Clara Zetkin, 1932, Excertos do Discurso na abertura do Parlamento

Nas eleições de 31 de Julho de 1932 o partido nazi obteve a maioria dos votos nas eleições para o Parlamento alemão.

A 30 de Agosto, na abertura da sessão do Parlamento onde os nazis têm já a maioria, cabe a Clara Zetkin, destacada militante antifascista e membro do Partido Comunista Alemão, fazer o discurso de abertura, na qualidade de deputada mais antiga.

O discurso de Clara Zetkin é uma violenta e corajosa denúncia do nazismo, das condições em que ele ascendeu ao poder e dos perigos que comporta

Em 30 de Janeiro de 1933 Hitler é nomeado chanceler do Reich pelo presidente Hindenburg. Em 27 de Fevereiro, culpa os comunistas pelo incêndio do Reichstag. Em Março, o Parlamento vota a favor de plenos poderes para Hitler. O Partido Comunista Alemão entra na clandestinidade. Em Maio são dissolvidos os sindicatos.

A ditadura nazi só foi derrubada após ter arrastado a Alemanha e o mundo para a IIª Guerra mundial.  

Discurso da deputada comunista Clara Zetkin na abertura do Reichstag (Parlamento) Alemão, após a vitória do partido nazi nas eleições de 1932.

«Senhoras e senhores, o Parlamento reúne-se numa situação em que a crise do capitalismo no seu declínio oprime as grandes massas trabalhadoras da Alemanha e lhes inflige os mais terríveis sofrimentos. Os milhões de desempregados, cujos magros abonos lhe fazem (ou não) esmola e não os impedem de morrer de fome, serão reunidos por milhões de outros neste Outono e Inverno (1) . A fome, que é também o destino de todos os que necessitam de ajuda social, agrava-se. Quanto aos trabalhadores que ainda têm um emprego, os baixos salários impedem-nos de renovar a sua força nervosa e muscular usada ao máximo pela racionalização e, com mais razão, de satisfazer a mínima necessidade cultural. A manter-se o desmantelamento das convenções colectivas e dos órgãos de conciliação, os salários de miséria vão baixar ainda mais. Um número crescente de artesãos e de pequenos industriais, de pequenos e médios camponeses, afundam-se no desespero e na ruína. O declínio económico, os cortes sombrios nas despesas culturais reduzem a nada as bases económicas da criação intelectual e cada vez mais retiram aos criadores a possibilidade de recorrer às suas forças e conhecimentos. O incêndio aceso a Oriente (2) , que o Ocidente inflama com todas as suas forças na esperança de que um oceano de chamas devore a União Soviética e a construção do socialismo, poderá provocar na Alemanha um terror abominável, susceptível de eclipsar a obra de morte e de destruição da última guerra mundial.

Hoje, o poder político na Alemanha está nas mãos de um gabinete presidencial (3) , sem o consentimento do parlamento, composto de homens de mão do grande capital monopolista e dos grandes agrários e cujos generais da Reichswehr (4) constituem o elemento motor.

Apesar dos seus poderes discricionários, o gabinete presidencial falhou face a todos os problemas actuais da política interna e da política externa. A sua política interna é marcada, como nas dos governos precedentes, pela prática de decretos-lei, leis infames que decretam a miséria e aumentam a que já existe.

Ao mesmo tempo, este gabinete pisa o direito das massas a lutar contra a miséria. Para o governo, os que precisam de ajuda social e os que a ela têm direito são os grandes agrários endividados, os industriais falidos, os tubarões da finança, os armadores, os especuladores e os traficantes sem escrúpulos. Toda a sua política fiscal, aduaneira e comercial consiste em tirar às largas camadas do povo trabalhador para dar a pequenos grupos de favorecidos, a agravar a crise e a restringir ainda mais o consumo, as importações e exportações.

A política externa está também marcada pelo signo do desprezo pelos interesses dos trabalhadores. Determinada pelos apetites imperialistas, conduz a Alemanha a depender, cada vez mais, das grandes potências (5) do Tratado de Versalhes, apesar das hesitações que a fazem ziguezaguear entre gritos dos militares fanfarrões e as baixezas mais vulgares, e compromete as relações com a União Soviética, o único Estado que, pela sua política de paz sincera e o seu progresso económico, pode oferecer aos trabalhadores alemães um verdadeiro apoio. (…)

A impotência do Parlamento e o todo poderoso gabinete presidencial são a expressão da decadência do liberalismo burguês que acompanha, necessariamente, o desmoronamento do modo de produção capitalista. Esta decadência deve-se, inteiramente, à social-democracia reformista que se coloca, em teoria e na prática, no terreno podre da ordem social burguesa. A política do governo Papen-Schleicher (6) não é mais que a continuação aberta da política do governo Brüning (7) tolerada pelos sociais-democratas, precedida pela política de coligação da social-democracia que lhe tinha aberto a via (8) . A política do «mal menor» (9) confirmou às forças reaccionárias a consciência que têm do seu poder e não tem conseguido, e ainda não consegue, deixar de engendrar o mal de todos os males: habituar as massas à passividade. Pede-se-lhes que renunciem a utilizar a força que dispõem no exterior do parlamento. Desta forma, é o papel do parlamento na luta de classes do proletariado que também é reduzido. Hoje, dentro de certos limites, é possível utilizar o parlamento para a luta dos trabalhadores, mas unicamente se ele se apoiar sobre poderosas acções de massas no exterior dos seus muros. (…)

É certo que não é um voto do parlamento que pode quebrar o poder de um governo que se apoia sobre o exército e sobre todos os outros meios de que dispõe o poder do estado burguês, sobre o terror exercido pelos fascistas, a cobardia do liberalismo burguês e a passividade de uma grande parte do proletariado, os trabalhadores. A queda do governo no parlamento apenas pode dar o sinal para que a massa dos trabalhadores se levante no exterior do parlamento. (…)

Nesta batalha, trata-se antes de mais de abater o fascismo que quer aniquilar, a ferro e sangue, as manifestações da classe dos trabalhadores, sabendo bem, como os nossos inimigos, que a força do proletariado não depende do número de assentos no parlamento mas que está ancorada nas suas organizações políticas, sindicais e culturais. (…)

Mas a demonstração de força do povo trabalhador no exterior do parlamento não deve limitar-se ao derrube de um governo inconstitucional; deve ir para além desse objectivo limitado e preparar-se para derrubar o Estado burguês e o seu fundamento, a economia burguesa. Todas as tentativas de atenuar e de resolver a crise mantendo a economia capitalista só podem agravar o mal. As intervenções do Estado fracassaram, porque não é o Estado burguês que domina a economia mas pelo contrário é a economia que domina o Estado burguês. (…)

A luta das massas trabalhadoras contra a miséria que agora as oprime é ao mesmo tempo uma luta pela sua total libertação. É lutar contra o capitalismo que explora e avilta, pelo socialismo que resgata e liberta. É para este objectivo luminoso que, constantemente, as massas devem voltar o seu olhar sem se deixar perturbar pelas ilusões da democracia libertadora e sem se deixar amedrontar pela brutalidade do capitalismo que procura a sua salvação num novo genocídio universal, nos assassinatos fascistas e na guerra civil. (…)

Na minha qualidade de deputada mais velha e na esperança de que, apesar da minha actual invalidez (10) , tenha ainda a alegria de abrir, na qualidade de mais velha, a primeira sessão do Congresso dos Conselhos da Alemanha soviética, declaro aberta a sessão do Parlamento.»

 (1) Neste período existem mais de seis milhões de desempregados na Alemanha.

 (2) Em Setembro de 1931 as tropas japonesas invadiram a Manchúria. Foi o primeiro passo do imperialismo japonês na conquista da China (1937) e que marcou o início da II Guerra Mundial.

 (3) Com a queda do governo do chanceler Hermann Müller, em Março de 1930, caiu também a grande coligação parlamentar entre o SPD e os liberais católicos. Entre 1930 e 1933, o Presidente da República, Paul von Hindenburg, nomeia sucessivos gabinetes presidenciais que governam através de decretos-lei, sem o consentimento parlamentar.

(4) Depois da derrota da Alemanha na I Grande Guerra foi instaurado um sistema de governo parlamentar democrático, a República Weimar (1919-1932), que instituiu o Reichswehr, um pequeno conjunto de forças armadas com as limitações impostas pelo Tratado de Versalhes (1919), determinado pelas potências europeias que venceram a guerra.

 (5) Os países vencedores da I Grande Guerra, o Império Britânico, a França e os Estados Unidos.

(6) Franz von Papen, político da ala direita do Partido Católico do Centro, foi nomeado chanceler em Junho de 1932, e Kurt von Schleicher, general do exército alemão, era na altura seu Ministro da Defesa. O gabinete presidencial von Papen estava em funções no momento em que Clara Zetkin fala, mas resigna em Dezembro e Schleicher é nomeado chanceler. Foi von Papen que aconselhou o presidente von Hindenburg a nomear Hitler como chanceler, em Janeiro de 1933.

 (7) Heinrich Brüning, chanceler alemão entre 1930 e 1932, constituiu o primeiro gabinete presidencial.

(8) Em 1928, os sociais-democratas, que desde 1924 não participavam no governo, regressam ao poder, no governo do chanceler Hermann Müller (ver nota 4), dito de «grande coligação» porque incluía todos os partidos fiéis à República Weimar.

 (9) Em 1930, após a demissão do chanceler Hermann Müller e das eleições gerais de Setembro, cujo resultado colocou o SPD como partido mais votado seguido do partido nazi. O SPD optou por manter no governo o gabinete Brüning, em vez de Hitler, o que foi designado como a política «do mal menor».

(10) Nesta data, Clara Zetkin tinha 75 anos, estava quase cega e com a saúde bastante debilitada.