1936 – Ano da «Revolta dos Marinheiros»
Domingos Abrantes
Foi há 70 anos, a 8 de Setembro de 1936, que teve lugar a acção militar contra a ditadura que ficou conhecida, e gravada na memória colectiva da resistência ao fascismo, como a «Revolta dos Marinheiros», a única acção militar contra o fascismo até ao 25 de Abril que foi preparada, decidida e efectuada essencialmente pelas «camadas baixas» das forças armadas, no caso vertente marinheiros (grumetes, 1.ºs marinheiros e cabos).
Acontece ainda que esta acção militar tinha a suportá-la uma organização política específica, a O.R.A. (Organização Revolucionária da Armada), cujos objectivos de luta, pela ideologia e ligações ao PCP, se integravam nos objectivos democráticos gerais das massas populares e dos trabalhadores contra o fascismo, pela liberdade e pela paz.
Na noite de 8 de Setembro de 1936, culminando um intenso trabalho de agitação e manifestações várias de descontentamento contra as arbitrariedades e a repressão fascista, pela defesa de direitos, pela melhoria do rancho, vendo com impaciência o governo a tomar medidas que ameaçavam seriamente a O.R.A., um significativo número de marinheiros, membros da O.R.A. iniciou a acção revolucionária apossando-se dos navios «Dão», «Afonso de Albuquerque» e «Bartolomeu Dias», aliás os navios onde as células da O.R.A. eram mais fortes e mais larga a difusão do seu órgão «O Marinheiro Vermelho», embora pensassem que teriam a adesão de outros navios.
O objectivo era fazerem um ultimato ao governo de Salazar para exigir a satisfação de direitos, o fim das perseguições e a libertação dos presos, tendo ao seu dispor o potencial de fogo próprio dos navios, que entretanto deveriam ser postos a salvo fora da barra.
A revolta, ao fim de algumas horas, foi sufocada. O governo fascista, tendo conhecido antecipadamente o que estava em preparação, teve tempo para tomar as medidas de resposta à revolta (desactivação do potencial de fogo de navios e sabotagem das próprias máquinas, implementação de medidas para os bombardear caso se pusessem em marcha, o que veio a acontecer a partir dos Fortes de Almada e do Alto do Duque, tendo sido fortemente metralhados o «Afonso de Albuquerque» e o «Dão»). Já com a acção começada, os marinheiros revolucionários defrontaram-se com dificuldades técnicas e logísticas que não haviam previsto e pagaram um pesado tributo pela ousadia de terem afrontado a ditadura fascista e mostrarem ao país e ao mundo quanto era falsa a propalada plena adesão do povo ao regime ditatorial: uma dezena de mortos, centenas de presos, limpeza da Marinha de elementos indesejáveis e considerados pouco fiéis ao regime, tal foi o balanço da repressão fascista.
A revolta dos marinheiros de 1936 não triunfou nem podia triunfar, como aliás vieram a reconhecer mais tarde os seus dirigentes. «Analisando posteriormente à luz duma maior capacidade política, desde o início (o movimento) se revelou com poucas probabilidades de êxito. Podemos hoje dizer que foi mais uma explosão de revolta do que acção verdadeiramente revolucionária.» (1)
Mas como muitas vezes aconteceu na luta revolucionária, e certamente assim voltará a acontecer, o que perdura no longo historial dos que ousaram «tomar o céu de assalto», não é o sentido e o amargo da derrota, mas o significado da ousadia, a abnegação, a entrega total à causa da liberdade dos que mais não aspiravam do que servir o povo, e os ensinamentos que se extraem desses acontecimentos para o prosseguimento da luta.
O 8 de Setembro de 1936, passados 70 anos, permanece e permanecerá como uma data memorável na história da luta do povo português contra a ditadura fascista e pela conquista da liberdade.
A revolta dos marinheiros, além do seu carácter de explosão de ódio ao fascismo, «teve o mérito de revelar o descontentamento da marinhagem, parte integrante do nosso povo, que ao fascismo salazarista votava profundo ódio. Desmontou ainda a mentira fascista de que a Marinha estava com o governo, o que, na época e no contexto geral da política de Salazar, abriu uma boa brecha.» (2)
Mas além disso não é possível compreender o verdadeiro significado dos acontecimentos então ocorridos se se desprezam as causas que os determinaram, a situação concreta em que se encontravam os protagonistas, bem como o contexto nacional e internacional em que ocorreram, assim como os problemas que se colocavam à direcção partidária.
Como declarou o camarada Álvaro Cunhal, em Almada, na sessão comemorativa do 60.º aniversário da Revolta dos Marinheiros, para verdadeiramente se compreender o 8 de Setembro de 1936 «é antes de mais indispensável considerar a situação nacional existente no primeiro semestre desse ano», situação marcada pelo processo de consolidação da ditadura de Salazar, de perigosa evolução internacional com os acelerados preparativos da II Guerra Mundial por parte do nazi-fascismo com os quais Salazar se identificava, as orientações do VII Congresso da Internacional Comunista que apontavam «como objectivo central do movimento comunista e de todas as forças democráticas a luta contra o fascismo e a ameaça que faziam pesar sobre o mundo». As vitórias das Frentes Populares em França e Espanha tinham dado grande impulso à luta antifascista.
Foi neste quadro que se criaram «justificadas esperanças de fazer frente com êxito ao fascismo». É tendo em conta a «complexa situação internacional, nacional e partidária (camarada Cunhal referia-se à prisão de todo o Secretariado do Partido, incluindo o Secretário-Geral Bento Gonçalves em Novembro de 1935) que tem de considerar-se a Organização Revolucionária da Armada (O.R.A.)».
O.R.A. – Organização militar do Partido na Armada
A O.R.A. constituiu a organização do Partido mais dinâmica e mais influente nas forças armadas durante a ditadura fascista e o seu aparecimento e desenvolvimento não é separável do reforço do trabalho partidário resultante da reorganização de 1929, iniciada e dirigida por Bento Gonçalves.
A par de todo um trabalho virado para a implantação do Partido nas empresas e nos sindicatos, dum trabalho, portanto, para dar ao Partido uma base verdadeiramente operária, o Partido reinicia o seu trabalho virado para o campesinato, dá os primeiros passos e com sucesso na direcção do trabalho unitário (criação dos grupos de Defesa Académica, da Liga contra a guerra e o fascismo) e alarga a sua influência ao meio estudantil e intelectual, aumenta os seus efectivos com novas adesões e inicia ainda, em 1930, uma linha de trabalho específico virado para as forças armadas.
Foi, entretanto, na Marinha de Guerra onde os resultados deste trabalho, realizado sob a inspiração e direcção directa de Bento Gonçalves, se revelaram mais positivos, dir-se-ia mesmo notáveis para as condições políticas e partidárias da época, ainda que esses êxitos não sejam separáveis das condições específicas da Marinha de Guerra: a composição social e etária dos marinheiros (na sua grande maioria jovens oriundos dos meios operários e do campesinato com algum nível de instrução); o crescimento dos efectivos em consequência da renovação da Marinha de Guerra feita pelo Governo (desde 1926 até 1933 foram adquiridos 18 navios, 14 dos quais já em 1933); o facto das guarnições dos navios se caracterizarem por uma relativa estabilidade por períodos prolongados, o que permitia a convivência e o conhecimento pessoal de cada elemento, factores muito importantes para o desenvolvimento do trabalho de organização; as tendências democráticas muito arreigadas na Armada; e finalmente, e não pouco relevante, o facto do quartel dos marinheiros se situar junto do Arsenal da Marinha, empresa a cuja célula pertenciam os elementos determinantes na reorganização do Partido em 1929.
Os resultados deste trabalho eram de tal forma significativos para a época, que Bento Gonçalves declarava no relatório ao VII Congresso da Internacional Comunista (Julho/Agosto de 1935): «O trabalho no exército – B. G. deveria querer dizer trabalho nas Forças Armadas – é uma das linhas positivas do trabalho do Partido. Cerca de 20% dos efectivos do Partido são constituídos por marinheiros da marinha de guerra. O jornal «O Marinheiro Vermelho», do Partido é distribuído em 1000 exemplares entre os marinheiros. Em média, 700 jornais são integralmente pagos. Para compreender bem o valor destes números é preciso ter em conta que a Marinha de Guerra portuguesa é constituída por um total de 5000 homens.» (3)
Acrescente-se que, se se tiver em conta que por esta altura os efectivos reais do Partido, não contando os muitos que se encontravam já nessa altura nas prisões, se situavam na ordem dos 400 militantes, avaliar-se-á ainda melhor o que representava a O.R.A. no conjunto da organização partidária, além de que ela se continuou a desenvolver, chegando a distribuição de «O Marinheiro Vermelho» a ultrapassar os 1500 exemplares.
«O Marinheiro Vermelho» desempenhou um papel extraordinário como instrumento da organização e de formação ideológica, na popularização das orientações do Partido e da sua luta, na divulgação das realizações do socialismo na URSS, no esclarecimento das causas e dos responsáveis pela preparação de uma nova guerra.
Aliás, os apelos a lutar contra a guerra e o fascismo como questões inseparáveis, ocupavam parte importante das acções de esclarecimento e de formação ideológica levadas a cabo pelo órgão da O.R.A.
Aliando a luta pela defesa dos interesses sócio-profissionais dos marinheiros, contra as arbitrariedades das chefias e a dignificação da condição de marinheiros, ao trabalho de esclarecimento quanto à natureza do fascismo e da sua política, ligando a luta dos marinheiros à luta dos trabalhadores e dos sectores democráticos, ligando-se a organizações operárias, desenvolvendo campanhas de solidariedade para com os presos políticos, a O.R.A. ganhou um grande prestígio e autoridade junto dos marinheiros e das forças democráticas antifascistas como força revolucionária comunista. Na O.R.A. forjaram-se alguns dedicados, combativos e corajosos militantes comunistas, profundamente ligados às massas, como: Manuel Guedes, Fernando Vicente, Oliver Bártolo, Ochemberg, Faria Borda e tantos outros.
Por tudo isto, percebe-se que o fascismo visse com preocupação o alastrar da «hidra comunista» na Marinha, como se percebem as pressões do reviralhismo para envolver a O.R.A. em aventuras putchistas, como se percebe igualmente o duro golpe que representou para a organização partidária a feroz repressão fascista que se abateu sobre a organização comunista, antes e na sequência da derrota da revolta dos marinheiros.
O Partido e a decisão de se avançar
O salazarismo, querendo esconder que as causas mais profundas dos acontecimentos de 8 de Setembro radicavam no descontentamento que existia na marinhagem face ao regime, pôs a correr que os revoltosos tinham como objectivo apoderarem-se dos navios de guerra para se «irem juntar à esquadra marxista espanhola», o que era completamente falso, ainda que o «factor guerra civil de Espanha» tenha sido «o detonador que fez saltar o “barril de pólvora”» (4) mas por razões bem diferentes das invocadas pelos fascistas, tanto mais que a ideia de aplicar um golpe no regime colocou-se antes do começo da guerra civil de Espanha.
O envolvimento de Portugal no apoio aos fascistas espanhóis, era não só inequívoco como era considerado por Salazar um dever, na medida em que em Espanha se travava «uma luta internacional num campo nacional» (5) , uma luta para travar uma doença contagiosa – o comunismo. Mas em Portugal era igualmente inequívoco o apoio das forças democráticas e dos marinheiros à luta dos patriotas espanhóis.
Mas foi a repressão (prisões e expulsões da Armada) exercida sobre 17 marinheiros da guarnição do «Afonso de Albuquerque» que haviam manifestado a sua simpatia e solidariedade às forças patrióticas espanholas, quando Salazar, já iniciada a guerra civil, a pretexto de proteger emigrantes portugueses, enviou para Espanha aquele navio, que fez radicalizar o descontentamento e as preocupações com as crescentes medidas repressivas. Meses antes tinham sido presos mais de 30 marinheiros, incluindo entre eles toda a direcção da O.R.A.
Foi, portanto, num quadro extremamente complexo do ponto de vista político, partidário e mesmo emocional, onde não faltaram pressões ideológicas estranhas ao Partido, que ganhou força o campo dos que consideravam chegada a hora de passar «das palavras à acção».
Embora o objectivo mais geral para a revolta, ou pelo menos o mais comum aos defensores da «aplicação de um golpe ao fascismo», fosse a libertação dos presos, o facto é que se «cruzaram» vários objectivos que se foram alterando em função das circunstâncias.
A direcção do Partido, não partilhando das avaliações dos camaradas da O.R.A., discordou das propostas feitas no sentido de se realizar uma acção militar, facto confirmado por vários dos participantes na decisão de desencadear a revolta.
Nos finais da Primavera de 1936, antes da sua partida para Espanha, o camarada Cunhal, em representação da direcção do Partido, realizou um encontro com os camaradas dirigentes da O.R.A. O testemunho do camarada reveste-se de grande importância para a compreensão do processo, pelo que, ainda que extenso, o utilizamos.
Os dirigentes da O.R.A. «confirmaram o que haviam tratado com outros camaradas da Direcção do Partido, expuseram a situação. No movimento democrático fervilhavam, por influência das vitórias antifascistas em França e Espanha, ideias de um golpe armado para derrubar o fascismo. Os camaradas consideravam estar em condições de desempenhar em tal caso importantíssimo papel tomando conta do “Afonso de Albuquerque” e de outros navios de guerra. Viam por isso com impaciência estar o governo a tomar medidas que ameaçavam a O.R.A.».
E o camarada Cunhal acrescentava que os dirigentes da O.R.A. «encaravam mesmo a possibilidade de, na parada da Marinha de Guerra que costumava realizar-se na baía de Cascais e à qual Salazar e membros do governo assistiam a bordo do “Afonso de Albuquerque”, tomarem conta do navio e prenderem Salazar, os ministros e acompanhantes. Tal operação – concluía o camarada Cunhal – incluída numa revolta de outras unidades militares poderia ser determinante. Mas, sendo isolada, apresentava-se cheia de justificadas dúvidas». (6)
Apesar das objecções da direcção do Partido, a dinâmica criada foi no sentido de se passar à acção. Na iminência de novas medidas repressivas a ideia da «revolta foi ganhando corpo e acaba por ser a solução encontrada para o protesto. E assim, na madrugada de 8 de Setembro de 1936 e após vários dias de reuniões preparatórias, onde as vozes moderadas não encontraram eco, fomos a bordo e começamos a revolta.» (7)
A impaciência revolucionária gerada pela ofensiva repressiva fascista, era bastante ampliada pelas pressões putchistas que se faziam sentir. O nível e os perigos destas pressões podem ser avaliados pelo espaço dedicado pelo «O Marinheiro Vermelho» ao esclarecimento político e ideológico das raízes e consequências do putchismo, tendência que não foi totalmente varrida e «que pesa sobre o movimento revolucionário português». (8) e também sobre a O.R.A., daí os sucessivos apelos aos seus militantes e simpatizantes para não se deixarem arrastar para aventuras putchistas.
Havia mesmo camaradas que reagiam mal às críticas dirigidas ao reviralhismo e seus chefes, apesar das orientações serem no sentido do carácter fundamental da luta de massas, e que só na medida em que se conseguisse destruir a influência putchista nas massas se conseguiria «empreender uma luta séria contra a ditadura». (9)
O desenrolar dos acontecimentos comprovou que a direcção do Partido tinha razão e de quanto é perigoso desencadear acções baseadas apenas na abnegação de um punhado de revolucionários, subestimando a correlação de forças e as condições objectivas para a revolta, avaliando incorrectamente o estado da sua preparação, sem qualquer apoio nos outros ramos das forças armadas.
Os acontecimentos do 8 de Setembro comportaram um importante ensinamento há muito confirmado pela experiência teórica e prática: acções militares isoladas e desinseridas da acção de massas, dispondo o poder da possibilidade de utilizar o essencial das forças armadas e repressivas, estão condenadas ao fracasso.
E no entanto o Partido sempre valorizou a determinação dos jovens marinheiros e o seu desejo de pôr fim à ditadura e ao longo dos anos prestou-lhes a devida e merecida homenagem, não esquecendo que sacrificaram as suas vidas em honra e glória pela causa da liberdade.
Muitos destes revolucionários mantiveram-se até ao fim das suas vidas fiéis ao Partido e aos ideais comunistas. Vários deles, saídos da prisão ainda antes do 25 de Abril, voltaram a ocupar o seu posto de combate.
A revolta dos marinheiros e o Tarrafal
Os acontecimentos do 8 de Setembro tinham vindo perturbar o processo de consolidação do regime fascista e logo ocorreram na Marinha de Guerra, que o regime julgava ter ganho para a sua causa.
Derrotado o 18 de Janeiro de 1934, intensificada a repressão contra os seus opositores, animado pelos avanços do nazi-fascismo no mundo e pelo desencadear do levantamento militar fascista em Espanha (Julho de 1936) contra o governo da Frente Popular, Salazar ter-se-á convencido que finalmente o país se tinha ajoelhado a seus pés.
Refeita da surpresa, a reacção ergueu-se a reclamar mão dura contra a «hidra comunista» e a organização de uma cruzada anticomunista, cruzada incentivada pela imprensa de referência da época. «Outro crime contra o país», bociferava O Século no dia seguinte à revolta, secundado pelo Diário de Notícias, que declarava ter sido cometido um «crime de traição à Pátria», crime tanto maior quanto a Nação havia suportado «com alegria o enorme sacrifício financeiro feito para reorganizar a Marinha», agora com dois navios encalhados e furados pelas bombas lançadas pelos militares «fiéis defensores da ordem e da prosperidade nacional». (10)
Feita a caracterização da rebelião, era preciso agir depressa e com mão dura, pondo o país definitivamente a salvo de novas perturbações, limpando-o dos «maus portugueses», procedendo-se para isso «ao conhecimento de todos os que sejam capazes de trair a Pátria» e «para que a sociedade evite o seu próprio suicídio» (D.N., 9/9/36).
Identificando Pátria e sociedade com o fascismo, apelava-se à «guerra sem tréguas ao comunismo» e à salvação da «Nação do seu pior inimigo» (D. da Manhã, 9/9/36).
As medidas contra os marinheiros revoltosos deram início a uma fase qualitativamente nova na escalada repressiva. As acções contra o regime foram identificadas como sendo contra a Pátria. Os julgamentos foram quase sumários. As penas aplicadas, atingindo em vários casos, 17, 19 e 20 anos de prisão, foram das mais altas aplicadas pelo fascismo. Dos 82 condenados, 48 foram enviados para a Fortaleza de Angra e 34 foram para o Tarrafal no dia seguinte ao julgamento, onde 5 deles viriam a ser assassinados, o que, somado aos 12 mortos no momento da revolta, dá um total de 17 mortos.
A inauguração do Campo de Concentração do Tarrafal, criado por Decreto em Abril de 1936, foi acelerada com a revolta dos marinheiros. Criado com a ideia premeditada de liquidar os presos mais combativos e mais responsáveis e, por isso, destinado a quebrar o espírito de resistência, o Campo do Tarrafal adequava-se muito bem aos revolucionários do 8 de Setembro. Os marinheiros constituíram 1/5 dos seleccionados pelo fascismo para a inauguração do Campo de Concentração do Tarrafal, o qual – e não sem razão – passaria à história como Campo de Morte Lenta, prisão onde centenas de presos antifascistas foram sujeitos à tortura permanente e 32 deles assassinados.
Para assinalar os 70 anos da inauguração do Campo do Tarrafal, O Militante publica neste seu número, uma pequena entrevista com o camarada Sérgio Vilarigues, ex-preso do Tarrafal e que integrou a primeira leva de 150 presos que o fascismo destinou à inauguração do Campo a 29 de Outubro de 1936.
Ao comemorarmos o 70.º aniversário da «Revolta dos Marinheiros», ao prestarmos homenagem «aos que na longa noite do fascismo foram portadores da chama da liberdade e pela liberdade», pensamos no passado e no presente. Olhando para o passado, não esquecemos que foi com o resultado da longa luta de todos aqueles que sacrificaram as suas vidas que hoje podemos viver em liberdade.
Olhando para o presente com os olhos postos no futuro, travamos a nossa luta seguindo os seus exemplos de abnegação e conscientes que a fidelidade àquilo que o seu combate significou nos obriga a tudo fazer, combatendo as políticas de direita para que Abril continue e amanhã como hoje se possa continuar a dizer: Fascismo Nunca Mais!
(1) (2) (7) «A Revolta dos Marinheiros», Faria Borda, Edições Sociais, 1974.
(3) «O PCP e o VII Congresso da Internacional Comunista», Edições «Avante!», 1985.
(4) »Conversa entre marinheiros», Faria Borda, in Revista da Armada, n.º 34, 1974.
(5) Nota oficiosa do Presidente do Conselho (10.09.1936).
(6) Intervenção de Álvaro Cunhal nas comemorações do 60.º aniversário da Revolta.
(8)«O Marinheiro Vermelho», n.º 9, Março de 1935.
(9) «O Marinheiro Vermelho», n.º 8, Janeiro de 1935.
(10) A reorganização da Marinha foi considerada, em nota oficiosa do Presidente do Conselho (10.09.1936), como tendo constituído a primeira grande realização do Estado novo.