“O título desta iniciativa da CDU Lisboa convida à participação crítica e atenta do munícipe através do olhar radical que nos pode oferecer uma fotografia. O binómio luz/sombras espelha dialécticas várias: centro/periferia, visível/invisível, desenvolvimento/subdesenvolvimento, privilegiado/desprivilegiado, o que é iluminado e ganha atenção do sistema capitalista versus o que fica na sombra, mas que trabalha para a reprodução do primeiro. O território de Lisboa está crescentemente tomado por uma ofensiva neoliberal (de mercantilização, privatização, financeirização e acumulação por espoliação) que invade o espaço público, a habitação, o comércio e até a governança, sob o signo de lógicas poderosas do grande Capital, dos grupos imobiliários, da Banca e de uma elite capitalista transnacional, legitimadas pela intervenção externa da Troika na sequência da crise capitalista de 2008-2009, que apenas a reificou.
A reestruturação da paisagem urbana reflecte as dinâmicas capitalistas e a necessidade imperiosa do Capital se reinventar e ultrapassar as suas crises, através de uma destruição criativa do ambiente construído.
A cidade de Lisboa apresenta-se mais dinâmica e vibrante, mas o brilho da revitalização urbana esconde nas suas sombras o desalojamento direto e indireto de habitantes e comerciantes, a saturação e sobrecarga de infraestruturas e equipamentos mais básicos, o aumento do ruído e dos lixos, a destruição da memória e identidade dos bairros, da sua qualidade de vida, pondo em risco a sua resiliência e sustentabilidade económica, social e ambiental. Compromete-se, enfim, a coesão social e territorial, a justiça espacial, em última análise, o cumprir do Direito à Cidade e da Revolução Urbana.
Assim, a iniciativa “Lisboa – luz e sombras” convida todos os que trabalham, habitam ou visitam a cidade a captar, através das lentes da observação fotográfica, as consequências sociais e territoriais resultantes da produção da gentrificação, da polarização e da fragmentação socio-espacial, expondo criticamente e de forma evidente os contrastes e assimetrias do (re)desenvolvimento urbano.”
Luís Mendes
Geógrafo do CEG/IGOT-UL