Bento Jesus Caraça – Notas Biográficas

Bento de Jesus Caraça, eminente economista, matemático, estatístico e demógrafo foi uma figura relevante da inteligência portuguesa. Sem nunca esquecer as suas origens populares, assumiu-se plenamente como um cidadão íntegro e um militante antifascista extremamente activo.

Foi um dos fundadores do Movimento da Unidade Nacional Antifascista (MUNAF), que, mais tarde, haveria de dar origens ao Movimento de Unidade Democrática (MUD).

Fundou, juntamente com outros professores, a Gazeta Matemática, em 1940, e, em 1941, a Biblioteca Cosmos, de que foi único director.

No biénio de 1943-44, foi Presidente da Direcção da Sociedade Portuguesa de Matemática e Delegado da Sociedade aos Congressos da Associação Luso-Espanhola para o Progresso das Ciências, de 1942 a 1944 e de 1946 a 1948.

Como universalista que foi, não se cingiu à ciência, abarcando nos seus conhecimentos a arte, a literatura e os problemas centrais da vida do homem, em busca de um saber integral.

Nascido a 18 de Abril de 1901, na Rua dos Fidalgos, em Vila Viçosa, numa modesta dependência do Convento das Chagas, onde se alojavam alguns criados da casa de Bragança, Bento de Jesus Caraça era filho de trabalhadores rurais. Viveu os primeiros cinco anos da sua vida na "herdade da Casa Branca", na freguesia de Montoito, onde aprendeu a ler e escrever com um trabalhador, José Percheiro.

Com as primeiras letras e as primeiras contas, aprendeu também o valor humano da solidariedade.

A extraordinária rapidez com que aprendia, impressionou a esposa de Raul de Albuquerque (de quem o pai de Bento era feitor), que decidiu tomar a seu cargo a educação do jovem, sem suspeitar que estava a lançar as sementes do saber naquele que viria a ser um dos mais notáveis vultos da ciência e da cultura portuguesas.

Tendo concluído com distinção o exame de instrução primária em 1911, em Vila Viçosa, Bento Caraça fez depois o curso liceal nos liceus de Santarém e Pedro Nunes, em Lisboa, ingressando, em 1918, no Instituto Superior do Comércio, nome então dado ao actual Instituto 5uperior de Economia e Gestão.

Ao mesmo tempo, dava explicações para poder custear os seus estudos.

Logo em Novembro de 1919 foi nomeado 2.º assistente do 1.º grupo de cadeiras do ISCEF.

Licenciou-se com altas classificações em 1923, passando a 1.º assistente em Dezembro de 1924. Três anos depois, era nomeado professor extraordinário e professor catedrático da 1.ª cadeira (Matemáticas Superiores, Álgebra Superior, Princípios de Análise Infinitesimal e Geometria Analítica) em Dezembro de 1929.

Um Homem como ele, livre, sem fronteiras, companheiro dos oprimidos, não poderia, porém, viver muito tempo com mordaças num regime opressor e ditatorial.

Por isso, o regime fascista não lhe perdoou a inabalável dedicação à causa da classe operária. Constantemente perseguido, nunca abdicou dos seus ideais. Acabou por ser preso pela PIDE e, posteriormente, demitido do seu lugar de professor catedrático do ISCEF em Outubro de 1946

O fascismo era incompatível com um pensamento livre, humanista e solidário. E, assim, até o Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia (CEMAE), que ajudara a criar e dirigia desde Janeiro de 1938, acabou por ser sumariamente extinto por decisão ministerial.

Comunista militante, Bento de Jesus Caraça, na sua intervenção cívica e cultural, sublinhou a natureza de classe do fascismo, o papel do Estado na consolidação do poder de uma classe – a grande burguesia -, ao mesmo tempo que esteve com as lutas e as causas dos trabalhadores e do Socialismo.

Foi um internacionalista e defensor da paz. Aliou na sua acção a firmeza das convicções políticas e a atitude militante com a capacidade de promover entendimentos. Foi uma pessoa simples, íntegra, que cultivou a lealdade e a coerência entre palavras e actos. Foi matemático de valor, pedagogo e conferencista incansável, apostando na democratização da cultura como processo inseparável da luta pela transformação da sociedade. Teve um papel destacado na acção da Universidade Popular Portuguesa, de que foi presidente durante anos consecutivos, aí contribuindo para elevar a educação dos trabalhadores e sublinhando a importância das organizações sindicais no processo de libertação dos seus membros através da cultura.

Dos breves 47 anos de vida deste grande cientista e lutador português ficou para a nossa história não apenas o exemplo ímpar da dedicação à causa da liberdade e dignidade humanas, mas também uma vasta e diversificada obra, de que apenas destacamos:
   

Sobre a intervenção do princípio da substituição de infinitésimos no estabelecimento de algumas fórmulas de cálculo diferencial (1929); Sobre a aplicação de um grupo de fórmulas de cálculo das probabilidades na teoria dos seguros de vida (1930); Sobre o Espaço de Capitalização (1948); Interpolação e Integração Numérica (1933); Lições de Álgebra e Análise, em 2 volumes (1940); Cálculo Vectorial (1937); Conceitos Fundamentais de Matemática, em 2 volumes ( 1945); A Cultura Integral do Indivíduo, problema central do nosso tempo ( 1941); Galileo Galilei, valor científico e moral da sua obra (1940); A Arte e a Cultura Popular (1936); Rabindranath Tagore (1939); Algumas reflexões sobre a Arte (1943).

Colaborou também nas revistas Técnica, Gazeta da Matemática, Seara Nova, Vértice e Revista de Economia.

Bento de Jesus Caraça foi um eminente cientista que não se isolou na ciência. Antes se empenhou na luta e se embrenhou na realidade de mangas arregaçadas. Era um homem multifacetado, corajoso, lutador fiel aos seus princípios, solidário, para além do seu tempo.

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Estas notas biográficas foram extraídas da publicação A Cultura Integral do Indivíduo, editada em 1995 pelo pelouro da Educação da Câmara Municipal de Lisboa, dirigido pelo vereador António Abreu.