Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República
Prometido há décadas, o Novo Hospital Oriental de Lisboa continua por concretizar, sem que
isso tenha significado nos últimos anos um investimento significativo nas unidades que está
previsto que venha a substituir. Para além dos problemas mais gerais que afetam o Serviço
Nacional de Saúde, em particular a desvalorização dos profissionais e saúde e das suas
carreiras, as medidas organizativas sucessivamente tomadas em relação às unidades
hospitalares da cidade de Lisboa foram sempre no sentido de concentrar respostas, em regra
com prejuízo para a diferenciação dos cuidados e a capacidade de resposta aos utentes da
cidade mas também de toda a região sul e de todo o país, considerando que alguns deles são
unidade de fim de linha num largo conjunto de especialidades e valências.
Entre outras, já encerraram em Lisboa unidades como os hospitais de Arroios, do Desterro e
Miguel Bombarda, cujos terrenos e edifícios vão sendo apontados à especulação imobiliária
dada a sua localização privilegiada na cidade. Entretanto as sucessivas agregações de
unidades em Centros Hospitalares conduziu à desvalorização de várias outras unidades, como
os hospitais dos Capuchos, Curry Cabral e Pulido Valente. Esses novos conglomerados
hospitalares centralizaram serviços (e não apenas de retaguarda ou suporte, mas também
clínicos) em prejuízo da acessibilidade ou da diferenciação dos cuidados que prestam.
O que se prefigura com a construção do novo Hospital Oriental de Lisboa é que para além de
andar tarde, vai andar mal. Desde logo porque será implantado não em um terreno continuo
mas em três terrenos separados por duas importantes vias rodoviárias, apesar de ter como um
dos seus principais fundamentos a dispersão atual das unidades hospitalares que vai substituir.
Já avançou o processo de construção da infraestrutura através de uma Parceria Público
Privada, solução que se tem revelado, até de acordo com relatórios do Tribunal de Contas, mais
onerosa para o Estado do que o seu investimento direto e que para além disso manterá
limitações a futuras alterações ou alargamentos dos edifícios, que ficam dependentes do
concessionário privado, como se está já a verificar em operações semelhantes em Braga, Vila
Franca de Xira ou Loures.
O (pouco) que se conhece dos projetos a implantar levanta desde já importantes dúvidas e
preocupações. De facto, suscitam-se justas preocupações em relação à preservação das
equipas, dos saberes e da experiência de unidades com um foco determinado numa área em
concreto, como são os casos da Maternidade Alfredo da Costa, do Hospital de Dona Estefânia e
do Hospital de Santa Marta. A amálgama das especialidades num novo hospital, a gestão dos
recursos com critérios meramente economicistas, as conhecidas carências de profissionais e a
pressão para completar falhas do atendimento geral pode ser determinante para a diluição de
um conhecimento acumulado e dedicado a um determinado universo de utentes ou patologias,
com um lastro de muitas décadas e até nalguns casos centenário. A acontecer essa diluição não
só a cidade e a região como o país perderão conhecimento altamente diferenciado.
Decisão extremamente preocupante e ao inverso das necessidades evidenciadas pelas
unidades que se pretende extinguir é a redução do internamento em 700 camas, relativamente
ao total atualmente existente nas várias unidades. De facto, as unidades presentes têm vindo a
defrontar-se com um número de camas insuficiente, fruto de uma política restritiva que
perpassou todo o Serviço Nacional de Saúde nos últimos 30 anos, o que condiciona diversas
atividades, desde a urgência à produção cirúrgica. Se já hoje faltam camas, reduzir ainda num
tão elevado número as vagas de internamento, mesmo tendo em conta eventuais sinergias
decorrentes da concentração das unidades que não podem esquecer a necessária diferenciação
das unidades a encerrar, é condenar o futuro hospital à insuficiência de resposta. De resto
atualmente o Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central já contrata ao privado lugares de
internamento, situação que naturalmente aumentará com mais esta restrição. Uma tal decisão
não pode deixar de ser entendida como uma amputação consciente e deliberada da capacidade
hospitalar pública com o objetivo claro do favorecimento da atividade privada.
Outra questão muito importante em particular para os habitantes da cidade de Lisboa é a
resposta de proximidade que deixa de existir em particular nas zonas mais centrais da cidade. É
que as unidades que agora se pretendem encerrar, sendo de referência regional ou nacional,
não deixam de ser a resposta hospitalar para a população das zonas mais centrais da cidade,
onde existe população envelhecida e nalguns casos igualmente uma forte concentração de
imigrantes, igualmente carenciados de cuidados hospitalares. Para além disso, naquilo que não
for necessário manter como resposta hospitalar, estas unidades reúnem condições para
passarem a ser utilizadas noutros níveis em que a cidade e a região são particularmente
deficitárias, como é o caso das unidades de cuidados continuados ou de cuidados paliativos.
Essa deve ser por isso a primeira opção de aproveitamento para os edifícios que deixem de ter
vocação hospitalar.
Neste sentido, ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais em vigor, solicitamos ao
Governo que, através do Ministério da Saúde que responda às seguintes questões:
1. Em que data se prevê que o Hospital Oriental de Lisboa inicie o seu funcionamento?
2. Qual a população que terá este hospital como unidade de referência?
3. Como justifica o Governo a redução de centenas de camas no novo hospital face às
existentes nas atuais unidades? Como vai suprir a carência de camas?
4. Como irá ser assegurada a continuidade das equipas e das especializações, incluindo
equipas multidisciplinares, que integram as atuais unidades, preservando o seu
conhecimento e diferenciação?
5. Vai ou não o Governo manter em funcionamento uma unidade hospitalar de proximidade no
centro da cidade de Lisboa?
6. Que uso será dado a cada um dos hospitais que venham a ser desativados?
7. Considera o Governo a reutilização dos atuais edifícios hospitalares para outras
necessidades de saúde e sociais em que hoje a resposta é largamente insuficiente?
Palácio de São Bento, 21 de fevereiro de 2023
Deputado(a)s
JOÃO DIAS(PCP)
PAULA SANTOS(PCP)