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Ana Mesquita: Declaração política Sobre a situação da Cultura

Screenshot 6Não há democracia plena sem Cultura. Na ótica do PCP, a democracia tem quatro vertentes inseparáveis: política, económica, social e cultural, baseando-se, esta última, no efetivo acesso de todos à criação e à fruição da cultura e no apoio e liberdade de produção cultural. No entanto, o caminho trilhado em termos governativos nos últimos anos foi o inverso desta perspetiva. A política de desresponsabilização do Estado, de asfixia financeira, de esvaziamento e de subalternização da Cultura vivida, particularmente, durante o último governo PSD/CDS foi pautada por uma orientação anti-democrática com consequências trágicas. 

O investimento público em Cultura caiu a pique. O tristemente célebre Orçamento do Estado mais baixo de sempre para esta área, no ano de 2015. A barafunda orgânica. Os cortes reconhecidos pelo então Secretário de Estado, Barreto Xavier, nos apoios às artes. Os contínuos atrasos nos concursos e as mudanças de regras a meio do jogo. A excessiva burocracia e falta de flexibilidade e diálogo. A imposição de uma nova língua – o “plataformês” – a quem quer tentar aceder aos apoios. Os programas, festivais, espetáculos que foram cancelados e as companhias que tiveram de fechar portas. A falta de apoio à criação literária. A grave situação nos arquivos. Os problemas laborais que podiam ter sido resolvidos em relação aos bailarinos, nomeadamente da Companhia Nacional de Bailado, e não foram. Os museus, palácios e monumentos 2 nacionais em que, sem a contratação de novos trabalhadores e com a reforma de muitos dos seus quadros, vão perdendo a capacidade de “passagem do testemunho” e salvaguarda do conhecimento. A tutela do Património Cultural enfraquecida e esvaziada de meios humanos e materiais, com evidentes dificuldades de intervenção no terreno. O património que se foi degradando, fruto da incúria de décadas, e ficou ao abandono ou, pior ainda, foi vendido a pataco. O desemprego. E o flagelo da precariedade. Sim, senhoras e senhores deputados, temos de falar forçosamente da situação ultraprecária das gentes da cultura, numa realidade em que o fenómeno dos recibos verdes grassa e em que o direito ao futuro se encontra severamente ameaçado. Cultura é trabalho. E trabalho tem de ser trabalho com direitos. É preciso dar resposta aos problemas socio-laborais que afetam todos os que trabalham em Cultura. É preciso valorizar o trabalho na cultura pela implementação de políticas que eliminem a precariedade nas relações de trabalho e que promovam a participação dos trabalhadores na definição das políticas que lhes digam respeito. Só nos últimos 15 dias, pelo menos três estruturas sindicais representativas de trabalhadores da área da Cultura vieram a público reivindicar melhores condições laborais e mais investimento no sector. Esta é uma questão real, sentida por muita gente e, desde já, saudamos a luta contra esta autêntica “travessia do deserto” dos últimos 4 anos em todos os campos da vida, que afetou desastrosamente também a Cultura. O cenário é negro e o filme podia continuar. Mas é preciso que pare. É urgente virar o disco e mudar a música. É forçoso dar um sinal de que a política para a Cultura vai mudar pois foi essa a vontade dos portugueses manifestada no último ato eleitoral, que conduziu a uma nova correlação de forças na Assembleia da República. As esferas da Cultura constituem e têm de constituir grandes questões sociais e nacionais. Há todo um atraso neste campo que é preciso superar, sendo necessário gizar uma atuação política que acabe com o subfinanciamento crónico das atividades culturais; que invista nos apoios centrais à democratização da cultura; que combata a burocratização das estruturas e dos procedimentos; que rejeite a mercantilização da cultura, a mercadorização dos bens culturais, a elitização e a privatização; que olhe para a cultura de forma estratégica, cuidando das conexões e sinergias entre ministérios e serviços que lidam com essas esferas da cultura. Senhoras e Senhores Deputados,É preciso desfazer de vez o mito da “subsidiodependência”, este palavrão sempre catapultado nas alturas de discussão da necessidade de maior apoio à Cultura, e ir ao cerne da questão: investir na Cultura é plantar uma semente de futuro. É dar cumprimento à demanda consagrada na Constituição da República Portuguesa que determina caber ao Estado a democratização da cultura, incentivando e assegurando o acesso de todos os cidadãos à fruição e criação cultural. O que temos de falar é de Serviço Público de Cultura. O que fazer para o estruturar e para que constitua um instrumento de transformação, emancipação e liberdade. Há que refletir e avançar com uma estratégia coerente que garanta o acesso generalizado à experiência da criação e fruição cultural e artística em todo o território nacional, dando especial relevância à vertente do acesso às formas, meios e instrumentos de criação. Para isto é fundamental passar do paradigma caduco do Secretário sem Secretaria ou do “Ministério-de-tudo-e-mais-alguma-coisa-só para-dizer-que-existe” para o do Ministério verdadeiramente digno desse nome, ou seja, dotado dos devidos meios orçamentais, técnicos, políticos e humanos, que almeje de facto dar cumprimento à norma constitucional de democratização da cultura. São cada vez mais as vozes que se levantam em protesto contra a política que foi seguida, nomeadamente por PSD e CDS, vozes que se organizam para defender a Cultura batalhando, entre outras coisas, para que se coloque em cima da mesa a discussão da meta de 1% para a Cultura. Temos de falar nela e de começar a dar passos nessa direção. Esta não é uma ideia que vem do espaço sideral, vem de uma recomendação da UNESCO para países com um índice de desenvolvimento semelhante ao de Portugal e constitui o limiar mínimo de dignidade para o desenvolvimento da arte e da cultura. Enquanto ficarmos abaixo desta meta, estaremos sempre a correr atrás do prejuízo. O preço que pagamos pela destruição causada pelo desinvestimento sistemático na Cultura é tremendamente elevado. A austeridade na cultura não só destrói o que existe, destrói o que fica impedido de existir. Destrói o imenso potencial transformador, inovador e criador da cultura, sem o qual não há desenvolvimento nem progresso democrático. Está na hora de dar sinais claros de que este rumo vai ser alterado.

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