Maria da Piedade Morgadinho, Estivemos e estamos do lado certo das barricadas

Intervenção de Maria da Piedade Morgadinho

«Estivemos e estamos do lado certo da barricada»
7 Novembro 2007

1.

Estamos hoje aqui reunidos para assinalar os 90 anos da Revolução Socialista de Outubro, o maior acontecimento do século XX, que marcou e influenciou toda a marcha histórica da humanidade a partir de 1917 e cujo alcance continua a fazer-se sentir nos dias em que vivemos.

Pela primeira vez na história – e depois da experiência heróica e exaltante que foi a Comuna de Paris em 1871, então derrotada – o proletariado russo, com o seu partido, o partido bolchevique, dirigido por Lénine, fez triunfar a primeira revolução socialista, tomou o poder e deu-lhe um novo conteúdo de classe, defendeu-o dos ataques das forças contra-revolucionárias internas e externas, manteve-o nas suas mãos e deu inicio à construção de uma sociedade nova, sem exploradores nem explorados – a sociedade socialista.

Hoje, quando muitos procuram fazer esquecer esta data e tudo aquilo que ela significou e significa, e outros a evocam para a denegrir, caluniar e falsificar o seu papel histórico, devemo-nos sentir orgulhosos pelo facto de sermos membros dum Partido – o PCP – que sempre, ao longo da sua história, mesmo nas condições mais difíceis e adversas, não deixou cair no esquecimento a Revolução de Outubro e os seus obreiros. Um partido que nunca deixou de ter presentes na sua luta os ideais que Outubro de 1917 proclamou e que a República dos Sovietes tornou realidade. Um partido que soube retirar dessa experiência única na história, ensinamentos para a nossa luta – passada, presente e, seguramente também, para os combates que nos aguardam no futuro.

E é preciso não esquecer que o nosso Partido, que conta já com 86 anos de existência, foi ele, também, um fruto do Outubro Vermelho de 1917.

2.

A Revolução de Outubro, que operou transformações revolucionárias tão profundas na velha Rússia dos Czares, teve repercussões directas e imediatas em todos os continentes, acelerou o desenvolvimento do processo revolucionário mundial, rasgou para o movimento operário, para muitos povos do mundo, o caminho da luta contra a exploração capitalista, pela libertação do jugo colonial, contra o imperialismo, pelo socialismo e pela paz.

A seguir a 1917 tiveram lugar revoluções e movimentos revolucionários na Alemanha, Hungria, Áustria, Polónia, Roménia, Checoslováquia, Roménia, Bulgária. Um amplo movimento de greves, em muitos casos de carácter insurreccional, alastrou por numerosos países: Itália, França, Grã-Bretanha, Irlanda, Holanda, Dinamarca, Suiça, Luxemburgo, Espanha, Suécia, Noruega, Estados Unidos, Japão, Chile, Cuba, Brasil, Índia, China, Turquia, África do Sul, chegando também a Portugal.

A história mundial não conhecera até então outra revolução que tivesse exercido tão ampla, profunda e diversificada influência na vida e luta dos povos.

É um facto que, nessa época, as revoluções que lhe sucederam e atrás referi, não triunfaram, foram derrotadas e muitas lutas foram brutalmente esmagadas, até de forma sangrenta.

Mas, com elas, a classe operária e os trabalhadores de muitos países capitalistas alcançaram pela primeira vez importantes conquistas, ganharam experiência de organização e de luta, e os povos, em quase todo o mundo, ganharam novas e redobradas forças e confiança para continuarem a lutar.

A constituição da URSS, União das Repúblicas Socialistas Soviéticas; o fortalecimento da corrente revolucionária no seio do movimento operário mundial; a criação dos partidos comunistas e da III Internacional, em 1919 – a Internacional Comunista –; a formação, mais tarde, do sistema socialista mundial e a alteração da correlação de forças a nível mundial, com o enfraquecimento do domínio do imperialismo, contam-se entre os principais resultados políticos da Revolução de Outubro.

3.

Não foi fácil a construção da primeira sociedade socialista para a qual não havia experiência, enquanto o capitalismo levava séculos de existência.

À data da Revolução de Outubro, a Rússia era um país extremamente atrasado, situação que se agravara ainda mais com a sua participação na Primeira Guerra Mundial.

Pouco depois, a recém criada República Soviética teve de enfrentar a contra-revolução interna e externa, a intervenção dos exércitos de 14 países imperialistas, que mergulharam o país numa guerra civil até fins de 1920.

Foi a partir dum país em ruínas onde grassavam a fome, as doenças, a miséria, que o poder dos sovietes se lançou à construção do socialismo.

Mal a URSS acabava de pôr em marcha os seus primeiros planos quinquenais para desenvolver o país e registava extraordinários êxitos (liquidação do desemprego, liquidação do analfabetismo, a instituição do horário das 8 horas de trabalho, criação dos sistemas de saúde, segurança social e educação pioneiros no mundo e pela produção industrial, ocupava já em 1937 o 1.º lugar na Europa e o 2.º no mundo depois dos Estados Unidos) e já Hitler preparava os seus exércitos para se lançar contra a URSS.

A 21 de Julho de 1941 as tropas nazi-hitlerianas invadiram a União Soviética, ocupando parte considerável do seu território. 20 milhões de vidas ceifadas, prejuízos materiais incalculáveis – é a divida da humanidade à URSS, a quem coube o papel fundamental na derrota do fascismo alemão na Segunda Guerra Mundial e na libertação de numerosos países da Europa.

Tudo isto só foi possível porque a URSS tinha um bem inestimável e insubstituível: tinha revolucionários, tinha homens, mulheres, jovens, dispostos a dar a própria vida quer para construir uma sociedade mais justa, quer para defendê-la dos seus inimigos, quer para ir em defesa doutros povos. Além disso, a URSS, o povo soviético, tinham o regime mais avançado e mais justo do mundo, e tinham um partido, o Partido forjado por Lénine, profundamente enraizado nas massas.

Por tudo isto, pelos êxitos alcançados na construção do socialismo, durante mais de 70 anos, a URSS foi uma referência para os povos de todo o mundo.

Por tudo isto, também, durante essas dezenas de anos, os seus inimigos, o imperialismo, todos os países capitalistas, as forças reaccionárias de todo o mundo, conjugaram esforços e não se detiveram para contribuir, e de forma decisiva, para a liquidação da URSS e para a liquidação do socialismo nos outros países da Europa.

4.

Ao assinalarmos o aniversário da Revolução de Outubro, não podemos deixar de destacar o papel determinante que Lénine desempenhou como organizador e dirigente, à frente do partido bolchevique, o assalto decisivo ao poder, o seu papel em todo o processo revolucionário que se seguiu a partir daí, no triunfo da Revolução e na sua defesa, o seu papel como homem de Estado e no lançamento das bases da construção do socialismo.

Ao contrário do que pretendem fazer crer os seus detractores, a Revolução de Outubro não foi nem um «acidente» histórico, provocado por condições especificamente «russas», nem um acontecimento «prematuro», e, muito menos, um acto «voluntarista» de Lénine. Foi, sim, o primeiro exemplo de uma verdadeira solução para a principal contradição da sociedade capitalista (entre o capital e o trabalho) e que na Rússia de 1917 conhecia a sua maior agudização. Solução para a qual Lénine deu um contributo decisivo ao apontar o caminho para a resolver: o caminho da revolução socialista, da tomada do poder pela classe operária, da socialização dos meios de produção, da construção do socialismo.

A Revolução de Outubro foi também a primeira grande prova prática a que foi submetido o marxismo. Tanto no que diz respeito à obra dos seus criadores – Marx e Engels, como também, em relação ao seu desenvolvimento posterior levado a cabo por Lénine.

Em novas condições históricas, e respondendo às exigências colocadas pela luta revolucionária nos inícios do século XX, Lénine desenvolveu criadoramente o marxismo, designadamente em relação a questões tão importantes como:

– a caracterização da nova fase do capitalismo – a fase imperialista;

– o papel dirigente da classe operária e o papel dirigente dum partido autenticamente revolucionário e os seus princípios de organização e funcionamento;

– a questão da unidade e coesão política, ideológica e orgânica do Partido;

– o papel das massas;

– a questão da aliança da classe operária com o campesinato;

– as alianças sociais e as alianças políticas;

– a teoria da revolução;

– a questão do poder como a questão central duma revolução;

– o internacionalismo proletário.

Simultaneamente, Lénine travou uma luta implacável contra os inimigos e falsificadores do marxismo, contra todos os que a pretexto de o rever, modernizar, renovar, no fundo o que pretendiam, como Lénine demonstrou, era «adaptá-lo a outra ideologia esvaziando-o do seu conteúdo revolucionário de classe». Lénine pôs a nu e combateu firmemente todas as concepções e tendências oportunistas e revisionistas não só no seio do seu próprio partido, como noutros partidos, na II Internacional e no movimento operário mundial.

5.

Em relação ao internacionalismo proletário, há que destacar que a Revolução de Outubro elevou a um nível qualitativamente novo a consigna que, em 1848, Marx e Engels lançaram no Manifesto Comunista:
«Proletários de todos os países, uni-vos!»

Lénine no seu trabalho «As tarefas do proletariado na nossa revolução», escrito pouco antes da Revolução de Outubro, diz o seguinte: «O essencial não é proclamar o internacionalismo, é de saber ser, mesmo nos momentos mais difíceis, verdadeiros internacionalistas».

Quando a Revolução de Outubro se viu ameaçada e os revolucionários russos tiveram de enfrentar a contra-revolução interna e externa, uma ampla onda de solidariedade em sua defesa irrompeu por todos os continentes. Do mesmo modo, sempre a luta dos comunistas e de todas as forças revolucionárias em qualquer ponto do globo, esteve ameaçada, contaram com a solidariedade activa e com a ajuda internacionalista da URSS e de todos os países do campo socialista.

A nossa luta, durante os 48 anos de fascismo, a nossa Revolução, conheceram directamente o significado e o valor da solidariedade prestada pela URSS e pelos outros países socialistas.

6.

Hoje, quando estamos a comemorar o 90.º aniversário da Revolução de Outubro, propositadamente não vou referir-me às causas que conduziram à liquidação do socialismo na URSS e nos outros países do Leste, da Europa, à liquidação da própria URSS (aos erros, desvios, traições, papel do imperialismo, da CIA, do Vaticano, etc.).

O nosso Partido fez, sobre esses acontecimentos, análises, discussões, nos seus XIII e XIV Congressos. Haverá ainda muito que examinar, discutir, e o Partido não deixará de o fazer se, e quando, o considerar necessário.

Mas, nós, no PCP, felizmente, não temos o hábito de andar sempre, desculpem-me a expressão, a «lamber as feridas». Temos sim, e faz parte do nosso património, a prática de examinarmos criticamente e discutirmos seja que aspecto for da nossa actividade mas para daí retirarmos ensinamentos que contribuam para melhorar a nossa actividade e desenvolver ainda mais e melhor a nossa luta, sempre com os olhos postos no futuro.

Numa situação tão difícil e complexa como a que vivemos em meados dos anos 80 e na década de 90, do século passado, com a derrota do socialismo, o nosso Partido e a sua direcção não perderam o rumo. Demos combate, com firmeza a concepções oportunistas e actividades fraccionárias que então se desenvolveram no seio do Partido, reforçámos a nossa coesão e unidade, a confiança na justeza da nossa orientação e dos objectivos da nossa luta, da teoria pela qual nos guiamos – o marxismo-leninismo, enfim, reafirmámos e reforçámos a identidade de classe do nosso Partido.

7.

Sem dúvida que as derrotas do socialismo alteraram completamente a correlação de forças a nível mundial a favor do imperialismo, debilitaram, fragilizaram e minaram a unidade do movimento comunista e revolucionário mundial. Desapareceram partidos comunistas. Outros degeneraram, renegaram o seu passado, a sua história, os seus princípios.

Criou-se uma situação com condições favoráveis ao avanço, à escalada do anticomunismo, das concepções revisionistas e reformistas, ao abandono e contestação das questões essenciais do marxismo-leninismo.

Superar esta situação não está a ser fácil, e que o diga o nosso Partido, que não tem poupado esforços e tem tido, está a ter, um papel importantíssimo para contribuir para o relançamento o movimento comunista e revolucionário mundial, para unir e reforçar todas as forças anti-imperialistas; pois como afirmamos na Revolução Política do XVII Congresso: «As relações de amizade, cooperação e solidariedade entre os partidos comunistas, forças com afinidades de história, ideologia e projecto, são indispensáveis para afirmar e relançar os valores e o projecto do socialismo e do comunismo.»

Cada partido comunista é responsável pelas suas opiniões, seus actos e pelas suas posições, pela sua luta, perante a classe operária e o povo do seu país, mas também, se for um partido revolucionário, é responsável perante o movimento operário e as forças revolucionárias mundiais.

Nós, comunistas, no PCP, estamos seguros de que hoje, tal como no passado, ao longo da nossa história, estamos do lado certo da barricada.

Estivemos do lado certo da barricada quando levantámos a nossa voz em defesa da jovem República Soviética;

Estivemos do lado certo da barricada quando, em 1936, estivemos do lado dos comunistas e do povo espanhol e contra as forças reaccionárias e fascistas que mergulharam o país na sangrenta guerra civil; Estivemos do lado certo da barricada quando manifestámos a nossa solidariedade à URSS e ao povo soviético, vítimas da agressão da Alemanha hitleriana na Segunda Guerra Mundial;

Estivemos do lado certo da barricada quando, em 1956, estivemos com os comunistas e o povo da Hungria que defendiam o socialismo da contra-revolução – e os comunistas eram então enforcados nas ruas nos postes da iluminação pública;

Estivemos do lado certo da barricada quando, em 1968, estivemos do lado dos comunistas e do povo da Checoslováquia em luta contra as forças reaccionárias e em defesa do socialismo;

Estivemos do lado certo da barricada quando estivemos do lado dos comunistas e do povo vietnamita vítimas da agressão do imperialismo norte-americano que bombardeava e regava com napalm a população civil, cidades, aldeias, campos, hospitais, escolas;

Estivemos do lado certo da barricada quando estivemos solidários com o povo cubano e protestámos contra o desembarque das tropas norte-americanas na Baía dos Porcos em 1961;

Estivemos do lado certo da barricada quando apoiámos os povos de Angola, Guiné e Moçambique na sua luta de libertação e contra o domínio colonialista português.

Continuamos hoje a estar do lado certo da barricada quando apoiamos a Cuba socialista e as forças revolucionárias que, na Venezuela e em muitos outros países do mundo, lutam contra a exploração, pela sua libertação do domínio imperialista, contra as guerras e pela construção duma sociedade mais justa.

Porque só assim seremos merecedores do nosso passado e da herança que nos legaram as gerações de comunistas que nos precederam.

Seremos merecedores do Partido que Bento Gonçalves, Álvaro Cunhal, Pires Jorge, Francisco Miguel, José Vitoriano, Sérgio Vilarigues e tantos outros que já não estão entre nós e outros que se encontram aqui – Dias Lourenço, Jaime Serra, Joaquim Gomes, Carlos Costa, Ilídio Esteves – ajudaram a construir.

Sabemos muito bem, camaradas, que teríamos um caminho mais fácil na nossa frente, seríamos até elogiados e acarinhados, se renunciássemos à nossa história, à nossa teoria, aos nossos princípios, aos nossos Estatutos, ao nosso Programa, se entrássemos em alianças espúrias. Mas camaradas, seríamos tudo – mas não seríamos comunistas!

A vida tem comprovado que a história não perdoa aqueles que se deixaram atrair e dominar pelo oportunismo, pelo anticomunismo, que cederam à pressão dos nossos inimigos de classe, que traíram os ideais de Outubro.

A melhor homenagem que podemos prestar à Revolução de Outubro e aos revolucionários de 1917, é permanecermos fiéis aos seus ideais, é reforçarmos, no dia-a-dia, o nosso Partido (a sua unidade política, ideológica, orgânica) é alargarmos a nossa influência e a ligação às massas, é continuarmos a luta pelos nossos objectivos e prosseguirmos pelo caminho que Outubro abriu, o caminho que nos conduzirá ao socialismo e ao comunismo!

in Avante, 15 Novembro 2007