FEVEREIRO
A Hora da Luta Aberta
Para aprofundar a análise da Revolução Russa de Fevereiro/Março de 1917,
A acção dos operários prolonga-se por alguns dias, e atinge o ponto alto a 14 Fevereiro, quando 90 000 operários abandonam o trabalho. Em bairros como Viborg e Naiva, os operários saem à rua com canções, slogans e bandeiras revolucionárias. As tentativas de reprimir os operários revelam as fragilidades do poder, como se pode ler num relatório da polícia política sobre as greves e comícios na Fábrica Ijorrski: “Deve assinalar-se que os cossacos e as baixas patentes tiveram uma atitude amistosa em relação aos operários e parece terem reconhecido que as reivindicações dos operários tinham sentido…”.
Na sequência destas jornadas de luta os bolcheviques exortam as massas à luta aberta. Pode-se ler, num panfleto do Comité de Petersburgo: “Depois de 14 de Fevereiro, chegou o momento da luta aberta: Não é possível esperarmos e calarmo-nos mais tempo… Não há outra saída que não seja a luta popular! A classe operária e os democratas não devem esperar, quando o poder tsarista e os capitalistas desejam uma conciliação, mas lutar desde já contra esses abutres para tomar nas suas mãos o destino do país e as questões da paz. A primeira condição de uma paz real deve ser o derrubamento do governo tsarista e a instituição de um Governo Revolucionário Provisório para implantar: 1. A república democrática da Rússia, 2. A aplicação da jornada de trabalho de 8 horas!, 3. A entrega aos camponeses de todas as terras dos latifundiários.
As greves multiplicam-se. A 23 de Fevereiro (8 Março) os bolcheviques aproveitam o Dia Internacional das Operárias para intensificar a agitação e a luta. Inicia-se uma greve geral e multiplicam-se as manifestações, sob as palavras de ordem “Abaixo a Guerra!”, “Abaixo a Fome!” e “Viva a Revolução!”. O número de grevistas ronda os 100.000.
No dia 24 de Fevereiro já estavam em greve mais de 200.000 operários, isto é, metade do proletariado de Petrogrado. No dia 25, a greve em Petrogrado transformou-se numa greve política geral.
O comunicado distribuído pelo Partido Bolchevique no dia 25 de Fevereiro aponta o caminho: “A vida tornou-se impossível. Não há nada para comer. Não há com que vestirmo-nos e aquecermo-nos. Na frente – o sangue, as mutilações, a morte. Fornada após fornada. Comboio após comboio, como rebanhos de gado, os nossos filhos e os nossos irmãos são enviados para o matadouro de homens. Não podemos calar-nos! Entregar os nossos irmão e filhos ao massacre, morrermos nós próprios de frio e de fome e calarmo-nos sem fim é uma cobardia, insensata, criminosa, vil. (…) Chegou o momento da luta aberta. As greves, comícios e manifestações não enfraquecerão a organização, antes a reforçarão. Aproveitai todas as ocasiões, todos os dias convenientes. Sempre e em toda a parte com as massas e com as suas palavras de ordem revolucionárias. (…) Chamai todos à luta. Mais vale morrer uma morte gloriosa, lutando pela causa operária, do que sucumbir na frente para proveito do capital ou definhar devido à fome e ao trabalho esgotante.”
O tsar e o seu governo mandaram intervir a polícia e o exército. Mas estes «pilares» do poder tsarista já estavam podres. A vida dos camponeses e operários fardados das forças do tsar já mal se distinguia da vida do povo. Na manhã de 26 ainda são feitas prisões, mas quando a greve geral política em Petrogrado, em 26 de Fevereiro (11 de Março) de 1917, se transformou em insurreição armada, uma parte importante da guarnição de Petrogrado aderiu a ela. O regimento da Guarda Preobajenski, o regimento Litovski e o regimento Volynski recusaram-se a obedecer aos oficiais que mandavam abrir fogo sobre os revolucionários. Os soldados puseram em debandada os oficiais, saíram para as ruas e juntaram-se aos operários revoltados. O número de soldados revoltados crescia de dia para dia: a 26 Fevereiro eram 600, a 27 eram 66 000 e a 28 eram 127 000.
A aliança entre os operários e os camponeses fardados fez triunfar a revolução. Os edifícios mais importantes da capital tsarista foram ocupados pelos operários armados e pelos soldados revolucionários. A autocracia do tsar, o poder da alta nobreza, caiu sob o ímpeto do assalto revolucionário no dia 27 de Fevereiro (12 de Março) de 1917.
Ainda na noite de 26, o Partido Bolchevique proclama, no Manifesto do POSDR a todos os cidadãos da Rússia: “Cidadãos! Os baluartes do tsarismo russo caíram. A prosperidade da camarilha tsarista, edificada sobre as ossadas do povo, ruiu. A capital está nas mãos do povo insurrecto. Unidades de soldados revolucionários passaram para o lado dos insurrectos. O proletariado revolucionário e o exército revolucionário devem salvar o país da perda definitiva e da ruína que o Governo tsarista preparou.”
A revolução tomou a Rússia. A 28 de Fevereiro a greve geral envolveu Moscovo. Realizam-se manifestações muito participadas, perante a repressão policial, soldados tomam o lado dos insurrectos, e toma-se vários postos chave e liberta-se os presos políticos. Em fins de Março, o poder revolucionário estará estabelecido em todo um imenso território que representa 1/6 da Terra.
Esta vitoria rápida e radical da revolução foi possível, como escreveu Lénine, porque «devido a uma situação histórica extremamente original, se fundiram, com uma “unanimidade” notável, correntes absolutamente diferentes, interesses de classe absolutamente heterogéneos, aspirações políticas e sociais absolutamente opostas. A saber: a conjura dos imperialistas anglo-franceses, que impeliram Milinkov, Gutchkov e Cª a apoderarem-se do poder para continuar a guerra imperialista […]. E por outro lado, um profundo movimento proletário e das massas do povo (todos os sectores pobres da população da cidade e do campo), movimento de carácter revolucionário, pelo pão, a paz e a verdadeira liberdade (V. I. Lénine, Cartas de Longe)
A inquietação apoderou-se da burguesia. Temia que a Revolução, no seu ímpeto, passasse de uma insurreição contra o tsarismo a uma revolução popular contra a exploração e a falta de direitos. Por isso, a burguesia procurou febrilmente, nesses dias, uma saída política. Escolheu o Parlamento para pôr em prática os seus planos. Políticos burgueses formaram, de entre representantes dos partidos burgueses da direita e da oposição liberal («outubristas» e «kadetes»), um comité provisório para o «restabelecimento da ordem em Petrogrado». A burguesia pretendia, com tal órgão, conter o desenvolvimento revolucionário e guiá-lo para vias que não a pusessem em perigo.
Mas a Revolução seguiu o seu caminho. Os operários e soldados criaram, seguindo o exemplo de 1905, os seus próprios órgãos do poder, os conselhos – em russo, Sovietes. Ainda nos dias da insurreição armada constituiu-se na capital o Soviete de deputados operários e soldados. A princípio, foram os representantes dos partidos reformistas pequeno-burgueses, os mencheviques e os socialistas-revolucionários, que nele exerceram a influência decisiva. Dispunham da maioria dos mandatos. Lénine, ao mesmo tempo, ainda estava emigrado na Suíça, e outros dirigentes bolcheviques continuavam deportados na Sibéria. Os mencheviques e socialistas-revolucionários queriam manter a revolução dentro de limites burgueses.
A burguesia faz as últimas tentativas de salvar a monarquia, tentando substituir Nicolau II pelo seu irmão Mikhail. Perante o repúdio das massas, recua para tentar salvar o essencial: os seus privilégios e a continuação da Rússia na guerra imperialista.
Tardará apenas mais dois dias a que a Monarquia dos Románov seja formalmente terminada, e a Rússia se transforme numa República.