A criação da Liga dos Comunistas
Por Maria da Piedade Morgadinho
Membro da Comissão Central de Controlo
"Desde a sua fundação por Marx e Engels, o movimento comunista e operário passou por diferentes fases. Teve períodos de avanço impetuoso, de estagnação e de retrocesso, obteve grandes vitórias da sua unidade e conheceu dramáticos conflitos, divisões e derrotas, dotou-se de estruturas e formas de relacionamento muito diversificadas, consoante as situações objectivas e subjectivas" (1) .
Relendo esta passagem da Resolução Política aprovada no XV Congresso do nosso Partido e a propósito de uma data que passa este ano – o 150º aniversário da criação da Liga dos Comunistas, em 1847 – lembramos o trabalho de Engels "Para a história da Liga dos Comunistas" (2), que refere precisamente esse momento tão importante da história do movimento comunista e operário mundial.
A Liga dos Justos
Escreve Engels: "Da Liga secreta democrática-republicana dos "proscritos" – fundada em Paris, no ano de 1834, por refugiados alemães – separaram-se, em 1836, os elementos mais extremos, na maioria dos casos proletários, e formaram a nova secreta Liga dos Justos". "A nova Liga (…) desenvolveu-se de um modo relativamente rápido. Originariamente, era um alporque alemão do comunismo operário francês (…) que por essa mesma altura se desenvolvia em Paris; a comunidade de bens era exigida como consequência necessária da "igualdade". Os objectivos eram os das sociedades secretas parisienses daquele tempo: meia associação de propaganda, meia conspiração (…)" (3).
Com a ida de operários revolucionários alemães para a Inglaterra, pouco a pouco Londres tornou-se o centro da Liga. Escreve Engels: "Desde que o centro de gravidade se deslocou de Paris para Londres, veio para primeiro plano um novo momento: de alemã a Liga tornava-se gradualmente internacional" (4).
A organização da Liga em Londres passou a chamar-se Associação Cultural Operária Comunista e nos cartões de membro estava escrito o lema: "Todos os homens são irmãos", em pelo menos vinte línguas.
Marx e Engels não aderem
A vida da Liga esteve longe de ser pacífica. No seu seio defrontavam-se diferentes concepções políticas e ideológicas. Marx e Engels, que desde o começo estiveram estreitamente ligados às organizações de operários revolucionários de vários países, acompanharam a sua evolução e não poucas vezes as influenciaram com as suas ideias, tinham conhecimento da existência da Liga dos Justos. Porém, porque as suas concepções eram diferentes e tinham em relação à Liga uma posição crítica aberta, declinaram os convites que lhes haviam sido feitos para entrar para essa organização.
Referindo, a certa altura, as conclusões a que chegara na sua análise da sociedade, as suas concepções sobre as classes e a luta de classes, Engels escreve no artigo que estamos a citar:
"Em Manchester, eu tinha dado com o nariz em que os factos económicos (…) são, pelo menos no mundo moderno, um poder histórico decisivo; em que eles formam a base para o surgimento das oposições de classe hodiernas; em que estas oposições de classes – nos países em que, em virtude da grande indústria, elas se desenvolveram completamente, portanto, nomeadamente, em Inglaterra – são, por sua vez, a base de formação de partidos, das lutas de partidos e, com isso, da história política toda. Marx não só tinha chegado à mesma perspectiva como (…) havia a partir daí generalizado que, em geral, não é a sociedade civil que [condiciona e rege] o Estado, que, por conseguinte, há que explicar a política e a sua história a partir das relações económicas e do seu desenvolvimento, e não inversamente" (5).
A teoria materialista da história
Relatando o seu primeiro encontro com Marx, Engels escreve:
"Quando no Verão de 1844 visitei Marx em Paris, estabeleceu-se a nossa completa concordância em todos os domínios teóricos, e daí data o nosso trabalho comum. Quando, na Primavera de 1845, nos encontrámos de novo em Bruxelas, Marx tinha já desenvolvido, de um modo acabado (…) a sua teoria materialista da história". "Esta descoberta, que revolucionou a ciência histórica – que, como se vê, é essencialmente obra de Marx e de que eu só me posso atribuir uma quota parte muito insignificante -, foi, porém, de importância para o movimento operário desse tempo. Comunismo entre franceses e alemães, cartismo entre ingleses, já não apareciam mais como algo de casual, que igualmente podia não ter existido. Estes movimentos apresentavam-se agora como um movimento da classe oprimida moderna, do proletariado, como formas mais ou menos desenvolvidas da sua luta historicamente necessária contra a classe dominante: a burguesia; como formas da luta de classes, mas diferenciando-se de todas as lutas de classes anteriores apenas por isto: porque a classe oprimida hodierna, o proletariado, não pode realizar a sua emancipação sem emancipar ao mesmo tempo toda a sociedade da separação em classes e, com ela, das lutas de classes. E comunismo nunca mais significou: congeminação, por meio da fantasia, de um ideal de sociedade o mais perfeito possível, mas: compreensão [teórica] da Natureza, das condições e dos objectivos gerais, delas resultantes, da luta conduzida pelo proletariado" (6).
A Liga Internacional dos Comunistas
Marx e Engels, que inicialmente recusaram os convites para entrar para a Liga, à medida que as suas ideias foram sendo conhecidas e consideradas como as mais correctas, ao serem uma vez mais convidados a entrar e a colaborar na sua reorganização, acabaram por decidir-se em inícios de 1847. Com a sua entrada na Liga dos Justos, com o trabalho incansável de ambos, o processo de evolução da organização para o marxismo, tanto no plano teórico como orgânico, acelerou-se consideravelmente e pouco tempo depois, em Junho desse mesmo ano, no Congresso realizado em Londres e em que Engels participou, foi decidido dar à Liga dos Justos o nome de Liga Internacional dos Comunistas. Um segundo Congresso teve lugar em fins de Novembro e princípios de Dezembro de 1847. Eis o que Engels relata no seu artigo "Para a história da Liga dos Comunistas":
"Aqui Marx já estava presente e defendeu em longos debates – o Congresso durou, pelo menos, 10 dias – a nova teoria. Toda a contradição e dúvida foram finalmente resolvidas, os novos princípios foram aprovados por unanimidade e Marx e eu fomos encarregados de elaborar o Manifesto. Isto aconteceu imediatamente a seguir. Poucas semanas antes da revolução de Fevereiro era enviado para Londres para impressão. Desde então, tem dado a volta ao mundo, foi traduzido em quase todas as línguas e ainda hoje serve, nos mais variados países, de guia ao movimento proletário. Para o lugar do antigo lema da Liga: "Todos os homens são irmãos", entrou o novo grito de batalha: "Proletários de todos os países, uni-vos!", que proclamava abertamente o carácter internacional da luta. Dezassete anos mais tarde, este grito de batalha ecoou pelo mundo como o grito de guerra da Associação Internacional dos Trabalhadores e hoje o proletariado combativo de todos os países tem-no inscrito nas suas bandeiras" (7).
Neste II Congresso participaram representantes de organizações da Liga na Alemanha, Suíça, França, Inglaterra, Bélgica e outros países.
Os comunistas da Liga passaram pelo fogo da revolução europeia de 1848 e 1849. Embora se tenha saldado com uma derrota, essa experiência então vivida constituiu uma etapa qualitativamente nova no caminho do movimento comunista e operário e um novo avanço no caminho do marxismo. Marx e Engels analisaram profundamente essa revolução e daí extraíram valiosos ensinamentos que lhes permitiram desenvolver o seu trabalho teórico.
A Liga dos Comunistas cessou a sua actividade em 1852. Em 1864 com a criação da I Internacional iniciava-se a etapa seguinte do movimento comunista internacional e o Manifesto do Partido Comunista prosseguia nos seus objectivos de consciencializar, unir e despertar para a luta milhões de operários do mundo inteiro.
Hoje, passados que são tantos anos, apesar do atribulado percurso do movimento comunista e da grave crise que atravessa actualmente, não é pelo facto de ter decorrido mais de um século sobre o Manifesto que só é possível, como alguns pretendem, encontrar respostas criadoras às novas realidades e aos desafios do nosso tempo abandonando o marxismo-leninismo com a falsa argumentação de que está "ultrapassado" e "envelhecido".
Parafraseando Lénine, não consideramos a doutrina de Marx como qualquer coisa de acabado e intangível, pelo contrário estamos persuadidos de que ela colocou somente as pedras angulares da ciência que devemos fazer progredir em todas as direcções se não nos quisermos atrasar em relação à vida.
- (1) Resolução Política do XV Congresso do PCP, Capítulo I, pág. 17.
- (2) Para a História da Liga dos Comunistas – Tomo III das Obras Escolhidas de Marx e Engels, Edições Avante!, págs. 192 a 212.
- (3) Idem, pág. 193.
- (4) Idem, pág. 197.
- (5) Idem, págs. 198 e 199.
- (6) Idem, pág. 199.
- (7) Idem, pág. 203.
"O Militante" Nº 228 de Maio/Junho de 1997