Bento Gonçalves

Bento Gonçalves


Francisco Miguel

In "Correio do Planalto", AnoI, nº19, Agosto/75. Extraído da colectânea de textos, editada por "a opinião"

Passam este mês 100 anos sobre a data do nascimento de Bento Gonçalves, Secretário-Geral do PCP entre 1929 e 1942, ano em que faleceu no Campo de Concentração do Tarrafal.

É intenção de "O Militante" dar o devido relevo à vida e obra do grande dirigente operário e comunista que Bento Gonçalves foi. Para assinalar a efeméride publicam-se neste número extractos de um valioso artigo escrito em Agosto de 1975 por Francisco Miguel, também ele um grande obreiro do PCP.

Ao atingir um determinado grau de consciência dos seus interesses de classe e do seu destino histórico, o proletariado e mais exactamente a classe operária de qualquer país forja e tempera, educa e treina a sua vanguarda organizada, o seu partido político de classe. Do Partido da classe operária, destacadamente revolucionário, só fazem parte os trabalhadores mais conscientes, firmes e decididos na luta contra a exploração e opressão capitalistas, os mais capazes de fazer sacrifícios na luta em defesa dos interesses de todos os trabalhadores e do povo, em defesa dos interesses do país justamente compreendidos.

O Partido da classe operária terá de ser dirigido pelos mais capazes dos elementos que o constituem. Ser dirigente dum Partido da classe operária, do Partido da vanguarda do proletariado, não é situação que possa ser confiada a qualquer. Coube a Bento Gonçalves ser eleito e mantido como Secretário Geral do Partido Comunista Português desde 21 de Abril de 1929 até 11 de Setembro de 1942, data da sua morte no Campo de Concentração do Tarrafal.

E foi sob a direcção de Bento Gonçalves que o Partido Comunista Português, fundado em Março de 1921, começou a ser orientado por uma linha verdadeiramente marxista-leninista que assegurou a justeza da sua orientação, lhe permitiu ligar-se às massas e, não só resistir à repressão fascista, mas desenvolver-se e crescer dentro dessas difíceis condições. É sabido que o PCP foi o único Partido que o fascismo não foi capaz de suprimir. E é à justa e firme orientação imprimida ao PCP por Bento Gonçalves que se deve, fundamentalmente, esta grande vitória dos comunistas portugueses que é ao mesmo tempo e principalmente, uma vitória da classe operária portuguesa. Só a classe operária foi capaz de produzir dirigentes revolucionários como Bento Gonçalves, e forjar o único Partido que o fascismo não foi capaz de destruir, não obstante tê-lo sempre como o alvo principal da sua feroz repressão. Bento Gonçalves, nascido no concelho de Montalegre, Trás-os-Montes, com excepcionais dotes de inteligência, foi o operário mais esclarecido e da mais firme têmpera revolucionária do seu tempo e um dos que mais se sacrificou na luta em defesa dos interesses dos trabalhadores e do povo. Bento Gonçalves foi um comunista totalmente entregue à causa da libertação dos trabalhadores.

Bento Gonçalves começou a trabalhar em Lisboa, ainda muito novo, como torneiro de madeira, passando depois a torneiro de metais e foi nessa profissão que deu provas da sua grande capacidade e perícia profissionais.

Como operário do Arsenal da Marinha, ali ganhou a estima e o respeito de todos os seus camaradas de trabalho, pela maneira humana e amiga como sabia viver e conviver com todos os outros companheiros de trabalho. Encabeçando a luta dos operários do Arsenal da Marinha, de cujo sindicato foi o mais activo e mais esclarecido dirigente, Bento Gonçalves impôs-se ao respeito dos próprios dirigentes e directores da empresa. A sua competência profissional era de tal ordem que nunca qualquer engenheiro, por mais conhecedor que fosse, pôde deixar de reconhecer a invulgar competência do operário calmo, modesto que era Bento Gonçalves. Poder-se-á dizer que um dos traços da sua grandeza e da sua alma de revolucionário estava na sua natural e visível modéstia. (…)

No dia 11 de Setembro de 1974, realizou-se no Arsenal da Marinha, hoje do Alfeite, uma sessão de homenagem à memória de Bento Gonçalves, no dia do 32º aniversário da sua morte, e a que assistiram várias centenas de operários arsenalistas e em que falaram dois camarada do CC do PCP, Pedro Soares e Francisco Miguel, ambos companheiros de Bento Gonçalves no Campo de Concentração do Tarrafal.

Bento Gonçalves – recordêmo-lo aqui uma vez mais – faleceu no Tarrafal com uma biliose quando já tinha cumprido toda a pena a que o próprio tribunal fascista o havia condenado. A sua morte foi, por várias razões, um verdadeiro assassinato. Bento Gonçalves foi uma das muitas vítimas das violências e arbitrariedades do regime fascista que nos oprimiu.

Bento Gonçalves era o homem mais simples e comum que podíamos encontrar. Mas esse homem simples, igual a todos os homens simples, era ao mesmo tempo um homem extraordinário no saber porque, além de inteligente e estudioso, era um gigante no seu porte moral, na maneira como sabia, queria e podia dedicar-se em primeiro lugar e acima de tudo à luta pelo bem-estar e felicidade do povo trabalhador. Nos momentos mais difíceis da sua vida de lutador, preso ou em liberdade, Bento Gonçalves pensou sempre mais nos seus camaradas do que em si próprio. E nessa atitude – devo dizê-lo – nem sempre teve a nossa concordância. Nós, os que convivíamos mais de perto com ele, na clandestinidade ou na prisão, entendíamos que ele devia ter mais cuidado consigo próprio, porque nisso também estavam os interesses do Partido e da Revolução.

Vi o camarada Bento Gonçalves pela primeira vez em Moscovo, quando na capital soviética se realizou o VII Congresso da Internacional Comunista. Bento Gonçalves encabeçava a delegação do nosso Partido ao Congresso e eu já lá me encontrava como aluno da Escola Leninista. Foi lá também, e nessa mesma altura, que vi pela primeira vez o nosso camarada Álvaro Cunhal, então Secretário da Federação da Juventude Comunista.

Fui companheiro de Bento Gonçalves no Tarrafal desde o mês de Junho de 1940 até à sua morte. Vi morrer Bento Gonçalves. Estava aos pés da sua cama, na chamada enfermaria, quando aquele nosso querido camarada expirou. Foi um momento que não posso esquecer nem aqui descrever com palavras.

Bento Gonçalves era o homem de que todos os presos podiam ser amigos e a quem os próprios inimigos, carcereiros, eram obrigados a respeitar. A sua grande estatura moral, em situação tão difícil, impunha-se. Vendo em Bento Gonçalves o Secretário Geral do PCP que eles odiavam e temiam, os carcereiros fascistas não podiam apagar nem ignorar a forte personalidade do revolucionário talentoso que era Bento Gonçalves.

Para comunistas ou não comunistas, Bento Gonçalves foi sempre o amigo, o camarada sempre disposto a prestar a sua ajuda a quem dela precisasse.

Prendendo Bento Gonçalves e condenando-o à morte lenta no Tarrafal, o fascismo privou, não só o nosso Partido mas todo o nosso povo, de um dos seus melhores filhos. Qualquer país, ao perder um homem como era Bento Gonçalves, fica mais pobre. O PCP teve em Bento Gonçalves um dos seus principais obreiros. O PCP, a classe operária portuguesa, o proletariado português, têm fundadas razões para estarem orgulhosos de terem tido como um dos seus mais destacados dirigentes esse operário nascido no concelho de Montalegre, Bento António Gonçalves, cujo nome viverá sempre no coração dos comunistas, da classe operária e de todos os trabalhadores conscientes do nosso País.

«O Militante» – N.º 257 – Março/ Abril de 2002