Sobre o internacionalismo proletário
Aurélio Santos, Militante Maio/Junho 1992
No longínquo dia 1 de Maio de 1886 o sangue dos operários americanos que se manifestavam pacificamente em defesa dos seus direitos correu pelas ruas de Chicago.
Os seus dirigentes foram executados.
Em 1886 a II Internacional, no seu I Congresso, realizado em Paris, propôs que o dia 1º de Maio passasse a ser o dia da solidariedade dos proletários de todos os países, o dia em que "passariam em revista as suas forças".
E desde 1890 que, em cada 1º de Maio, no mundo inteiro, milhões de trabalhadores saiem à rua para reivindicar e defender os seus direitos, fazendo deste dia a Jornada Internacional dos Trabalhadores.
A solidariedade internacional entre os operários nasceu muito antes dos trágicos acontecimentos de Maio do 1886 em Chicago. Surgiu ao mesmo tempo que o movimento operário, expandiu-se à medida que os operários de diferentes países iam tomando consciência da comunidade de interesses, da necessidade de se entreajudarem na luta contra o inimigo comum.
Muito antes dos acontecimentos de Chicago, Marx e Engels no Manifesto Comunista haviam proclamado já que os operários de todos os países tinham um mesmo inimigo, o capital, e que a arma mais poderosa de que dispunham para o combater era a solidariedade, a unidade revolucionária do proletariado de todos os países. Foi preciso, porém, muito tempo e uma dura experiência para que a palavra de ordem que encerra o Manifesto "Proletários de todos os países, uni-vos!" se tornasse um dos princípios fundamentais das organizações operárias.
No Apelo inaugural da Associação Internacional dos Trabalhadores (I Internacional) Marx escrevia: "A experiência do passado mostrou que todo o desprezo pela aliança fraternal que deve existir entre os operários dos diferentes países e os deve incitar na sua luta para se libertarem, a estender as mãos uns aos outros, é punido pelo fracasso comum de todos os esforços dispersos".
Foi, de facto, a I Internacional que, pela primeira vez na história, associou estreitamente a força organizada da classe operária e o seu internacionalismo e mostrou a necessidade de unir estes dois elementos do movimento operário. Foi no quadro da I Internacional que se desenvolveu e aprofundou o princípio fundamental da actividade revolucionária do proletariado e do seu partido: a unidade numa base de classe, a unidade contra os exploradores. Foi assim que o internacionalismo foi penetrando profundamente no movimento operário e se tornou, simultaneamente, sua característica e parte integrante.
A jornada do 1º de Maio é assim, de certa forma, o símbolo desta transformação, um marco histórico, uma data que traz para primeiro plano o nível de consciência a que chegaram as forças mais avançadas da sociedade moderna.
Sem dúvida que a unidade de acção da classe operária e dos trabalhadores à escala intemacioal se tornou hoje mais complexa.
A tendência histórica para internacionalização da vida económica, da ciência e da técnica, adquiriu um desenvolvimento extraordinário.
Todos, homens e coisas, dependemos cada vez mais uns dos outros, condicionam-se e determinam-se reciproca mente.
Na hora da integração, quando surgem agrupamentos económicos como a CEE, com todas as consequências de order política e ideológica que daí decorrem, os capitalistas dos diferentes países são solidários apesar das contradições que possam existir entre eles. Os monopólio internacionais decuplicaram o seu poderio e apontam cada vez mais para criação de estruturas supranacionais que forneçam um quadro mais conveniente para as actividades das transnacionais. O conflito do Golfo veio comprovar, desfazendo algumas ilusões, que a intervenção militar continua a ser componente essencial da política internacional do imperialismo. E a desintegração da URSS operou uma brutal alteração na correlação de forças à escala mundial, a favor do imperialismo e das forças reaccionárias e de direita.
Muitas interrogações se colocam quanto ao futuro próximo. Está-se numa etapa de convergência mundial dos interesses do capital ou, antes pelo contrário, é previsível um acentuar das contradições imperialistas? Não exigirá a lógica da competição capitalista reordenamentos que poderão ser foco de novos conflitos? Em que medida a derrocada bloco socialista facilita esse processo?.
Na medida em que o avanço do capitalismo mundializa o seu domínio, ganham mais relevo as realidades internacionais.
A expansão das relações das multinacionais exige a interligação dos interesses entre os grupos capitalistas de diferentes países, a aceitação do domínio de uns por outros, a comparticipação minoritária nos lucros como contrapartida.
Em que medida se reflectem estas novas condições na luta dos trabalhadores de todo o mundo?
O internacionalismo proletário, a solidariedade internacional dos trabalhadores, traduz uma realidade objectiva do mundo capitalista: o antagonismo irreconciliável de interesses do proletariado e do capital em cada país e a plena identidade de interesses e objectivos dos trabalhadores de todos os países.
Mas o internacionalismo, hoje, tem de responder às novas questões que os acontecimentos actuais e a experiência histórica colocam e que ultrapassam uma reflexão que procurava dar resposta a um momento histórico diferente. Passou o tempo em que a correlação de forças a nível mundial pesava a favor das forças da paz e do socialismo e era determinada, antes de mais, pelo poderio económico, político e militar dos Estados socialistas. Hoje, em condições totalmente diferentes e particularmente adversas, sobre o movimento operário em geral e dos comunistas em particular recaiem pesadas responsabilidades: eles têm o dever de contribuir eficazmente para alterar uma situação que a história demonstrará, sem dúvida, ser transitória e coordenar todos os esforços que no mundo se desenvolvem no sentido do progresso e da emancipação dos povos.
A classe operária, pela sua função estratégica na sociedade moderna, pela coerência do seu internacionalismo, pela sua experiência histórica e pela sua força organizada, está em condições de ser o promotor e o motor dessa luta.
Como já sublinhava Lénine, a condição económica (o assalariamento) da classe operária não é nacional, mas internacional. As condições da sua libertação são também internacionais.
A classe operária é internacionalista porque não usa o privilégio para si mesma, mas sim o fim dos privilégios de todas as classes.
Esta identificação da classe operária com o internacionalismo resulta da sua própria natureza e combina-se com o seu papel na luta de cada país. Para analisar o factor internacional em qualquer questão, a classe operária tem também de ser verdadeiramente nacional, tem de encabeçar em cada país a luta contra a exploração do capita! nas suas múltiplas formas, tem de integrar nessa luta a bagagem da luta operária internacional. O internacionalismo da classe operária não reduz, antes alarga, a unidade de todos os trabalhadores e a sua ligação às outras forças e sectores progressistas
de cada país.
Estará a classe operária em condições de continuar a desempenhar esse papel? A classe operária continua a estar no centro da época que vivemos. As modificações que se deram na sua própria estrutura, ao invés do que muitos propagandeiam, não lhe retirou e sim reforçou o papel que lhe cabe no curso das transfomacões históricas e de toda a evolução da vida da sociedade.
À classe operária, nas suas novas fronteiras e com as suas novas características, bem como a todos os outros trabalhadores, com a força dos seus movimentos organizados, cabe pois uma especial responsabilidade na articulação, na orientação e no desenvolvimento da luta contra a nova ofensiva geral do capitalismo.
Mas a crise do socialismo e as derrotas sofridas não afectam só o movimento operário. O desmantelamento da URSS foi, para todas as forças progressistas e os trabalhadores cie todo o mundo, mais importante retrocesso da nossa época. As suas consequências atingem todas as forças que têm como objectivo a emancipação dos homens.
Com o desaparecimento do contrapeso do campo socialista crescem a força e arrogância do capital e a sua pressão económica, política e cultural. O confronto com essa pressão e as suas consequências incorporam porém novos sectores na luta pela libertação social e nacional. A par das dificuldades presentes, não podem deixar de se ter em conta esses factores, para o renovamento da luta contra o domínio mundial do capital.
O marxismo-leninismo não tem do initernacionalismo proletário uma visão estreita, sectária. Não considera o internacionalismo proletário como uma solidariedade de classe interna, fechada, excluindo a cooperação do proletariado com outras forças sociais e políticas que lutam contra o imperialismo, os monopólios, a exploração colonial e neocolonial, o progresso social, a democracia, a libertação nacional e social.
O nosso internacionalismo proletário, de comunistas, longe de excluir implica a vontade e o acto de alargar, no plano social e político, todos os movimentos internacionais solidários nas suas aspirações e nos seus objectivos democráticos e progressistas.
O conteúdo do internacionalismo proletário, para nós, é determinado pelo facto de se basear na concepção do mundo e numa política que são as da classe operária revolucionária, política que tem um objectivo bem definido: substituir o capitalismo pelo socialismo. Mas sempre no internacionalismo proletário os objectivos socialistas estiveram associados aos objectivos democráticos.
O intemacionalismo proletário enriqueceu-se consideravelmente nos nossos dias, as suas tarefas alargaram-se, devido precisamente à amplitude e dimensão crescentes das tarefas democráticas.
O conteúdo principal do internacionalismo proletário é, nas condições actuais, procurar a união de todas as forças revolucionárias e de libertação do mundo inteiro. É trabalhar para a criação de uma perspectiva comum e séria dos movimentos dos trabalhadores, em diálogo e convergência com todas as outras força e correntes de opinião que têm igualmente por objectivo a emancipação da humanidade e visando uma cooperação internacional capaz de promover um actividade prática solidária.
Será que, hoje, se toma necessário ainda demonstrar a necessidade e importância da solidariedade dos proletários de todos os países? Não será isso mais do que evidente?
Para responder a esta questão é preciso, antes de mais, ter em conta a gigantesca ofensiva desencadeada pelo imperialismo, pelas forças de direita e reaccionárias de todo o mundo contra o
socialismo, contra o movimento comumista e operário, contra a solidariedade proletária.
Nunca tanta energia, tantos esforços foram dispendidos pelos nossos adversários de classe, nunca tão agressivos ataques e calúnias foram lançado contra o socialismo, contra os ideais do comunismo, na tentativa de deter o avanço dos povos para uma sociedade mais justa e de progresso social. Um dos alvos desta ofensiva são, precisamente, os ideais internacionalistas.
Procura-se persuadir os trabalhadores que o internacionalismo proletário está ultrapassado, já não tem razão de ser, que a sua necessidade deixou de ter sentido.
Difundem-se ou aceitam-se teorias sobre desaparecimento da classe operária, e nessa base preconiza-se o apagamento da natureza de classe das organizações dos trabalhadores e a substituição da sua luta por concertações de topo que afastam os trabalhadores de uma participação directa na defesa dos seus direitos e interesses. A pretexto da mundialização da economia aponta-se para a transferência de poderes para estruturas supranacionais cada vez mais afastadas das suas bases de representação. Com a difusão da "cultura de consumo" capitalista, apoiada na crescente exploração dos países menos desenvolvidos e no agravamento das desigualdades à escala mundial, procura-se dar consistência ao domínio ideológico do capital. Proclamando o "fim do comunismo", a "falência do socialismo", pretende-se matar a esperança de uma alternativa à exploração capitalista.
Hoje, o internacionalismo proletário não pode ser apenas um princípio, uma palavra de ordem. Tem de assentar numa concepção do mundo actualizada, que dê resposta a inúmeros problemas cuja solução não é fácil. É por isso que, respondendo à propaganda inimiga e aos oportunistas dos nossos tempos, é fundamental aprofundar sem demora estes problemas, desenvolver a teoria do internacionalismo proletário na base consequente do marxismo-leninismo.
Para muitas das questões que se colocam pode não ser ainda possível dar resposta. Mas a própria formulação dos problemas é já uma contribuição para a resposta.