CDU sobre a Revisão do PDM em Sintra

Na sequência do encontro da CDU de Sintra em Algueirão – Mem Martins, no dia 15 de Fevereiro, sobre a Revisão do PDM de Sintra, e que contou com mais de 30 participantes, e das intervenções aí realizadas pelo Vereador Baptista Alves, Lino Paulo e Pedro Ventura, a CDU divulga o Documento Base que pode ler em Ler Mais

CDU PROPÕE UMA NOVA POLÍTICA DE CIDADES PARA O CONCELHO DE SINTRA

Avaliação crítica do crescimento urbano em Sintra

O processo de urbanização acelerada em Sintra é um fenómeno que tem a sua expressão máxima na última metade do século XX e resulta da necessidade de acomodação de vastas franjas da população que não encontravam, a preços competitivos, habitação na cidade de Lisboa.

Este processo de concentração humana em núcleos compactos levou à criação daquilo que se designou comummente por “Linha de Sintra”, desenvolvendo uma tendência de crescimento de núcleos urbanos que cresceram ao lado da linha de comboio. Esta tornou-se o veículo principal de transporte de trabalhadores para as áreas industriais da Grande Lisboa.
 
Num período em que o edifício legislativo enquadrador do ordenamento do território apenas ficou completo no final dos anos oitenta, a desestruturação urbanística do concelho constituiu a imagem de marca. As desarticulações, os desajustamentos à prática do Planeamento e o carácter neo-liberal do PDM nos anos 90 comprometeu seriamente o futuro do concelho em termos de sustentabilidade ambiental e qualidade de vida das populações. 

O planeamento em Sintra actuou muitas vezes “à posteriori” ou seja, com funções muito mais correctivas do que programáticas ou então, ao sabor das intenções de investimento, o que traduz uma assumpção do planeamento e gestão do território por parte da iniciativa privada.

O crescimento das grandes áreas urbanas de Sintra fez‑se quase sempre à margem de qualquer sistema coerente de ordenamento do território assim como do seu planeamento urbanístico. A consequente localização de funções e equipamentos esteve sujeita a decisões aleatórias, conjunturais e casuísticas, e não a acções planeadas. Exceptuamos alguns exemplos de planeamento público perfeitamente localizados mas que não constituem a generalidade.

O crescimento urbano foi desde sempre mas em especial nos últimos 25 anos o resultado da soma de milhares de iniciativas privadas que tinham por motivação única (ou principal) a valorização da renda fundiária e que se traduziram em lotear legal ou clandestinamente parte significativa do território.

Por tradição a legislação de solos teve sempre dificuldade em destrinçar o direito de propriedade do direito de uso, nunca se tendo realmente ajustado a conceitos de ordenamento onde se privilegia a função do uso público do solo.

Se no final da década de setenta houve maior pendor da Administração Pública para uma óptica intervencionista na política de solos (a Constituição da Republica apontava mesmo como objectivo a “progressiva municipalização dos solos”), os anos oitenta conduziram a uma política de solos muito mais liberal deixando funcionar o mercado como regulador da oferta e procura dos solos urbanos.

Assim só agora, muito recentemente, o planeamento das cidades pode contar com instrumentos de ordenamento fundamentais, cuja eficácia no actual contexto legal e económico ainda está por comprovar tais como:

– Instrumentos de perequação;
– Contratualização do processo de urbanização
– Urbanização programada
– Direito de preferência
– Reparcelamento
– Expropriação com os objectivos do ordenamento

As diversas maiorias do PS e PSD nos Executivos da Câmara Municipal de Sintra não têm assumido uma política de planeamento e gestão urbanística do concelho, não estabelecendo por isso mesmo qualquer função de programação orçamental. Não investindo no planeamento, levaram conscientemente ao desenvolvimento de projectos de planeamento paralelos que não se cruzam, e que por vezes, mutuamente se anulam. A eficácia em cada nível de planeamento depende também do grau de afectação de recursos que a administração vincule ao plano, e não é este o quadro que regula a prática corrente do urbanismo no concelho de Sintra.

O grande crescimento urbano do concelho de Sintra verificado na última metade do século passado foi feito à margem de um processo de planeamento urbano eficaz. Tal como grande parte da edificação realizada neste período foi feita à margem de um trabalho de concepção técnica responsável. Quase todo o urbanismo aconteceu sem a existência de um verdadeiro projecto urbano, o que, em última análise, representa a expressão de uma ausência de estratégia para uma política de povoamento do concelho de Sintra. Expressões como “nascem como cogumelos” passaram a fazer parte do léxico comum de qualquer munícipe que observe o crescimento dos núcleos urbanos em Sintra.

Diagnóstico do estado urbano do Concelho

As consequências deste tipo de crescimento estão à vista nas cidades em que vivemos:

i. A suburbanidade de origem legal ou clandestina com a formação de bairros ou cidades, com infra-estruturas deficientes, sem equipamentos públicos, sem praças e espaços verdes, sem racionalidade na rede viária, sem estacionamento, tendo como marca a imagens de degradação do ambiente urbano;

ii. A desestruturação da rede urbana, a irracionalidade nas redes de transportes, na localização do emprego, grande desperdício nos consumos de energia e de tempo;

iii. O abandono dos velhos tecidos construídos, desvitalizados e sem os investimentos necessários à sua manutenção;

iv. Expansão urbana fragmentada por via da degradação das áreas construídas centrais e aumento de novas áreas criando contínuos urbanos desqualificados;

v. “Guetização” de minorias étnicas e de grupos sociais.

vi. Cidadãos urbanos não se sentem como tal(desurbanização);
 
A desurbanização caracteriza-se por:

– Gerações de cidadãos cuja infância e vida escolar já foi vivida nos subúrbios e por isso o conceito de urbano é uma fatalidade que não tiveram oportunidade de questionar;

– Segregação social, baixo nível de oferta dos equipamentos urbanos, negação de oportunidade de acesso aos outros bens urbanos (de consumo, de lazer, de cultura);

– Total afastamento e alheamento dos centros de decisão, sendo por isso evidente o peso que as freguesias do Centro Histórico de Sintra têm em relação ás restantes do concelho;

– Centros Urbanos com pouca vitalidade, sem áreas de residência e com populações envelhecidas;

– Áreas urbanas e áreas industriais entrecruzadas, não existindo uma definição clara onde começa uma e termina outra;

– Surgimento de grupos desintegrados de habitantes com ocupações transitórias e trabalho precário;
– Locais onde a exclusão social se afirma como gérmen de grupos de indivíduos que assumem uma postura social de rejeição do mundo externo que interpretam como hostil;

– A segurança como problema individual e não como factor de estabilidade do grupo.

Princípios para uma nova política de cidades no concelho de Sintra

Se as cidades do concelho de Sintra continuassem a crescer com o mesmo ritmo que se registou nos últimos 20 anos, estar‑se‑iam, certamente, a gerar patologias sociais de dimensões imprevisíveis.

A construção civil constitui um suporte do sistema financeiro e por isso um factor de pressão sobre a classe política. Com a diminuição da compra de habitação, em virtude da crise ao nível do modelo do “Crédito Barato”, o processo de construção de casas novas abrandou. Esta é a principal razão por neste mandato do Presidente Fernando Seara não se ter assistido a um aumento da construção. O facto de estarmos num momento em que o crescimento urbano desacelerou constitui a oportunidade, embora tardia de reflexão para inflexão.

As cidades em Sintra foram desenhadas ao sabor das necessidades dos loteadores e em função da rentabilidade da operação financeira.

Esta realidade é tanto ou mais evidente quando observamos que a localização aleatória dos equipamentos, bem como das actividades económicas foram sempre ditadas por critérios que ponderam mais a valia económica das infra-estruturas (sobretudo as de transporte) do que a relação entre o indivíduo produtor e a cidade onde produz.

A qualificação do ambiente urbano passará inevitavelmente pela independência total da decisão de planeamento face aos interesses financeiros, em que os factores de proposta possam ser aqueles que o interesse público das populações dita independentemente do interesse conjuntural do poder económico.

A localização dos investimentos e a sua priorização não pode mais fechar os olhos à definição de uma estratégia de ordenamento do território e à melhor distribuição das actividades humanas. Os desequilíbrios gerados nas áreas urbanas de Sintra obrigam a novas redistribuições do investimento público que dificilmente o poder político assume como opção de ordenamento territorial. Tal tendência, a não ser invertida, transformará algumas áreas em verdadeiros “buracos negros” do crescimento urbano. Veja-se os exemplos que nos têm chegado ao nível da falta de infra-estruturas de saúde e de educação, e que são também extensíveis a outras áreas de forte importância social.

Contudo, cada cidade de Sintra não deve seguir de forma mecânica os modelos adoptados noutros locais e cada freguesia urbana deve entender a resolução dos problemas no conjunto das freguesias que constituem o núcleo urbano de referência.

A autarquia de Sintra tem um património de conhecimento e um potencial de investigação enorme, em resultado dos inúmeros estudos que promoveu, como foi o caso do Plano Verde, Plano Estratégico, Plano Energético, Plano de Águas e Saneamento, Plano de Protecção Florestal, entre outros de menor dimensão. Todos estes instrumentos foram e poderão continuar a ser um laboratório vivo do urbanismo.

O planeamento, o desenho urbano e a arquitectura estão marginalizados da sua função essencial quando ficam acantonados em exercícios formais sem oportunidade para reflectir sobre qual o conteúdo a propor hoje para a cidade. Não se pode confundir o urbanismo como um mero acto administrativo nem o desenho da cidade com processos de mera “cosmética citadina”.

Compete ao Poder Político instituir as regras de funcionamento e estabelecer os critérios da gestão urbanística.

O desenho urbano não é apenas o acto de criação de vias, praças, jardins ou bairros. É também a procura de respostas que os sítios, os bairros e as cidades podem dar aos seus habitantes num futuro onde a escassez dos recursos finitos (ambientais, água, energia, matérias primas, solos urbanos, meios financeiros, etc.) torna cada vez mais exigente o planeamento do seu consumo, e onde o reaproveitamento e reciclagem são indispensáveis a um desenvolvimento sustentável dos estabelecimentos humanos.

Algueirão Mem-Martins, 15 de Fevereiro de 2008.