Manuel Gouveia, O Irão e a questão nuclear

O Irão e a questão nuclear

"Todo este coro de calúnias que o partido da ordem nunca deixa, nas suas orgias de sangue, de erguer contra as suas vítimas, só prova que o burguês dos nossos dias se considera o sucessor legítimo do barão de outrora, que julgava honesta na sua própria mão toda a arma contra o plebeu, enquanto nas mãos do plebeu uma arma de qualquer espécie constituía em si um crime."

Esta citação de Karl Marx, do seu livro «A Guerra Civil em França», escrito há 135 anos, adequa-se como uma luva à agressão em curso contra o Irão, e tem ainda o mérito de bem ilustrar que a atitude de muitos para com o Irão reflecte algo de muito velho na História: a luta de classes.

O Imperialismo lança contra o Irão duas "terríveis" acusações: Estar a desenvolver capacidade produtiva de urânio enriquecido, combustível indispensável para a construção de Centrais de Produção de Energia Nuclear e de Bombas Atómicas; Estar a desenvolver um Programa que visa a construção de bombas atómicas. De uma realidade – o Irão está a desenvolver um programa de energia nuclear – a propaganda Imperialista quer conquistar-nos para o apoio à agressão em curso contra o Irão. Não podemos ir por aí.

I – O Direito do Irão a Desenvolver a Produção de Energia Nuclear

A opção nuclear é objecto de permanente discussão na maioria das sociedades – pesando as inegáveis vantagens económicas a médio prazo, os não menos inegáveis riscos e efeitos contaminantes e a viabilidade dos caminhos alternativos.

São múltiplos os países do planeta que desenvolvem a produção de energia nuclear, apesar de ser mais reduzido o leque daqueles que produzem o "combustível nuclear", o urânio enriquecido. Mas a energia nuclear encontra-se confinada aos países economicamente mais evoluídos: ela simultaneamente é o fruto e ajuda a reproduzir a desigualdade entre nações, consequência do colonialismo e do imperialismo.

Neste quadro, qualquer país do mundo tem o direito de travar a discussão sobre a importância de aceder à produção de combustível e energia nuclear, e de lançar-se na concretização desse objectivo. É o que está a fazer o Irão.

E o Conselho de Segurança da ONU, cujos membros permanentes são produtores de combustível e energia nuclear, ameaçam o Irão com sanções económicas se prosseguir nesta via, e os EUA ameaçam mesmo com uma invasão militar (que já teriam concretizado, não fora a dimensão da derrota que estão a sofrer no Iraque e no Afeganistão).

Isto é, antes de mais nada, colonialismo: a tentativa de perpetuar o atraso estrutural das economias dependentes, nem que seja pela destruição militar. Num momento em que o acesso ao Petróleo e à energia adquire um carácter cada vez mais estratégico, o projecto nuclear pacífico do Irão e a existência de um Irão independente são inaceitáveis para as grandes potências.

O resto é propaganda!

II – O Direito de Acesso do Irão à Bomba Nuclear

Como o eixo da propaganda imperialista da sua almejada agressão ao Irão assenta sobre os perigos da disseminação das armas nucleares, vamos debruçar-nos sobre esta vertente concreta do problema. Antes, alguns factos para enquadrar a questão.

1. As armas atómicas deveriam ser erradicadas. Enquanto existirem podem ser usadas, representam o perigo permanente de crimes hediondos como os de Hiroshima e Nagasaki, e da própria extinção da Humanidade.

2. Cinco Países são possuidores – "legais" – de armas nucleares: Os EUA, a Rússia, a China, a França e a Inglaterra. Três possuem-nas de forma "ilegal": Israel, a Índia e o Paquistão. Só um país as utilizou ainda: os EUA, lançando-as no Japão militarmente derrotado para ameaçar a URSS, em 1945.  
 
3. Só um país admite o seu uso ofensivo: os EUA. E sabe-se que Israel tem a mesma filosofia. Todos os outros assumem estas armas como instrumentos de dissuasão.

4. O Irão, hoje, está sob a ameaça directa de uma agressão militar, vinda de quem já utilizou armas nucleares e admite utilizá-las em novas agressões, e em 4 anos foi responsável pelo massacre de 650.000 iraquianos.

Quem, perante esta realidade, juntar a sua voz à teoria de que o Irão não tem o direito de ter armas nucleares, não está a fazer mais que apoiar o imperialismo e a justificar os seus crimes.

A única diferença aqui é que o Irão assinou – voluntariamente! – o Tratado de Não Proliferação Nuclear, e como tal compromete-se perante a Comunidade Internacional a não desenvolver armas nucleares. Abdicou do direito de ter armas nucleares.

Com o que a Comunidade Internacional se deveria começar a preocupar era com fazer evoluir este conceito. Não basta que alguns Estados abdiquem do direito de ter armas nucleares. É preciso caminhar para a total liquidação destas armas. Para que todos abdiquem desse direito, e se caminhe para a erradicação internacional destas armas.    

Um primeiro passo implica que os actuais detentores de armas nucleares o reconheçam, sujeitem os seus arsenais a controlo internacional e excluam da sua doutrina de defesa qualquer possibilidade da sua utilização ofensiva. E todos aceitem iniciar o processo de erradicação no planeta da ameaça nuclear.

Esta política hoje não é possível. A lógica predadora do Imperialismo impede-a. Mas este é o único combate que, em matéria de armas nucleares, nos coloca do lado certo da História.

A Humanidade sobreviverá ao capitalismo. Mas para o fazer, terá de lhe arrancar a capacidade de auto-destruição. O perigo não está nas imaginárias armas nucleares iranianas – está nas bem reais que o Imperialismo possui, desenvolve e se prepara para utilizar!

III – Conclusão

A máquina trituradora do pensamento único não nos pode intimidar. Recusar todas as teses colonialistas do Imperialismo não nos transforma em defensores do poder clerical e conservador do Irão. Da mesma forma que estar verdadeiramente solidário com as forças que no Irão lutam pelo Socialismo não nos transforma em apoiantes do Imperialismo.