Um passo em frente, dez passos atrás: O governo PSD/CDS em guerra com a arquitectura

 

O que o governo PSD/CDS vem agora propor constitui um claro retrocesso face ao DL 31/2009. Um retrocesso que visa sobretudo estabelecer uma competição artificial entre profissionais que, num quadro em que as suas competências e áreas específicas sejam respeitadas são não concorrentes mas, no fundamental, complementares. As organizações representativas das diferentes áreas profissionais deixaram-se envolver nessa manobra, assumindo uma estreita posição corporativa e manifestando completa incapacidade em entender o que está efectivamente em causa.

Os dois diplomas tomam como regra substituir a interdisciplinaridade das diferentes especialidades pela polivalência técnica, com o objectivo de proporcionar às empresas responder ao maior número de solicitações com o menor efectivo de quadros técnicos especializados.

Tal situação, alimentando a precariedade laboral e diminuindo a qualidade do trabalho especializado prestado, manterá as pequenas e médias empresas (a esmagadora maioria) nas mãos da meia dúzia de grandes grupos de construção civil que dominam o mercado.

Os dois diplomas ilustram ainda um desconhecimento profundo no que diz respeito às alterações verificadas nos processos de projecto e de comunicação à obra, em particular com a generalização do uso de ferramentas informáticas e as respectivas repercussões na direcção e na fiscalização das obras de construção. E o mesmo acontece no que diz respeito à realidade de um sector como o da Construção Civil cuja crise o aproxima do colapso.

Manter as empresas de construção na dependência dos grandes grupos

O Sector da Construção Civil é um dos sectores mais atingidos pela actual crise, cujo  desencadeamento muito deve à especulação fundiária e imobiliária. Sector este, empolado (num quadro de desindustrialização) em que é manifesto um fenómeno de sobre-produção, visível no enorme excedente de área construída.

Num país onde, segundo os Censos de 2011, existe um diferencial de cerca de dois milhões de fogos construídos em relação ao número de famílias, em que as redes de infra-estruturas requerem um importante volume de obras de pequena dimensão, em que extensas zonas urbanas exigem requalificação, existe um vasto espaço para que as pequenas e médias empresas de construção possam operar livres da dependência – em quadros, meios técnicos, equipamentos – da subcontratação das grandes empresas do sector. Espaço para a reabilitação urbana, para a melhoria geral das condições do edificado e do acesso à habitação condigna, e da requalificação do espaço público. Trabalho para os quadros técnicos existentes e para muitos mais. Trabalho para as dezenas de milhares de quadros qualificados que a política de direita coloca perante a perspectiva do desemprego e da emigração.

Mas tal espaço, numa perspectiva de verdadeiro progresso, não será certamente para empresas com as características predominantes das que desapareceram na voragem da crise, mas para empresas com quadros mais qualificados, empresas menos dependentes das subempreitadas atribuídas pela meia dúzia das grandes construtoras que dominam o mercado. Espaço para empresas com capacidade e autonomia no plano técnico, com mais e não com menos diversidade de quadros técnicos e outro pessoal especializado.

Tudo isto é o contrário daquilo para que os projectos de lei 226/XII e 227/XII apontam.

O direito à arquitectura é um direito democrático

As duas propostas de Lei subalternizam objectivamente a arquitectura, cuja defesa enquanto profissão  e cuja presença na sociedade enquanto direito estiveram no centro do processo que conduziu ao DL 31/2009.

Não se trata de qualquer reivindicação corporativa: mais do que do papel dos arquitectos na obra, do que se trata é do papel da arquitectura na sociedade. Da arquitectura enquanto cultura, técnica, ética e deontologia cuja vocação, se correctamente entendida, está vinculada ao interesse público na edificação, na cidade e no ordenamento do território e que, nesse sentido, se coloca tendencialmente num terreno oposto ao do interesse privado especulativo, que estas duas propostas de lei e as políticas em que se enquadram protegem e privilegiam.

A arquitectura não se exerce de forma inteiramente autónoma das condições sociais concretas e das políticas dominantes. A arquitectura pode e deve desempenhar um importante papel numa perspectiva democrática de desenvolvimento e de melhoria das condições de vida dos cidadãos. O facto de ser  flagrantemente subalternizada nestes diplomas, é significativo do que o governo PSD/CDS efectivamente pretende, e que é coerente com a restante orientação política, cultural, social e economicamente retrógrada que vem conduzindo o país ao desastre.

Os Arquitectos do Sector Intelectual da ORL do PCP