O Estado de Lisboa e propostas de mudança
Modesto Navarro
Lisboa é hoje uma cidade que é a capital do capital especulativo na bolsa, no imobiliário e nos lucros fabulosos dos grupos financeiros, e que é, simultaneamente, a nível da Câmara Municipal, uma cidade fragilizada e descapitalizada, em finais de 2005 com uma dívida de 956 milhões de euros, dos quais 329 milhões de euros a fornecedores, e com um passivo de cerca de mil e duzentos milhões de euros, que já determinavam, ambas, um futuro empenhado e comprometido que urge evitar e resolver.
Sobre estas questões, e porque a Câmara não presta contas à Assembleia Municipal na informação escrita do seu Presidente, na semana passada apresentámos um requerimento, para que a Câmara nos esclareça sobre a real situação financeira do município e sobre as medidas que vai tomar para contrariar este desastre.
Em nosso entendimento, também na situação financeira não só não se rompeu com a gestão anterior como se deu continuidade e aprofundamento ao que de pior a caracterizava.
Esta é a cidade que faz cada vez mais lembrar um filme italiano, As Mãos sobre a Cidade, onde os senhores do dinheiro estão a ser chamados para investir em projectos como a Baixa-Chiado, em Alcântara, na alteração profunda da Avenida da República, e noutras zonas, enquanto a Câmara Municipal abandona a reabilitação urbana e o papel regulador de uma empresa municipal como a EPUL é desvirtuado; ela foi-se transformando num serviço atento e obrigado à especulação e aos grandes negócios, por exemplo no Vale de Santo António, acompanhado de escândalos quase diários em mordomias, prémios, pagamentos por serviços a empresas privadas, segredos proibidos até para a vereação da Câmara e para a Assembleia Municipal.
Quanto às Sociedades de Reabilitação Urbana, do pouco que se sabe é que o caminho que pretenderão seguir é também aquele que levará ao estímulo à especulação de privados e grupos financeiros. A recuperação que se configura não é para a resolução coerente e sustentada dos problemas urbanísticos e habitacionais, mas para acentuar a expulsão dos actuais moradores, ajudando a transformar Lisboa numa cidade para classes elevadas, com poder de compra e arrogância especulativa à solta.
O Governo PS e a CML contra Lisboa
Esta é uma cidade simultaneamente atacada e prejudicada por políticas do governo central, na saúde, na educação, na retirada de direitos sociais e de roubos nas pensões e reformas, nos ataques ao emprego e aos salários dos trabalhadores da função pública e de outros sectores da população, e por uma política da maioria de direita na Câmara Municipal que abandona definitivamente bandeiras de propaganda e aprofunda a venda de património, de terrenos e outros espaços essenciais para o bem-estar das populações e para o futuro de Lisboa.
O Governo do País e o governo da cidade caminham, cada um à sua maneira, tanto na brutalidade extrema como na visão negocista, de costas voltadas para os interesses vitais da sociedade e da cidade, para o barranco de cegos que atinge tudo e todos, menos os grandes senhores do dinheiro.
Eles assistem à acção destes Robin dos Bosques dos ricos com o prazer e o empenhamento de quem sabe empurrar para o abismo político aqueles que os servem, sabedores de que terão sempre outros à mão para os substituírem nas suas simpatias, na devida altura dos seus interesses e oportunidades.
O quadro actual é de envelhecimento da população da cidade, de pobreza mais generalizada, de perda acentuada de emprego, de especulação, de não existência de habitação para os trabalhadores e para os jovens, neste ano de mandato da actual maioria, acentuaram-se as dificuldades nos bairros sociais, com uma GEBALIS a não fazer aquilo que lhe cumpre, que é regular e coordenar a habitação e os espaços envolventes, cuidar de resolver situações de isolamento de idosos, da sua mobilidade nos prédios e na participação na vida local. Ao contrário, a empresa municipal continua no caminho das festas e festarolas, no discurso angelical do «deixai vir a mim os velhinhos», tentando enganar e ocultar com papas e bolos o que são situações dramáticas generalizadas pela cidade.
Vida mais difícil para os lisboetas
Na área da mobilidade, os novos e brutais aumentos nos parques de estacionamento são a prova provada de que se vê mais facilmente a árvore do lucro fácil e da especulação com a vida já dura das pessoas, do que se ataca a sério os problemas reais de Lisboa. A Câmara não toma medidas na articulação entre os operadores, nas propostas para lutarmos pela melhoria e funcionalidade das redes de transportes colectivos, na oferta de soluções adequadas ao trabalho, ao lazer e à vida social e cultural das populações, que se vêem confinadas aos bairros e freguesias, ou então passam horas nos transportes e à espera deles. Esta é a maior prova de que o sistema em que vivemos não é capaz de corrigir o que ele próprio cria, o monstro do desgaste diário de quem trabalha e vive em Lisboa e na Área Metropolitana, com custos enormes em combustíveis, material circulante e equipamentos. Uma situação desesperante que o governo agrava com aumentos dos preços dos transportes, ao mesmo tempo que permite e participa na especulação nos combustíveis, levando a que a GALP renda 650 milhões de euros ao Grupo Amorim em 6 meses, e mais de mil milhões de euros de dividendos extraordinários sejam distribuídos em pouco tempo aos accionistas da empresa.
Os interesses da alta finança são muitos e determinantes, e, no meio de tudo isto, a Câmara Municipal acentua as dificuldades e agrava a vida dos lisboetas e de quem trabalha na cidade. Ainda na mobilidade, por exemplo, o Regulamento de cargas e descargas, aprovado na Assembleia Municipal há anos, que deveria ter aqui voltado para revisão, após seis meses de aplicação e estudo, é hoje um instrumento esquecido ou vandalizado. Todos conhecemos bem e sofremos essa desgraça caótica que é circular em Lisboa, com segundas e terceiras filas e um dia-a-dia de pára-arranca, de cada vez menos transportes colectivos e da ausência gritante de uma Autoridade Metropolitana de Transportes que seja real e interventiva.
Lutar pela qualidade de vida na cidade
Para além de outras questões, queremos referir ainda que se agravam os problemas da higiene urbana e da limpeza, o ambiente e o bem-estar deixaram de ser preocupações reais desta Câmara e os espaços públicos continuam a perder qualidade. Os grandes parques, que foram construídos para recreio e convívio dos habitantes de Lisboa, ou são destruídos por iniciativas que ali estão deslocadas ou deixaram de ter a qualidade e a segurança que são necessárias a um quotidiano de recuperação, convívio e gosto de viver.
Na área da cultura, gostávamos de salientar que o papel essencial de uma autarquia é o de abrir novos mundos de participação e descoberta, de fruição e de criação. A Câmara deve incentivar a democratização do acesso à vida cultural, sobretudo através de programas a realizar com os agentes culturais, com as Juntas de Freguesia e com as associações locais. Essa é a pedra de toque que tarda no pelouro da cultura. E não deixa de ser sintomático que o Gabinete para as Colectividades seja da responsabilidade do Vereador Pedro Feist, que deixou que os Jogos de Lisboa passassem a Jogos Lx no papel e a zero na realidade dos factos. Tudo isto enquanto que espaços desportivos como o Complexo dos Olivais ainda estarão a ser alvo de intenções e decisões pouco coincidentes com os interesses reais de desenvolvimento e participação ampla das populações na vida desportiva e social da cidade.
Entretanto, na própria Câmara Municipal, uma medida como a recente criação de um quadro de pessoal de direito privado, de contratos individuais de trabalho, veio gorar as legítimas expectativas de mais de mil e quinhentos trabalhadores, abrindo a porta a despedimentos fáceis e à instabilidade laboral.
Propostas do PCP
As nossas propostas aí estão, nesta urgência um mudar de rumo na gestão da cidade, propiciando condições para a instalação de empresas tecnologicamente avançadas também em espaços municipais, para a criação de empregos e um vida produtiva e inovadora; reabilitando a habitação e o património municipal com uma acção reguladora e voltada para o interesse público; combatendo a especulação, que torna Lisboa uma cidade proibida também para as classes médias; tomando medidas de fundo para uma mobilidade em que todos tenham direito e acesso aos transportes públicos, à circulação, à participação no trabalho mas também na vida cultural e social. Uma participação que urge enriquecer com uma acção autárquica que não esteja só voltada para os que já têm lazer e cultura, mas sobretudo para os que se vêm cada vez mais isolados, longe do direito ao bem-estar, à cultura, ao saber, à saúde e à participação activa na vida da cidade.
Propomos que a Câmara não desbarate mais património e território municipal, que exerça a sua responsabilidade nas mudanças necessárias na EPUL, para que seja uma empresa ao serviço de uma Lisboa da maioria e não de minorias do dinheiro e do poder absoluto e destruidor.
Propomos mais atenção aos bairros e freguesias, à articulação com os órgãos autárquicos e associações, para melhoria efectiva das condições de vida local, do trânsito e do estacionamento caóticos, das vias de circulação, dos jardins e espaços públicos, da participação dos habitantes em projectos de cultura, vida social e lazer que são urgentes na realidade violenta e pobre em que vivemos.
No fundo, o que mais uma vez propomos, é que os autarcas na Câmara e em todos os órgãos municipais cumpram os deveres e o trabalho para que foram eleitos, construindo uma cidade que deixe de ser agressiva e que não baixe mais em número de habitantes. Uma cidade que não perca identidade cultural como está a perder, face à brutalidade de projectos e planos que a Câmara alimenta e estimula, até com instrumentos que não são tão reguladores como às vezes parecem e, antes, alteram drasticamente o que seria curial e adequado ao desenvolvimento harmonioso e sustentado.
Estamos abertos à participação, ao debate e à tomada de medidas para que Lisboa corresponda aos sentimentos mais legítimos de quem muito gosta dela e a quer ver desenvolvida, em progresso democrático e participado, não com slogans usados e logo deitados fora, mas com políticas levadas à prática com determinação e vontade de mudar e transformar activamente para a maioria. Mudar e agir com os que trabalham e que amam Lisboa porque é a sua cidade e não a capital do capital sem pátria nem lei, que está a prejudicar a vida de todos nós.
O que os lisboetas querem, tal como demonstraram na grande manifestação de 12 de Outubro passado, juntando-se a dezenas de milhar de trabalhadores de todo o país, é uma cidade com direitos, com trabalho e com a paz e o futuro que todos ambicionamos.