A Assembleia Municipal de Loures aprovou ontem com as abstenções do PSD e do CH uma recomendação da CDU para a concretização de um programa de comemorações do V Centenário do nascimento de Luís de Camões.
Assinala-se em 2024 o V Centenário do nascimento de Luís de Camões, cuja obra é símbolo de humanismo progressista e é inseparável de um mundo em transformação.
A figura e obra de Camões foram manipuladas pelo fascismo. Camões, «Os Lusíadas», 10 de Junho (a que, abusivamente, chamavam «dia da raça»), foram criminosamente usados para promover o obscurantismo, a manipulação das consciências e a censura, que impunham ao povo português pelos mais diversos meios de controlo ideológico, repressão e terror.
No Portugal de Abril um entendimento bem diferente é devido a Camões e à sua obra. Camões tem uma significativa importância na nossa história cultural. Os trabalhadores, o povo português e os seus artistas, têm o direito e o dever de promoverem e enriquecerem o acesso à sua obra, ao sentido mais avançado que o seu conteúdo incorpora e à ampla avaliação do tempo e do mundo em que Camões viveu.
Como escreveu Óscar Lopes: «Só se pode ver Camões e todas as suas condignas dimensões humanas se colocarmos a sua obra na perspetiva de vários séculos de luta, quer do povo português, quer de muitos outros povos, contra a exploração feudal, capitalista e capitalista-imperialista, luta pela autodeterminação real, inclusivamente económica e cultural, do povo português e de todos os povos que com ele podem hoje livremente dar-se as mãos, num combate que continua, e agora inequivocamente em comum».
Camões e a sua obra são, hoje, património comum da humanidade. Traduzido em várias línguas, representado, estudado e apropriado em diferentes partes do mundo, o poeta continua a ser, atualmente, um nome maior da história da literatura.
Artista de grande dimensão, não protegido pelo poder, marginalizado pelos poderosos e privilegiados do seu tempo, Camões é um poeta do povo e da pátria portuguesa – pelo modo como refletiu um acontecimento histórico, os descobrimentos geográficos, e como desenvolveu e apurou as capacidades da língua portuguesa, tendo sido um criador de palavras e arranjos sintáticos.
Camões é um poeta do Renascimento, de uma época de exaltação das realizações humanas face ao divino e ao obscurantismo, de um mundo em transição, no qual se vai formando um novo pensamento filosófico e científico, ligado à observação da natureza e à experiência, que as forças reacionárias dessa altura, nomeadamente através da Inquisição, procuraram reprimir e conter.
Camões traduz na sua obra um pensamento de tipo dialético – de que é exemplo o soneto «Todo o mundo é composto de mudança / Tomando sempre novas qualidades» – a crítica da injustiça – «Vê que aqueles que devem à pobreza/Amor divino, e ao povo, caridade/ Amam somente mandos e riqueza/ Simulando justiça e integridade/ De feia tirania e de aspereza/Fazem direito e vã severidade;/ Leis em favor do Rei se estabelecem;/As em favor do povo só perecem.» (Lusíadas, Canto IX, estrofe 28) – a par da evidência do período de descoberta e do saber de experiência feito.
Os descobrimentos geográficos são do maior alcance histórico no desenvolvimento do espírito crítico, da experimentação e da procura do novo no conhecimento, nomeadamente no campo da Geografia, Astronomia, das Ciências Naturais, da Cartografia, das técnicas de navegação, ligando ciência e técnica. Um processo que foi, contudo, posteriormente aproveitado pelas classes dominantes para impor a brutal exploração, durante séculos, de outros povos, a escravatura e o tráfico, com as guerras de submissão e de conquista, ao mesmo tempo que submetiam também o povo português ao seu domínio e exploração – «Mas já nas naus os bons trabalhadores/Volvem o cabrestante, e, repartidos/Pelo trabalho, uns puxam pela amarra/ Outros quebram com peito duro a barra» (Lusíadas, Canto IX, estrofe 10).
Nas comemorações do IV Centenário da morte de Luís de Camões, em 1979, Álvaro Cunhal referindo-se ao homem e à sua obra disse: «Camões não é a voz da reação e do colonialismo. Camões é a voz do nosso povo, dos Lusíadas, a voz da insubmissão ante os privilégios, a voz do progresso social e científico, a voz da nação portuguesa, num elevado sentido humanista».
A intervenção e participação do Poder Local Democrático nas comemorações do V Centenário de Camões pode ser um contributo de enorme importância para a participação ativa do nosso povo nestas comemorações e para um maior conhecimento, difusão e fruição da obra do grande poeta.
Assim, com o objetivo de comemorar o V Centenário de Luís de Camões, os eleitos da CDU propõem que a Assembleia Municipal de Loures reunida no dia 19 de Junho de 2024, delibere:
Que a Assembleia Municipal considere promover um programa evocativo que assuma expressões diversas (exposição, assembleia jovem temática, conferência);
Verificando-se que em todo o território do concelho de Loures, em rua, praça ou local de destaque, não há qualquer elemento escultórico relativo ao homem, ao poeta, à obra de Camões, propõe-se que a Câmara Municipal de Loures suprima esta lacuna e num local digno deste território Camões fique presente;
Propõe-se ainda que a Câmara Municipal promova através da sua rede de bibliotecas e museus, exposições, debates, encontros com a obra do poeta Camões.