Contra a Privatização e Destruição da CP: PCP apresenta Projecto-Lei!

Dando corpo aos seus compromissos eleitorais, o PCP apresentou na Assembleia da República um Projecto-Lei que revoga o Decreto com que o Governo, em Junho de 2009, decidiu a separação para privatização do transporte de mercadorias e abriu a porta à privatização das linhas urbanas ferroviárias.(Em Ler Mais, o PL completo).

Projecto de Lei PCP

Revoga o Decreto-Lei n.º 137-A/2009, de 12 de Junho, que «Aprova o regime jurídico aplicável à CP – Comboios de Portugal, E. P. E. e os estatutos da CP»

Exposição de Motivos

O Decreto-Lei n.º 137-A/2009, de 12 de Junho, representa o lançamento de um processo de fragilização sem precedentes do transporte ferroviário enquanto serviço público e da CP enquanto operador público nacional do caminho-de-ferro.

Este diploma coloca de forma evidente uma perspectiva de segmentação e privatização da CP. Em termos imediatos, é decidida no artigo 10.º a cisão do transporte de mercadorias e a criação de uma empresa «CP Carga – Logística e Transportes Ferroviários de Mercadorias, S. A.», facilitando e abrindo caminho à sua privatização. Esta operação insere-se numa estratégia do Governo que, recorde-se, já passou há poucos meses pela alienação da TEX e sua venda à empresa Urbanos.

Mas entretanto o artigo 9.º estabelece mesmo que «podem ser autonomizadas, nos termos da lei, áreas de actividade da CP, E. P. E., de apoio à prestação de serviços de transporte de passageiros urbano e suburbano, regional e inter-regional e de longo curso e de mercadorias, e, no âmbito das respectivas actividades acessórias, designadamente de reparação, manutenção, readaptação ou renovação e construção de material circulante.» É a consagração de uma inaceitável política de desmembramento da CP enquanto empresa.

No entanto, o Governo não se limita a dividir a empresa em unidades de negócio, mas vai ao ponto de admitir que as mesmas podem vir a ser subconcessionadas pela CP a empresas privadas. É a mesma orientação que já foi aplicada nos serviços postais e nos CTT ao longo dos últimos anos, com os desastrosos resultados para as populações que se conhece.

A “contratualização” do serviço público de transporte chega a ser prevista na perspectiva da segmentação regional do país, dividindo o território em várias partes – como se pode constatar da alínea c) do número 3 do artigo 6.º – colocando a possibilidade de atribuição “a la carte” do serviço público de transporte. Adianta-se ainda a perspectiva em que o Governo insiste (prosseguindo a de anteriores Governos PS, PSD e CDS-PP) das “parcerias e acordos” com municípios e outras entidades «para a exploração de serviços de transporte ferroviário, designadamente através da criação de entidades jurídicas autónomas» (artigo 8.º). Estas opções foram levadas à prática na Linha do Tua, também com os resultados que estão à vista.

Cada vez se evidencia com mais clareza o papel indispensável do sector público – e do investimento e financiamento público – para a efectiva concretização de um serviço público de transporte colectivo, digno desse nome. Seja ao nível do direito das populações à mobilidade, seja da defesa do aparelho produtivo nacional, seja da defesa do ambiente e da gestão racional dos recursos energéticos, em suma, de um efectivo desenvolvimento económico e social.

Nesta mesma perspectiva, está em causa também afinal a defesa do emprego com direitos e a sua estabilidade – inclusivamente como factor de promoção de um serviço de qualidade e segurança – e de uma política de transparência democrática ao nível da gestão. No entanto, o decreto-lei em causa aponta para uma linha de flagrante governamentalização, aprovando o total controlo da fiscalização da CP, extinguindo a Comissão de Fiscalização e criando em seu lugar um Conselho Fiscal com três membros, todos nomeados pelo Governo, e afastando para um Conselho Consultivo de reduzida eficácia o representante eleito pelos trabalhadores.

Os resultados da política de entrega do serviço público aos interesses privados estão à vista, em concreto, no negócio da concessão à Fertagus do transporte ferroviário Lisboa/Setúbal: enquanto as populações têm com um serviço muito mais caro, com uma oferta de transporte muito aquém das necessidades e do que seria exigível, com um sistema tarifário que exclui à partida o passe social intermodal – enquanto tudo isto acontece, o Estado Português, apenas nos últimos cinco anos, pagou à Fertagus quarenta e cinco milhões de euros (€45.062.183,00), só de verbas do Orçamento do Estado em indemnizações compensatórias. A isto acresce o pagamento de €102.821.638,00 (mais IVA), que foi autorizado pelo Governo na Resolução do Conselho de Ministros n.º 126/2005, de 8 de Agosto. O Estado está a pagar demais, os utentes estão a pagar demais, e o serviço de transporte que está a ser prestado está muito longe de corresponder às necessidades das populações da Área Metropolitana de Lisboa. Esta situação é absolutamente inaceitável, e exige uma ruptura política nas opções estratégicas deste sector.

O Governo invoca as decisões tomadas ao nível da Comissão Europeia e do Conselho no sentido da “contratualização do serviço público” – o que na prática significa a sua entrega a empresas privadas, sempre a bem da sacrossanta “concorrência livre”. Em relação a isto importa desde logo sublinhar três aspectos.

Em primeiro lugar, as políticas de liberalização da União Europeia fervorosamente seguidas até agora já mostraram os seus resultados para os serviços públicos e o aparelho produtivo do nosso país, nas pescas, na agricultura, na indústria, demonstrando de forma tragicamente clara que não podemos continuar nesse caminho. Em segundo lugar, a aplicação dessas orientações neoliberais não é uma inevitabilidade, como tem sido evidenciado em vários países europeus, que mantiveram os seus operadores públicos numa perspectiva de gestão e exploração das redes ferroviárias de uma forma integrada. E em terceiro lugar, o Governo não pode utilizar como “desculpa” para as suas políticas as orientações europeias que anteriormente aprovou.

Só com essa gestão pública integrada se pode garantir que o sistema ferroviário tenha uma dinâmica consistente, com complementaridades, interfaces adequados e segurança. Só assim o sistema ferroviário poderá desempenhar o seu papel estruturante e estratégico para a economia nacional, para as populações e para o país e contribuir para o desenvolvimento integrado, harmonioso, sustentado e solidário do nosso País, para a correcta gestão dos recursos públicos, para a defesa do emprego e da produção nacional. Com este Decreto-Lei, o Governo faz exactamente o contrário, pelo que entendemos que a Assembleia da República tem o imperativo dever de o revogar.

De resto, verifica-se que o diploma em causa, com todas as implicações que trouxe para o transporte ferroviário enquanto serviço público, e para a CP enquanto operador público nacional do caminho-de-ferro, surgiu num momento que só por si representaria evidentes dificuldades ao nível da sua apreciação e debate.

Tendo sido publicado em Diário da República em Junho, e entrando em vigor em Julho, não só em período de férias para muitos trabalhadores mas desde logo em final de Legislatura na Assembleia da República, este Decreto-Lei não teve por essa razão a necessária oportunidade de ser discutido, apesar de ter sido promovida em devido tempo pelos Deputados do PCP a sua Apreciação Parlamentar. Neste quadro, a revogação do referido diploma exige a aprovação de uma Lei pela Assembleia da República. É esse o propósito desta iniciativa do PCP.

Assim, ao abrigo das disposições legais e regimentais aplicáveis o Grupo Parlamentar do PCP apresenta o seguinte Projecto de Lei:

Artigo 1.º
Objecto

A presente lei revoga a alteração ao estatuto jurídico da empresa CP, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 137-A/2009, de 12 de Junho, e restabelece o regime e estatutos anteriormente vigentes na CP, Empresa Pública.

Artigo 2.º
Norma revogatória

É revogado o Decreto-Lei n.º 137-A/2009, de 12 de Junho, repristinando-se o Decreto-Lei n.º 109/77, de 25 de Março, com a redacção dada pelos Decretos-Leis n.os 406/78, de 15 de Dezembro, 116/92, de 20 de Junho, e 274/98, de 5 de Setembro.

Artigo 3.º
Entrada em vigor

A presente lei entra em vigor no dia seguinte ao da sua publicação.

Assembleia da República, 11 de Novembro de 2009