25 anos do Maio maior

25 anos do Maio maior

Jerónimo de Sousa

Não se adivinhava a revolução de Abril. Mas nos primeiros meses do ano de 74 e quanto mais se aproximava o Dia Mundial do Trabalhador sentia-se nas fábricas, nos locais de trabalho, nos sindicatos com direcções verdadeiramente representativas, nas colectividades, nas escolas, nas conversas conspirativas que, apesar de proibido, estava em curso a preparação e realização de um grande 1º de Maio nas grandes cidades e locais de concentração operária.

Um grande movimento de massas

Estava em marcha um grande movimento de massas. Desde o final do ano de 73, mais de 100 mil trabalhadores de 200 empresas, 60 mil dos quais recorrendo à greve, desenvolviam processos de luta em torno de reivindicações imediatas.

A escalada da repressão fascista que se abatia sobre quadros do Partido e sindicalistas, o aumento das prisões e torturas e a apertada vigilância da PIDE junto das sedes dos sindicatos e das empresas onde os trabalhadores se destacavam pela sua combatividade e luta, eram reveladores da inquietação dos dirigentes da ditadura fascista e dos danos dos monopólios. Empresas houve, como a CUF, que aquartelaram durante meses uma força da GNR.

Em Março de 74, já o “Avante!” clandestino destacava na primeira página o apelo dirigido “aos trabalhadores, estudantes, intelectuais, soldados, marinheiros, antifascistas, para fazer do 1º de Maio uma jornada de luta contra a carestia de vida. Para fazer do 1º de Maio, também, uma jornada de luta pelas liberdades democráticas contra as guerras coloniais, pela independência nacional e pela paz”.

Entretanto, a Intersindical, constituída em Outubro de 70, desenvolvia uma intensa actividade nos meses de Fevereiro, Março e Abril, apesar do aumento das pressões e vigilância da polícia política. O Sindicato dos Metalúrgicos de Lisboa, em articulação com a Intersindical e outros sindicatos do sector, designadamente do Porto, Braga e Leiria, potenciavam a mobilização para o 1º de Maio através da reivindicação unificadora “de um salário mínimo justo e digno de 6.000$00”, despoletando fortes movimentos reivindicativos em muitas empresas e realizando grandes Assembleias operárias. Os negociadores sindicais (na altura Sérgio Ribeiro e Carlos Carvalhas), sempre em minoria na composição das mesas negociais corporativas, desempenhavam um importante papel na conquista de novos direitos contratuais e na denúncia do Ministério das Corporações face à defesa que faziam dos interesses do patronato. Esta nova consciência das massas sobre a responsabilidade e a natureza do regime fascista comprova-se com o exemplo da realização em Março, na Voz do Operário, de uma Assembleia de Metalúrgicos, em que o comandante do fortíssimo destacamento de polícia, que cercava o edifício e invadiu a sala e o palco, punha como condição: "falem mal dos patrões mas não falem mal do Governo, se não…"

O Sindicato dos Metalúrgicos, na Calçada de Santos, fervilhava de movimento. Activistas e delegados de empresa informavam das lutas, faziam o ponto da situação das negociações. Os jovens dirigentes eleitos que tinham ido substituir a direcção anterior, por demissão e prisão dos seus membros, aprendiam o sindicalismo na acção e na ligação estreita com os trabalhadores. Apreendendo orientações do Partido e do jornal “Avante!”, elaboravam durante a noite pequenas tarjetas a apelar ao 1º de Maio no Rossio e na Cintura Industrial, acrescentando aos objectivos da luta reivindicativa o fim da guerra colonial e do fascismo, pelo direito à greve. Na manhã seguinte, desde Sacavém a Vila Franca de Xira, na zona industrial de Alcântara, da Amadora, Cascais, Oeiras, as tarjetas eram colocadas nos balneários e à porta das empresas e lidas por milhares de trabalhadores.
Soube-se depois de Abril que o governo fascista estava decidido a levar por diante, no dia 30 de Abril, uma vasta operação de detenções e prisões de dirigentes e activistas sindicais para travar e desmobilizar as acções do 1º de Maio de 74.

O maior dos Maios

Não tiveram tempo por causa da revolução de Abril. A adesão imediata do povo e, em particular, dos trabalhadores ao vitorioso movimento revolucionário dos capitães de Abril foi espontânea, mas antecedida e caldeada por muitas lutas.

As explosões de alegria, a ânsia de sorver a liberdade sufocada por quase meio século de ditadura fascista, naqueles primeiros dias depois da revolução de Abril, começaram a direccionar-se em torrente para o 1º de Maio. Os dirigentes da Intersindical e os principais sindicatos estiveram, de véspera, e até às tantas da madrugada, a discutir pormenores do desfile e do comício em Lisboa, sem terem a dimensão do que ia acontecer.

Foi o maior dos Maios. Só possível por causa de Abril. Ali estiveram quase um milhão de portugueses, sem contar com as muitas centenas de milhar que estiveram no Porto, Braga, Aveiro, Coimbra, Covilhã, Marinha Grande, Santarém, Barreiro, Alentejo, Faro, e em centenas de outras cidades e localidades, por todo o País.

O estádio da ex-FNAT ali passou, nesse dia, a ser o Estádio 1º de Maio. A palavra de ordem marcante era “o povo unido jamais será vencido”, mas as exigências eram do fim da guerra colonial, a restauração das liberdades e mais justiça social.

Impressionava ver aquela mole humana sem quase nenhum enquadramento organizado, salvo a novidade de um pequeno e prestável jipe com um cabo e dois soldados da GNR, desfilar harmoniosamente, encher um estádio que não chegou para tanta gente, a transbordar de alegria, civismo e pluralidade convergente.

Na tribuna, os dirigentes sindicais e os principais dirigentes do MDP, do PS e do PCP discursaram, convergindo na importância da aliança Povo-MFA e onde se destacou o papel do Partido Comunista Português na sua luta de resistência contra o fascismo. Momento em que Mário Soares proclamava “a necessidade do governo provisório ser cimentado nos dois partidos das classes trabalhadoras, PCP-PS”, enquanto o camarada Álvaro Cunhal propunha a unidade das massas populares com todos os grupos socialistas, com os católicos progressistas e a aliança do povo com o MFA.

Acima de tudo, foi um momento em que muitas centenas de milhar de mulheres e homens, trabalhadores, se sentiram protagonistas da história e obreiros da liberdade, da justiça social e da democracia, disponíveis para participar nas etapas seguintes do processo mais realizador, audacioso e avançado da nossa história contemporânea.

A uma distância de quase 25 anos, a CGTP-Intersindical Nacional soube sempre ser portadora das aspirações mais fundas e sinceras que animavam aquela gente em Maio, mantendo a autenticidade das comemorações do Dia Mundial do Trabalhador nas suas componentes de festa e de luta.
Assim será, com certeza, no dia 1 de Maio de 1999.

«O Militante» Nº 239 – Março / Abril – 1999