O PCP quer um Serviço Público de Cultura

Artigo publicado no jornal on-line Observador, ao abrigo do direito de resposta

Foi publicado um artigo de opinião neste jornal que versava sobre o entendimento da deputada municipal de Lisboa que o assina sobre o PCP e as suas propostas para a cultura. Num exercício de ressurreição de velhos clássicos da direita, a senhora deputada não inscrita (eleita inicialmente pelo CDS) desfiou delírios como: o PCP querer “dinheiros públicos para espalhar ideologia e fazer política disfarçada de cultura”; o PCP dizer que “as audiências são desprezíveis e os espectadores são secundários ou incultos”; ou ainda que os trabalhadores da área cultural são “batalhões de activistas profissionais pagos pelo Estado”.

Parece claro que o que perpassa no referido artigo é o medo de uma cultura que emancipe, que questione, que desestabilize certezas, da “cultura como factor de conquista da liberdade”, usando as palavras de Bento de Jesus Caraça.

Nos antípodas dos desvarios e teorias da conspiração do mencionado artigo, está sim o entendimento e programa do PCP para a cultura. Uma concepção que em tudo se revê no articulado da Constituição da República Portuguesa, que estabelece o direito à fruição e criação cultural mas também o dever de preservar, defender e valorizar o património cultural e as responsabilidades do Estado nesta matéria. Que entende a cultura como factor de emancipação social e nacional. A cultura como um campo de conservação e invenção de identidade que acolhe, define, estabelece, exercita, revê e reinventa práticas, hábitos, códigos, vocabulário e regras no território material e imaterial comum de grupos sociais.

Mas fazer cumprir a Constituição, concretizando um direito que é de todos, exige uma opção política e uma acção consequente, pelo que o PCP propõe a construção de um Serviço Público de Cultura, elemento central de responsabilização pública pelo desenvolvimento, democratização e liberdade cultural. O Serviço Público de Cultura é uma alteração radical à política para o sector seguida por sucessivos governos, ultrapassando a mera reorganização ou reestruturação institucional do que existe, dotando o Estado de um mecanismo organizado, articulado e sustentado que permita romper com a sujeição à ditadura do mercado por força do praticamente inexistente financiamento.

Um Serviço Público de Cultura que compreenda uma rede pública de equipamentos culturais (teatros, bibliotecas, cinematecas e museus), a valorização dos trabalhadores da cultura, o reforço da produção cultural descentralizada e a inclusão da cultura na vida educativa e comunitária.

A questão da ideologia, essa arma de arremesso da direita como se tudo não estivesse impregnado de ideologia – mesmo o mais comercial sistema cultural! -, é bastante interessante à luz das opções políticas tomadas na cidade de Lisboa. Homenagear os escritores José Saramago e Carlos Oliveira, o músico Carlos Paredes ou o cineasta Miguel Gomes, como propôs o PCP neste mandato na Assembleia Municipal de Lisboa, é matéria “ideológica”. Tal como exigir do município soluções para os despejos dos Artistas Unidos, da Academia dos Amadores de Música e de uma série de colectividades da cidade. Ou propor que a CML crie espaços de ensaio ou implemente a audiodescrição e o aro magnético nos equipamentos culturais municipais é “ideológico”. Neste mandato com a governação PSD/CDS na CML, tal como nos anteriores do PS, querem-nos convencer que não é “ideológica” a decisão de isentar, em milhões de euros em taxas, lucrativas empresas que realizam festivais, como o Rock in Rio, o Kalorama ou o Lisb-On. Como também não é “ideológico” o faustoso apoio financeiro e logístico de Carlos Moedas ao Tribeca Film Festival, em comparação com os apoios concedidos a renomados festivais de cinema há muito sediados em Lisboa.

Na lógica do artigo publicado, e que a generalidade das forças políticas de direita na Assembleia Municipal repetem ad nauseum, se são medidas e apoios propostos pelo PCP são “ideológicos”, se são medidas e apoios para empresas privadas, é promoção da cultura. E nem sequer entram aqui considerações sobre o esmagamento da criação cultural em prol do entretenimento renomeado de “expressão artística” ou a chamada “cultura mediática de massas” quase unipolar no mundo ocidental. Porque aí colocar-se-ia a questão política de contrapor a diversidade à homogeneização, de alargar o espaço para a imensa riqueza e as múltiplas articulações da cultura universal, de fazer desenvolver em cada indivíduo um criador e não um consumidor passivo e rotineiro de mercadorias culturais.

À pergunta que dá título ao dito artigo, “O que quer o PCP?”, respondemos claramente: um Serviço Público de Cultura capaz de garantir que a cultura não seja um privilégio mas sim um direito, uma estrutura promotora de uma política cultural do Estado, de carácter nacional e profundamente democratizadora, integrando, promovendo e apoiando as forças, iniciativas e meios existentes no território e provendo outros em falta.

A senhora deputada não inscrita, ao escrever que “todas as semanas o PCP apresenta à Assembleia Municipal documentos a pedir dinheiro para a cultura”, também deixa claro o que quer: que o PCP não defenda a cultura e muito menos apresente propostas em sentido oposto ao da cultura mercantilizada que coloca os criadores ao serviço da encomenda, da estratégia de mercado ou, mais prosaicamente, do volume de vendas. Não acontecerá.

Natacha Amaro

Deputada Municipal do PCP na Assembleia Municipal de Lisboa