25 Anos sobre a Greve Geral de 1982

Primeira no Portugal democrático
Greve geral fez 25 anos

A 15 de Fevereiro de 1982, dia do 51.º aniversário do Avante!, foi publicada e amplamente vendida por todo o País uma edição especial do jornal, que nada tinha a ver com a efeméride. Ao longo de 12 páginas, no grande formato «broadsheet», tudo tinha a ver com a primeira greve geral que o Portugal de Abril conheceu e da qual o jornal dava números, reportagens, crónicas, fotografias, relatos de episódios, uma primeira nota da Comissão Política do PCP e o discurso de Álvaro Cunhal, na véspera, numa assembleia de organização, em Alcochete.

Desde há várias semanas, o Avante! noticiava lutas de trabalhadores em muitos sectores e empresas. Combatiam o tecto salarial, com que o Governo da denominada AD tentava impor graves perdas de poder de compra. Estava em marcha um tortuoso processo de revisão constitucional. Sob pressão das confederações do grande patronato, preparava-se um pacote laboral que acabou por ser remetido à gaveta, para procurar retirar força à movimentação dos trabalhadores. Para a mesma gaveta foi deitada uma muito contestada lei dos despedimentos.

A «Aliança Democrática», depois das eleições de Dezembro de 1979 e da morte de Sá Carneiro, em Dezembro de 1980, juntava no poder PPD/PSD, CDS e PPM, agora com Pinto Balsemão em primeiro-ministro, Freitas do Amaral na Defesa, João Salgueiro nas Finanças, Ângelo Correia na Administração Interna, Basílio Horta na Agricultura, Comércio e Pescas, Marcelo Rebelo de Sousa na secretaria de Estado da Presidência (iria depois para ministro dos Assuntos Parlamentares). Bagão Félix na secretaria de Estado da Segurança Social…

A 15 de Janeiro – informava o Avante!, na edição de dia 21 desse mês – o plenário de sindicatos da CGTP-IN aprovou, por unanimidade e aclamação, no Teatro Aberto, a realização de uma paralisação geral de 24 horas (dobrando a proposta inicial, de 12 horas), no dia 12 de Fevereiro, com três objectivos centrais: a demissão do Governo, a alteração da sua política e a resolução da crise «com os trabalhadores e no respeito pelo 25 de Abril». Nesse número do jornal eram destacadas as grandiosas manifestações pela paz, contra as armas nucleares, realizadas dia 16, em Lisboa e no Porto.

As notícias das lutas são acompanhadas com denúncias do comportamento divisionista, anticomunista e de colaboração com a direita, por parte da UGT, dirigida por Torres Couto, e do PS, chefiado por Mário Soares. À repressão patronal e policial juntam-se inúmeras provocações contra os trabalhadores, os sindicatos e a CGTP-IN, os comunistas e o PCP.
«Boas perspectivas para a jornada de 12 de Fevereiro» eram apresentadas na edição de 28 de Janeiro.

Nos dias 31 de Janeiro e 1 de Fevereiro, reúne em Lisboa o Comité Central do PCP, que expressa todo o apoio do Partido à greve geral. O Avante! publica, a 4 de Fevereiro, os documentos do CC e, além de novas informações sobre lutas de trabalhadores, apresenta um balanço da preparação da greve geral, chave para o sucesso já previsível da jornada. Em Lisboa, por exemplo, tinham ocorrido 154 plenários e, em apenas 85 destes, participaram mais de 11 mil trabalhadores; estavam agendados mais 398 no distrito. O panorama era completado com os distritos do Porto e de Setúbal, Évora. O secretariado da CGTP-IN, entretanto, apresentara o pré-aviso de greve e divulgara um manifesto, sublinhando que «exigir a demissão do Governo é um acto democrático».

Nessa edição, a primeira página do Avante! publica o cartaz da greve geral, que começou nesses dias a surgir nas ruas e, em autocolante, no peito de milhares de trabalhadores: «Por uma nova política, uma só solução, AD fora do Governo».

Na véspera da greve geral, o órgão central do PCP dedica-lhe espaço nobre na primeira página e nas centrais, falando do «poderoso movimento de massas que mobilizou centenas e centenas de milhares de trabalhadores», na preparação da luta, e denunciando «pressões, ameaças e provocações do Governo», que «revelam claramente o pânico das forças reaccionárias ante a poderosa afirmação do descontentamento popular». Em notas à imprensa, o Partido reage às «declarações provocatórias» de Ângelo Correia, na televisão, e ao «miserável aproveitamento que as forças reaccionárias estão a fazer de actos terroristas e encenações provocatórias». Como «delirantes fantasias», são classificadas afirmações de Mário Soares à imprensa espanhola, alegando o envolvimento do PCP num plano de desestabilização da Península Ibérica, que até teria a ajuda de centenas de russos.

As «dimensões de escândalo nacional» assumidas pela forma como os grandes meios de comunicação social, especialmente a RDP e RTP, trataram a greve geral, levaram o Avante! a incluir, na sua edição de 18 de Fevereiro, uma mesa-redonda de duas páginas sobre este tema. Mas o destaque maior foi para a resolução do Comité Central, reunido dia 17, sobre a situação política e as tarefas do Partido após a greve geral. Nessa quinta-feira à noite, no Pavilhão dos Desportos de Lisboa, Álvaro Cunhal daria conta das principais conclusões da reunião.

Na semana seguinte, com realce para a reportagem deste grande comício, eram já anunciadas novas iniciativas, com o secretário-geral e outros dirigentes comunistas, no Porto, Almada, Grândola, Barreiro, Seixal, Montijo, Santarém, Coruche… O plenário nacional de sindicatos da CGTP-IN, confirmando o êxito da greve geral, avançava na preparação da Marcha do Desemprego e afirmava que «a luta continua».

«Leia, sr. Marcelo, leia!»

«O secretário de Estado junto do primeiro-ministro, o sr. Marcelo Rebelo de Sousa, gosta de se apresentar como pessoas perspicaz.

Mas o seu comentário à primeira apreciação da Comissão Política do Comité Central do nosso Partido sobre a greve geral não abona muito tal pretensão.

O secretário de Estado sublinha que a Comissão Política não apresenta números, só diz generalidades, não indica percentagens. Sr. Marcelo, sr. Marcelo, guarde um bocadinho a calma, senão dirá cada dia disparates maiores e corre o risco de nem os seus amigos acreditarem na perspicácia que gostaria de ter.

Nós possuímos informações pormenorizadas da greve geral, enviadas ao longo do dia 12 ao Comité Central pelas organizações do Partido. São milhares de informações de milhares de empresas e sectores em luta, com números e percentagens. Quando afirmamos que a greve geral foi um sucesso e que a maioria esmagadora dos trabalhadores aderiu a ela, é com base sólida que o afirmamos.

Na próxima segunda-feira um número especial do Avante! publicará muitos dos dados concretos acerca da participação na greve em todo o País. O quadro é uma demonstração da participação esmagadora dos trabalhadores na greve geral.

Leia, sr. Marcelo, leia, e, se tem ainda um milímetro de vergonha, faça mea culpa e reconheça que mentiu e caluniou.»

Da intervenção de Álvaro Cunhal, secretário-geral do PCP, em Alcochete, publicada no Avante! de 15 de Fevereiro de 1982

Bofetada depois da carga

«Nos passeios do Largo do Rossio, após a carga policial, falava-se e comentava-se muita coisa que tinha ocorrido antes. Desde a violência sobre cidadãos estrangeiros e jornalistas, passando por outras dezenas de pessoas que ali se encontravam.

Houve até uma mulher que, perante a atitude da polícia de choque (tareia a torto e a direito contra tudo e todos!), rasgava na frente dum política o cartão que trazia na mala, que a identificava como membro de um dos partidos da coligação governamental. Queria dessa forma manifestar-se contra aquilo que via à sua volta: violência contra cidadãos indefesos, violência ordenada e estimulada pelo Governo do PPD e do CDS.

Logo que acabou de rasgar o seu cartão, a mulher foi esbofeteada pelo polícia. Houve muita gente que assistiu à cena. Aconteceu no Rossio, dia 12 de Fevereiro de 1982. É mesmo para reflectir.»

Avante!, 15 de Fevereiro de 1982

Participação esmagadora

«A greve geral teve uma elevadíssima adesão, paralisando o trabalho a maioria esmagadora dos trabalhadores portugueses.

O Comité Central, considerando, entre outros, dados já apurados e referentes a 4550 empresas e unidades de produção e com informações controladas e certificadas, concluiu ter-se verificado:

a) a participação total de cerca de 1 milhão e meio de trabalhadores;

b) uma elevadíssima adesão nos sectores produtivos (com destaque para os metalúrgicos, a indústria naval, têxteis, construção civil e mármores, indústrias alimentares, vidreiras e proletariado rural);

c) a participação elevadíssima nos transportes (95% na CP, 95% na RN, 90% na Carris, 100% no Metro e na Transtejo);

d) uma participação de mais de 70% dos trabalhadores em 80% das empresas apuradas e de 100% dos trabalhadores em 44% das empresas, entre as quais a maioria das grandes empresas;

e) a adesão em massa à greve dos pescadores de Peniche, do distrito de Setúbal e do Algarve;

f) a paralisação praticamente completa das actividades produtivas, transportes e toda a vida económica em numerosas localidades, especialmente do distrito de Setúbal e do Alentejo;

g) participação social muito diversificada (operários, empregados, trabalhadores da Função Pública, professores e outros intelectuais, estudantes e também, numa escala menor, comerciantes);

h) convergência com a greve geral dos trabalhadores de importantes jornadas e manifestações de pequenos e médios agricultores;

i) a grande solidariedade e apoio à greve por parte da população – quase total em numerosas localidades.

Os sectores de menor adesão (embora com a participação corajosa de milhares de trabalhadores) foram a banca e os seguros, onde os trabalhadores não tinham a cobertura do pré-aviso, e os CTT. O Comité Central sublinha a necessidade do aprofundamento do trabalho político, organizativo e sindical nesses sectores.

A greve geral, com a participação massiva com que contou, foi uma prova evidente de que a reclamação da demissão imediata do governo “AD” é hoje uma reclamação central da maioria esmagadora dos trabalhadores e de outras vastas classes e camadas da população.»

Da Resolução do CC do PCP sobre «A situação política e as tarefas do Partido após a Greve Geral», publicada no Avante! de 18 de Fevereiro de 1982

Greves e manifestações

«Muito se tem falado nas formas de luta de massas. Elas são de facto variadas. Mas duas têm sobressaído na luta contra o Governo “AD” pela sua grandiosa expressão: as greves e as manifestações.

Comité Central, na sua reunião de ontem, indicou como “tarefa de primeiro plano” de todas as organizações e militantes organizar, dinamizar e apoiar activamente as lutas de massas, designadamente novas greves e manifestações.

Não sabemos o que a este respeito consideram ou vão considerar as organizações sindicais. A elas cabe decidir.

Mas uma coisa é certa.

No que respeita às manifestações, se se entender que as manifestações correspondem à vontade e a um profundo sentimento e espírito combativo das massas, haverá certamente manifestações e, de certeza, se as houver, o nosso Partido, as nossas organizações, os nossos militantes empenharão as suas energias para as apoiar.

Quanto às greves – direito consagrado na Constituição – elas constituem, como a experiência mostra, uma arma poderosa dos trabalhadores.

É inevitável que as greves vão continuar, quer ou não queiram as forças reaccionárias e o seu Governo; queira ou não queira o perigoso palhaço que ocupa o cadeirão do Ministério da Administração Interna; queira ou não queira a CIP (a confederação do grande patronato) que reclama a urgente revisão da lei da greve; queira ou não queira o PS/M. Soares que, pela boca do dr. Almeida Santos, propõe, neste preciso momento, na comissão da Assembleia da República de Revisão da Constituição, alterações à Constituição que, a serem aprovadas, desde logo significariam graves limitações do direito à greve.»

(…)

«Hoje, na conferência de imprensa do nosso Partido, um jornalista perguntou: “Vai haver novas greves gerais? ”.

Não nos consta que o movimento sindical esteja a considerar, pelo menos de imediato, uma nova greve geral.

Uma greve geral (que seja verdadeiramente geral, como foi a de 12 de Fevereiro) não é jornada que se possa repetir todos os dias.

Mas o que se pode dizer é que:

1.º – Provou-se que os trabalhadores portugueses atingiram um grau de consciência de classe, de consciência política, de organização, de unidade e de combatividade que torna possível que realizem uma gradiosa greve política, como foi a de 12 de Fevereiro.

2.º – Provou-se que uma greve geral, e greve geral política contra o Governo, insere-se nos direitos e liberdades dos cidadãos, é não só legítima, mas inteiramente legal.

3.º –Provou-se que a convocação de uma greve geral com objectivos políticos teve mais capacidade mobilizadora que greves parciais com objectivos económicos imediatos.

Por tudo isso, no desenvolvimento da luta popular nos tempos próximos, não se pode excluir a realização de novas greves gerais.

Falando numa linguagem mais simples: os trabalhadores tomaram o gosto à greve geral e não lhes faltará vontade de repetir, se necessário.»

Da intervenção de Álvaro Cunhal, secretário-geral do PCP, no comício de 18 de Fevereiro, publicada no Avante! de 25 de Fevereiro de 1982

Depoimento de Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP

Um recurso dos trabalhadores

Avante! – Qual o significado que hoje tem, para os comunistas portugueses, assinalar os 25 anos da primeira greve geral realizada desde o 25 de Abril de 1974?

Jerónimo de Sousa: Passados estes 25 anos, com tantas lutas e greves realizadas, incluindo outras greves gerais, julgo ser importante sublinhar três aspectos:
– os objectivos que visava,
– a forma como foi organizada,
– as consequências e os seus resultados.
Valendo-se da sua maioria absoluta, com um PS cúmplice e colaborante, a direita visou golpear direitos fundamentais dos trabalhadores: os salários e a segurança no emprego (a qual já tinha conhecido a primeira ofensiva, com a lei soarista dos contratos a prazo).
Nas empresas, a acção reivindicativa, em particular contra a imposição do tecto salarial, conheceu um poderoso impulso, face à preparação do primeiro projecto de pacote laboral e à proposta de alteração da lei dos despedimentos. Na revisão constitucional, em curso, a Constituição laboral ia ser machadada perante a convergência do Bloco Central.
A luta reivindicativa conheceu, assim, um novo patamar, face à elevação da consciência social e política dos trabalhadores, articulando a luta por melhores salários e pelo emprego com direitos, com a exigência de demissão do Governo e de uma nova política.
A decisão da greve geral surge como resultado da análise da CGTP-IN, já que estavam criadas as condições objectivas e subjectivas para avançar. O envolvimento e a mobilização dos trabalhadores eram decisivos. Dando prioridade às empresas e aos sectores estratégicos, não se descurou milhares de pequenas e médias empresas.
A greve geral deixou de ser só uma decisão da Direcção do movimento sindical, para ser uma decisão e responsabilidade dos próprios trabalhadores.
Os plenários, a constituição de piquetes de greve, a articulação dos sindicatos e delegados sindicais com as comissões de trabalhadores, a aprovação de moções ratificadoras da greve geral foram a base e o nervo do êxito da luta. A forma como se organizou a paralisação em sectores sensíveis, designadamente, da saúde, da energia, da água e dos fornos cimenteiros, vidreiros e siderúrgicos, revelou uma grande inteligência, diria mesmo, uma grande responsabilizada organizada dos trabalhadores.
A sua dimensão e resultados imediatos são conhecidos.
Nos tempos que se seguiram, até hoje, perante os golpes que foram desferidos nos direitos dos trabalhadores, dá a impressão de que só adiámos a ofensiva. Mas nunca saberemos o que não se perdeu. Ou talvez se saiba, pensando, por exemplo, na Constituição laboral, que continua a vigorar…
Passados 25 anos, aí está a ofensiva, com toda a crueza, com objectivos idênticos, mas mais profundos e mais amplos, com uma relação de forças mais desfavorável aos trabalhadores.
Sabemos que é mais fácil decidir do que fazer uma greve geral. Sabemos que a luta não se esgota nesta forma superior, como vai ser demonstrado no próximo dia 2 de Março. Mas, quando se tem presente os problemas, os trabalhadores, os seus anseios, quando as ameaças e os perigos têm esta envergadura, então, o recurso à greve geral deve ser sempre considerado.