O Ensino Superior em Crise
Rui Namorado Rosa
publicado em odiario.info
23.12.06
A reforma em marcha no Ensino Superior em Portugal é uma operação de política educativa desastrosa.
Olhando para a história do Ensino em Portugal concluiremos que este é um período singularmente infeliz. Pela primeira vez nos dois últimos séculos, não se assiste a um esforço de renovação e investimento que procure ir ao encontro das necessidades sociais e com doutrina pedagógica ou científica subjacente.
Não é que a reforma não seja publicitada por numerosos textos e discursos enfáticos, e os apropriados decretos-lei, mas estes são meramente inculcadores de um entendimento e de uma praxis, vazios de substância teórica – porque a finalidade não é educativa.
Seguindo um curso generalizado a nível Europeu, liderado não por cientistas ou pedagogos, mas políticos determinados por objectivos de suposta hegemonia económica, o Espaço Europeu do Ensino Superior vai sendo imposto como mais uma outra vertente do que é entendido como uma extensão natural e necessária de um “mercado único” e de uma “moeda única”. As oposições manifestadas em vários países por instituições de ensino são ocultadas; as profundas diferenças entre níveis de desenvolvimento e de condições ou opções concretas são ignoradas; as opções boas para uns deverão provincianamente ser tomadas como exemplares para todos. Não seria preciso pensar, bastaria simplesmente copiar ou obedecer.
Se lermos os relatórios do CNAVES (Conselho Nacional de Avaliação do Ensino Superior) de Abril de 2006, singularmente silenciado, da ENQA (Novembro), e da OCDE (Setembro e Dezembro), temos reunida muita informação interessante que obviamente foi disponibilizada e recolhida por organismos nacionais, depois seleccionada e interpretada por observadores terceiros. Trata-se de encomendas feitas pelo Governo para formalmente fundamentar as suas opções. Porém estas opções encontram-se já antecipadas pelo seu programa e sobretudo por legislação entretanto publicada – como a Resolução do Conselho de Ministros n.º 39/2006 (21 de Abril) em que o Governo prossegue a “reestruturação da Administração Pública no sentido preconizado no seu Programa e no Programa de Estabilidade e Crescimento”, aí incluindo a “extinção do CNAVES”; ou o Decreto-Lei n.º 200/2006 (25 de Abril) relativo à extinção fusão e reestruturação da Administração Pública e à “racionalização de efectivos”; ou a Lei do Orçamento do Estado para 2007 (Outubro 2006), onde se anuncia a revisão do financiamento público das instituições de ensino superior, das leis da autonomia e gestão de universidades e dos politécnicos, assim como os estatutos da carreira docente.
As “conclusões” e “recomendações” da ENQA e da OCDE surgem agora como suporte para legitimar opções de política educativa nacional, mas reflectem tão-somente orientações oficiais conhecidas, já decididas pela OCDE e pela Comissão Europeia com o beneplácito do Conselho Europeu. A autoridade “transcendental” destes organismos intergovernamentais traduz obviamente as orientações políticas dominantes entre os Governos dos seus estados membros. Curiosa e significativamente, as recomendações da OCDE focam as suas críticas nas nossas instituições de ensino, e louvam as virtualidades de novos órgãos estrategicamente criados pela lei orgânica do Ministério do Ensino Superior (Decreto-Lei n.º 214/2006, de 27 de Outubro) – enquanto decorria a auditoria da OCDE. Estamos pois num círculo vicioso ou virtuoso, consoante as opções, mas que não têm suporte nem democrático nem científico.
Que as opções nacionais poderiam ser outras que não as que o Governo pretende impor-nos está patente na perplexidade de muitos universitários e estudantes do Ensino Superior e na opinião formulada por muitos outros, entre os quais diversos responsáveis. Mas para sermos razoavelmente completos e “imparciais”, em matéria em que todavia todos devemos tomar partido, bastará ler o relatório do CNAVES (Abril de 2006) bem como o seu oportuno Comentário ao Relatório Final da ENQA apresentado publicamente em 22 de Novembro de 2006 (datado de 30 de Novembro).
O processo de Bolonha é uma reforma não contextualizada no sistema educativo Português, que está a servir o propósito de diversão enquanto outras alterações igualmente profundas, de novo sem boa razão científica e pedagógica, estão em curso, visando reduzir o financiamento público, tornar precário o trabalho de docentes e investigadores (a serem substituídos por bolseiros de doutoramento e pós-docs), agravar as propinas e os custos de frequência, reduzir o peso dos professores e dos estudantes no governo das instituições.
Quando as debilidades estruturais do sistema de Ensino Superior Português residem sobretudo na debilidade dos Ensinos Básico e Secundário, os recursos exíguos postos à disposição das Universidades e Politécnicos, a instabilidade das linhas de financiamento para o ensino e sobretudo para a investigação. Sabe o Governo, mas faz que ignora, que a escolaridade média em Portugal é 8 anos, quando excede 11 na média Europeia. Pretende que as qualificações proporcionadas por estabelecimentos de ensino portugueses sejam equiparadas a formações congéneres, mas com metade ou um terço ou até um quarto dos recursos de ensino para o efeito afectados nos países Europeus mais avançados. Faz que é exigível que as instituições de ensino demonstrem eficiência de gestão empresarial, mas não contabiliza as inúmeras externalidades que elas geram – no plano local e internacional, na produção cultural e científica.
É neste quadro altamente negativo que as instituições teimam em dar ensino e formação e em fazer investigação com relevância para o País e com nível internacional. Felizmente há mais País para além dos ministérios. Mas esta é uma política liquidacionista que não é suportável.
Do outro lado da barricada encontra-se o Governo, este e os antecedentes, que teimosamente vão arrastando o País no curso neoliberal que é o da integração Europeia federalista, neste domínio desaproveitando ou até destroçando potencialidades e recursos do sistema educativo português, como já antes o fizeram com o aparelho produtivo industrial, em prejuízo do acesso dos cidadãos à cultura e ao conhecimento e ao exercício de trabalho criativo, como o já foi em relação à relativa autonomia nacional em sectores básicos da economia, para servir os interesses do poder económico monopolista à escala continental, em detrimento do desenvolvimento do País, a caminho da crescente concentração de meios de transmissão e produção de conhecimento e da captação de recursos humanos qualificados mais produtivos, sobretudo no núcleo económico e político da União Europeia, e da proletarização de largos contingentes de trabalhadores manuais e intelectuais qualificados.
Alguma Bibliografia
www.dfes.gov.uk/hegateway/uploads/HEfunding_internationalcomparison.pdf www.gse.buffalo.edu/org/IntHigherEdFinance/region_Eupore_Portugal.pdf www.mctes.pt/docs/ficheiros/EPHEreport.pdf www.mctes.pt/docs/ficheiros/OCDE___Relatorio__124_paginas_.pdf http://www.cnaves.pt/DOCS/Ava_Int/Self-Eval.Report.doc http://www.cnaves.pt/avaliacao_int.htm