
Em qualquer dos Congressos realizados nessa época (III em 1943, IV em 1946, V em 1957 e VI em 1965) a par de competências centralizadas, de disciplina, de unidade, foram sublinhados princípios democráticos como a eleição de todos os organismos de direcção (embora de impossível generalização nas condições de clandestinidade) a prestação de contas e direitos fundamentais dos membros do Partido: de defenderem as suas opiniões, de discordarem dos organismos superiores, de crítica, de participação na discussão ampla e democrática de toda a actividade partidária e na elaboração das directrizes gerais do Partido. O IV Congresso sublinhou a necessidade e o dever de adoptar formas democráticas "sempre que não colidam com o trabalho conspirativo". O V Congresso procedeu a uma severa crítica ao exagero do centralismo e a métodos autoritários de direcção e aprovou Estatutos do Partido. O VI Congresso insistiu nos princípios democráticos e no trabalho colectivo. Tanto concepções centralistas como outras depois caracterizadas como "anarco-liberais" foram ultrapassadas.
(…) No PCP, além de um crescente respeito pelas opiniões diferenciadas, a democracia interna ganhou novos valores e aprofundou-se progressivamente através do conceito e da prática do trabalho colectivo.
(…) Não consideramos que a admissão de tendências, de campanhas e de lutas entre dirigentes com as suas plataformas próprias, reduzindo o resto do partido a apoiantes e votantes, seja uma afirmação de democracia superior ao conceito e à prática do PCP que se compreende a si próprio como um grande colectivo que determina a orientação e a acção.
(…) Manteve-se entretanto sempre, como objectivo e tarefa central, como eixo da luta antifascista, a liquidação da ditadura fascista, a conquista da liberdade política, a instauração de um regime democrático.
Logo em Março de 1943 (pouco tempo portanto após a reorganização, ainda grassava a 2ª Guerra Mundial) nos "9 pontos-Programa para a Unidade Nacional", aprovados no III Congresso (1943) e confirmados no IV Congresso (1946) se propunha a instauração da liberdade de palavra, de imprensa, de reunião, de associação, de crenças e cultos religiosos, a legalização das organizações operárias e progressistas" e a constituição de um Governo Provisório até que o povo português escolhesse os seus governantes através de eleições em sufrágio directo e em escrutínio secreto de uma Assembleia Constituinte.
(…) Assim, quando da reorganização de 1940-41, as forças antifascistas encontravam-se divididas, dispersas, sem acordos nem acção comum.
Foi por iniciativa do PCP e sob o impacto das grandes greves operárias de Julho/Agosto de 1942 e Outubro/Novembro de 1943 (que tiveram ainda nova expressão em 8 e 9 de Maio de 1944) da unidade e combatividade da classe operária e da influência do PCP nelas reveladas, que se constituiu em Dezembro de 1943 na clandestinidade o Conselho Nacional de Unidade Anti-Fascista. Num "Comunicado ao Povo Português", o Conselho declarou ser objectivo do Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista (MUNAF) a instauração de um governo em que estivessem representadas todas as correntes da oposição e que desse ao povo português "a possibilidade de escolher, em eleições verdadeiramente livres, os seus governantes".
(…) A luta do PCP pela unidade antifascista continuou sendo uma constante da sua orientação e teve, ao longo dos anos expressões diferenciadas em termos de composição e organização, como foram o Movimento Nacional Democrático (MND) com Ruy Luís Gomes, as Juntas de Acção Patriótica (JAP), a Frente Patriótica de Libertação Nacional (FPLN), as Comissões Democráticas Eleitorais (CDE), os Congressos da Oposição Democrática (Aveiro), o MUD Juvenil e o Movimento da Juventude Trabalhadora (MJT), o Movimento Democrático das Mulheres (MDM) e outras.
(…) Um problema maior que se colocou ao povo português, aos democratas, ao PCP, logo desde 28 de Maio de 1926, foi como pôr fim à ditadura.
(…) Depuradas as forças armadas pela ditadura, a ideia do golpe militar (do então chamado "reviralho") além de iniciativas esporádicas logo abafadas, passou a ser um pretexto para justificar e defender a passividade de sectores antifascistas aos quais faltavam determinação, organização e mesmo coragem para travar a luta dia a dia e para enfrentar dia a dia a repressão.
O PCP deu combate político e ideológico ao reviralhismo mas só quando, já nos anos 40, adquiriu força e capacidade para promover e dirigir, mesmo nas condições do fascismo, a luta política e social de massas, só então começaram a surgir outras perspectivas no pensamento e na actividade da Oposição. (…)
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(*) – Excertos da Conferência de Álvaro Cunhal no Seminário «Para a história da oposição ao Estado Novo», Universidade Nova de Lisboa – 9 de Abril de 1992.
Artigo publicado na Edição Nº1697 do Avante!