Debate do Sector Intelectual da ORL – Darwinismo e Marxismo”

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Esteve cheio, ontem, o salão do CT Vitória, para este debate com o camarada e biólogo evolutivo, André Levy, nesta que foi a iniciativa nº 7 do programa cultural do Sector Intelectual de Lisboa. Marcando os 150 anos do lançamento da obra de Darwin "A Origem das Espécies" e também os 200 anos do seu nascimento esta iniciativa abordou a sua importância na vida quotidiana actual, bem como, a forma como Marx e Engels a viram, no Materialismo e Dialéctica, presentes na mesma. O confronto da essência humana, à luz do evolucionismo, e dos novos conhecimentos científicos à cerca do comportamento humano na perspectiva da construção do "homem novo" numa sociedade socialista.

Este ano celebram-se os 200 anos desde o nascimento de Charles Darwin (a 12 de Fevereiro de 1809) e os 150 anos da publicação da sua obra "Origem das Espécies", que veio revolucionar a biologia. As ideias evolutivas desenvolvidas por Darwin nesta obra foram sendo formuladas ao longo de vários anos, de tal modo que Darwin havia já acumulado uma enorme quantidade de dados (de fósseis, sobre a distribuição de espécies, sobre semelhanças entre organismos, sobre a existência de estruturas vestigiais, sobre a selecção artificial realizada por criadores de pombos e outros animais e plantas) e pode elaborar um "longo argumento" que no seu conjunto só faria sentido à luz da evolução, por oposição da noção de criação independente de cada espécie por um deus omnipotente.

Para a construção do seu pensamento contribuíram as suas observações e recolhas durante a viagem no Beagle (1831-1836), o seu contacto com criadores de espécies, e a sua leitura extensa, incluindo o trabalho do Rev. Thomas Malthus, no qual este advogava que a população humana cresce mais rapidamente que a produção de alimento. Darwin encontrou na obra de Malthus inspiração para inferir um mecanismo natural, material, análogo à selecção artificial, que poderia ser responsável pelas adaptações dos organismos ao seu meio e ao desempenho das mais variadas funções: a selecção natural. A obra de Malthus porém não era um tratado académico, mas sim um panfleto político contra formas de apoio social aos mais desfavorecidos. A Inglaterra de então atravessava um período de grande crise social, entre a burguesia emergente e os sectores mais conservadores feudais e religiosos, e entre essa mesma burguesia e a crescente massa proletária, reduzida à mais abjecta pobreza e exploração. Foi durante os meados do século XIX, que, na Inglaterra, surgiu o movimento Cartista, que envolveu milhões de subscritores de 3 petições ao Parlamento Inglês exigindo melhores condições sociais e mais direitos políticos. Malthus escreveu o seu panfleto opondo-se a este movimento. Darwin, sempre desejoso de se manter afastado de conflitos, não queria publicar uma obra científica que lhe viesse causar problemas, ou que o conotasse politicamente com Malthus, vindo assim perturbar a sua vida provinciana e sossegada, isto é, temia a reacção dos sectores conservadores e dos trabalhadores da sua paróquia.

Em 1858, porém, recebeu uma carta de um jovem naturalista, Alfred Russel Wallace, na qual este esboçou ideias muito semelhantes às de Darwin, sobre evolução e o mecanismo de selecção natural. Isso levou a que Darwin se visse forçado a publicar as suas ideias ainda em vida, em 1859. Como esperava, a sua obra teve enorme impacto social, e foi alvo de grande polémica. Embora a "Origem das Espécies", nem as obras posteriores de Darwin, se referissem à evolução social do homem, as suas ideias foram apropriadas por outros, como Herbert Spencer, para advogar o Darwinismo Social, isto é,  a noção que a competição entre seres humanos era uma condição natural e necessária para o progresso social. É importante porém ter noção que esta falácia, transferir o que sucede na natureza para o que deve suceder na sociedade humana, foi conduzida não por Darwin, mas por outros, desde Spencer no século XIX a a biólogos evolutivos no século XX, como Edward O. Wilson (na sua obra Sociobiologia) e a mais moderna corrente de Psicologia Evolutiva. As ideias de Darwin também foram bem recebidas por sectores revolucionários, incluindo Marx e Engels, que viram em Darwin um materialismo histórico aplicado à biologia. Nas palavras de Engels quando da morte de Marx: «Tal como Darwin descobriu a lei da evolução na natureza orgânica, assim Marx descobriu a lei da evolução na história humana.» Anton Pannekoek, astrónomo e marxista, numa obra de 1909 intitulada "Marxismo e Darwinismo" demonstra até como a apropriação e aplicação falaciosa do Darwinismo para justificar a competição capitalista é contraditória: «Os Socialistas provam que ao contrário do mundo animal, a luta competitiva entre homens não favorece os melhores e mais bem qualificados, mas destrói muitos dos mais fortes e frágeis devido à sua pobreza [a não possuírem capital e os meios de produção], enquanto os ricos, mesmo os fracos e doentes, sobrevivem. … é a posse de dinheiro que determina quem sobrevive.»

É necessário também compreender que Darwin não atribuiu um papel central à competição como motor da evolução. Ele considerou várias forças, incluindo a cooperação. Não pode evitar, porém, que na apropriação das suas ideias este tipo de interacção recebesse mais atenção. Nem consegui encontrar explicação material para organizações sociais na natureza, como nas abelhas ou formigas. Esta foi desenvolvida apenas na segunda metade do século XX. Mas já em 1902, o anarquista Peter Kropotkin, publicou um texto sobre a importância da cooperação como factor evolutivo.

Estabeleceu-se então, na visão Marxista, uma divisão na evolução do homem, entre a sua evolução biológica, explicada pelo Darwinismo, e a evolução das suas relações sociais, explicada pelo Marxismo. Porém o ser Humano não parou de evoluir biologicamente, nem descartou características e comportamentos sociais de fases pre-históricas. O comportamento social humano é condicionado pelo uma interacção complexa entre a transformação das relações sociais e materiais, como pela evolução biológica. A importância de cada um destes processos varia consoante o comportamento, mas não devemos assumir, por exemplo, que transformando as relações económicas da sociedade se irão alterar facilmente os comportamentos individuais, que podem estar condicionados por factores biológicos. Em que medida estes factores condicionam, por exemplo, a tendência para os seres humanos se organizarem socialmente de forma hierárquica, é um tema ainda em aberto e sujeito a estudo científico, do qual os Marxistas não se podem manter alheios. Ter em atenção este estudos, não implica aceitar formas reaccionárias e conservadoras de, por exemplo, determinismo genético, isto é, que o nosso comportamento social está determinado pelos genes, e portanto não é sujeito a modificação. Mesmo aceitando uma visão redutora do comportamento social, o ser humano pode evoluir biologicamente, e o modo dessa evolução é condicionado pelas relações sociais por si criadas, isto é, e repetindo, há uma interacção complexa entre a transformação social e biológica. Mas a visão que reduz o comportamento social aos genes é necessariamente incompleta. Basta pensar no seguinte: o estudo do Genoma Humano revelou que este possui cerca de 20-25 mil genes, enquanto o cortex cerebral humano, centro da cognição, possui 10 mil milhões de neurónios e cerca de 150 triliões de ligações neuronais. É inconcebível que os genes determinem toda a rede neuronal. Há obviamente uma grande componente ambiental na determinação desta rede e do comportamento humano. Não devemos nem cair no extremo de um determinismo inflexível, nem no extremo oposto, de que uma criança nasce como uma tábua rasa. Há certamente diferenças genéticas entre os seres humanos, responsáveis por variação entre os seus potenciais físicos e intelectuais. Mas são depois as condições ambientais, e muito particularmente as sociais, que permitem o desenvolvimento mais ou menos acentuado desse potencial. Em alguns comportamentos haverá maior influência da componente orgânica, noutros será maior o impacto do social. O homem possui naturalmente potencial para competir e cooperar. São as relações sociais que condicionam que facetas naturais do homem são prevalecentes. 

Além de ser necessário aos comunistas acompanharem a ciência da evolução do homem, para melhor compreenderem em que medida este é objecto da evolução biológica e como esta forma de evolução interage com a evolução socio-cultural, é também necessário compreender em que medida o ser humano é agente de selecção sobre outros organismos, quer através da selecção artificial consciente quer através de formas inadvertidas de selecção. Por exemplo, o uso abusivo de antibióticos, no tratamento de doenças e na criação de animais, tem modificado o meio das bactérias infecciosas ao ponto de estas terem evoluído resistência a grande maioria de antibióticos. Devido às particularidades da genética das bactérias, existem actualmente bactérias resistentes a múltiplos antibióticos, contras as quais a Medicina não nem instrumentos. Isto passados pouco mais de 50 anos desde o uso generalizado de antibióticos. O mesmo sucede no uso de pesticidas na agricultura: muitos insectos e outras pestes evoluíram resistências aos químicos, forçando os agricultores a usarem pesticidas em doses cada vez maiores e com crescente ineficácia, causando com isso danos ambientais. Mesmo entre os peixes, se demonstra como o impacto da pesca industrial tem modificado o modo de crescimento dos peixes. O homem, enquanto agente de evolução, tem assim transformado espécies com grande impacto na nossa economia e saúde. Só um conhecimento da evolução pode permitir um uso mais racional e consciente, por exemplo, de antibioticos e pesticidas, por forma a atenuar a resposta evolutiva de resistência a estes compostos.