A última reunião da Comissão Executiva na clandestinidade
José Vitoriano
Pelas 22 horas do dia 23 de Abril já tinham chegado a minha casa (Rua das Laranjeiras, na Foz Velha – Porto) os outros membros do organismo que dirigia a actividade do Partido no País. Éramos quatro: Octávio Pato, membro do Secretariado e Joaquim Gomes, Fernando Blanqui Teixeira e eu, membros da Comissão Executiva.
Blanqui Teixeira tinha regressado ao País no final de 1973 e a sua participação no organismo possibilitou alguma redistribuição das tarefas.
Octávio Pato, para além da ligação aos outros membros do Secretariado que estavam fora do País, acompanhava a região do Norte e era responsável pelo Avante!, Joaquim Gomes acompanhava Lisboa e Blanqui Teixeira agarrou a região do Sul e eu deixei o Sul mas mantive o trabalho sindical, participava no colectivo do Avante! e acompanhava a tipografia de O Militante.
No dia seguinte, 24 de Abril, começámos a nossa reunião. Não havia falta de assuntos a tratar. Ao mesmo tempo que o Governo de Marcelo Caetano mantinha a sua política repressiva em Portugal e de guerra nas colónias, o descontentamento aumentava por todo o País. As lutas dos trabalhadores eram intensas e localizadas em diferentes zonas e era muito importante conhecê-las bem e resolver algumas questões que elas levantavam. A movimentação política era muito diversa e obrigava a um acompanhamento cuidadoso. O descontentamento alargara-se a outros sectores e atingia também as Forças Armadas, especialmente o Exército.
Já o Avante! desse mês, o último clandestino, publicava um artigo, escrito pelo camarada Octávio Pato, cujo título era: "Aliar à luta antifascista os patriotas das forças armadas".
Há pouco mais de um mês houvera mesmo uma intentona militar, que se iniciara nas Caldas da Rainha mas que não contou com forças vindas de outros lados. Tinha sido mais um insucesso, que se juntou a muitos outros ao longo de muitos anos. Mas, além disso, havia ainda a informação de que uma nova iniciativa devia ter lugar, exactamente, no dia 24 de Abril.
O dia foi correndo, os problemas foram-se discutindo, as decisões necessá-rias foram sendo tomadas. O dia findou e de novo fomos dormir com a ideia de que “ainda não fora desta”.
Recomeçámos, no dia 25 de Abril, a discussão de novas questões. Entretanto, a minha companheira, a camarada Diamantina, saíra para fazer algumas compras e quando voltou disse-nos que a empregada de uma vizinha lhe tinha contado que a filha da vizinha, uma garota de 6 anos, tinha regressado a casa na carrinha que antes a tinha levado para a escola, porque, disse-nos, havia movimentação em Lisboa e também no Porto havia tropas na rua.
Ficámos alertados. Era necessário conhecer o que se passava. Tentou-se, primeiro, através da rádio, mas não se conseguia apanhar nada. No Porto estava tudo mudo, o que também era um sinal de acontecimentos importantes. Mais tarde, finalmente, apanharam-se algumas notícias. Davam a ideia da tomada de diversos pontos importantes em Lisboa, entre os quais a Emissora Nacional.
Ao conhecermos estas informações, foi natural pensar-se que, se as notícias fossem reais, o fascismo estava muito mal. Queria dizer que “desta vez”… tinha sido diferente.
O camarada Octávio Pato saiu para procurar conhecer melhor o que se passava e para tomar algumas medidas.
À noite a televisão já apresentou a Junta de Salvação Nacional, não completa porque faltava um dos representantes da Força Aérea.
O conhecimento que tínhamos dos membros da Junta era reduzido, mas era o suficiente para se ficar com a ideia que havia elementos politicamente positivos mas nem com todos isso sucedia. Era necessário conhecer muitas outras coisas e era, principalmente, indispensável que, cada um de nós, os que ainda estávamos, fosse para os respectivos sectores, para tomar as primeiras medidas ante uma situação nova de que era preciso conhecer bem os contornos. Foi isso o que fizemos.
«O Militante» Nº 240 – Maio / Junho – 1999