João Coutinho Duarte
na V Assembleia de Organização do Sector Intelectual da Organização Regional de Lisboa do PCP
Contra a resignação, contra o conformismo, pelo esclarecimento: por uma Democracia política, económica, social e cultural
Em
primeiro lugar, saúdo os membros desta Assembleia, todos os que
connosco constituem este Partido, pedra base da Democracia Portuguesa,
e o povo português que nele sempre encontrou, encontra e encontrará o
seu indefectível defensor.
Em jeito de introdução uma pequena nota:
Com esta intervenção incluo-me, e cito: “nos sempre os mesmos que dizem sempre a mesma coisa”,
fim de citação. O que demonstra a coesão deste Partido e também o
descalabro económico e social que as políticas seguidas, aprofundadas e
nunca invertidas, de há 32 anos a esta parte, nos vêm conduzindo.
Numa
Assembleia do Sector Intelectual, cabe avançar com algumas reflexões,
visando uma influência crescente do Partido, não apenas junto dos
trabalhadores intelectuais, mas junto de toda a população que vive da
força de trabalho que vende ou já vendeu e que mais beneficiará com a
mudança do paradigma político, económico social e cultural. E que
precisa de acreditar no nosso projecto patriótico, no nosso humanismo,
na viabilidade da Democracia que propomos e na nossa honesta
competência e empenho em levá-la à prática.
Julgo
pois que uma das tarefas do Sector Intelectual é divulgar de modo
simples, pedagógico e rigoroso, que o actual desenvolvimento das
ciências e das técnicas se não se encontrasse exclusivamente ao serviço
do mercado e do lucro, a humanidade não teria os problemas de fome, de
insegurança, de ameaças de guerra. É evidente para nós, mas
infelizmente não é para todos os portugueses.
A
questão que aqui quero abordar prende-se com a Democracia económica que
é preciso demonstrar ser só realizável num modelo de sociedade
anti-imperialista e anti-capitalista.
E levanto algumas questões:
O
crescimento económico, palavra chave da ideologia em moda, é condição
suficiente ao progresso social, à Democracia económica? Ao verdadeiro
desenvolvimento?
Este
paradigma político-económico baseado na apropriação privada dos meios
de produção e das leis económicas em que assenta conduzirá alguma vez a
humanidade para um desenvolvimento harmonioso?
Que modelo, que estratégia está definida quanto à inserção de Portugal na Divisão Internacional do trabalho?
É
na ocupação desenfreada de zonas protegidas pelo cimento, pela
destruição sistemática do tecido produtivo, pela proliferação de
hipermercados, pela transformação de áreas agrícolas em campos de golf?
A
diabolização, em todos os sectores de actividades de serviço público,
dos funcionários do estado e a sua consequente governamentalização, tem
algum nexo com a Democracia económica? Ou, pelo contrário, é
instrumento privilegiado para acentuar ainda mais injustiça social?
Seria
bom não esquecer e fazer lembrar ao povo português quem só lhe via fim
quando todos morressem, antecipando-lhes o termo da vida activa
encerrando unidades fabris de propriedade pública.
É
o actual sistema, que chamam de educativo, que não passa de umas
pinceladas de instrução rasteira e bem aligeirada visando a formatação
de súbditos, veículo compatível para a ascensão deste país na escala do
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)?
É
possível que um país como nosso que privilegia a construção de auto
estradas, TGV, aeroportos de grande capacidade, para depois os
privatizar, consagrar os recursos suficientes ao Serviço Nacional de
Saúde, ou à escola pública de qualidade para todos?
Será no turismo predador de paisagem e de património que o desenvolvimento económico se estenderá a todo o território?
É no despovoamento acelerado do interior que repousa a estratégia de desenvolvimento?
São
os programas de “empreendedorismo” levados às escolas, à televisão, aos
jornais e à rádio, conducentes à consciência social, ao sentido do
colectivo, à solidariedade?
Será
possível um país como o nosso, onde o Sector Público produtivo foi
desmantelado e o que restou entregue à exploração privada,
disponibilizar os recursos necessários ao cumprimento das obrigações
sociais que a Constituição da República consagra?
É
o voluntarismo caritativo, solução para as desigualdades sociais,
económicas, culturais e até políticas, independentemente das boas
intenções dos muitos jovens e adultos que de boa fé participam nestas
campanhas tão de agrado do Presidente da República?
Camaradas:
de voluntarismo sabemos nós. Andamos a fazer voluntariado, não para
amortecer as injustiças sociais, mas para as erradicar, e isto há 87
anos.
O mundo melhorou em termos de segurança, de desenvolvimento, de perspectivas de paz, depois da queda do socialismo?
São
questões que temos de colocar no nosso dia a dia, a colegas, a vizinhos
a amigos e a que temos de saber responder de forma simples, convincente
porque rigorosamente formuladas. Mas o modo de o fazer varia consoante
o auditório, o que nunca podemos subalternizar.
Comecemos
por uma breve análise das designadas leis da economia, elaboradas por
homens, segundo princípios que eles próprios criaram e que vendem como
exactos e perenes, recorrência usual para reafirmarem que ao sistema
capitalista não existe alternativa. Nesta lógica, a pobreza, a fome, a
carência de habitação, o desemprego são apenas acidentes que os
mercados, a Lei da Oferta e da Procura em toda a sua pujança, se
encarregará de ultrapassar. O que a realidade desmente no dia a dia.
Veja-se o mercado de habitação e a formação dos preços correspondentes.
Meio milhão de fogos devolutos e os preços não baixam. Onde está a
veracidade, a comprovação da Lei?
Acorre
agora pressuroso o governo com medidas de subsidiação ao arrendamento,
o que em rigor apenas constitui uma grande ajuda à banca
monstruosamente endividada no mercado interbancário e às
imobiliárias-construtoras que não vendendo não realizam os lucros
durante anos escandalosamente empolados. É preciso acudir e depressa
não vá aparecer para aí alguma falência bancária. Até o governador do
Banco de Portugal vem agora aconselhar, não só moderação salarial mas,
pasme-se, que o Estado não pode sair de cena da actividade económica.
Porquê? Parece que a resposta se encontra no trecho antecedente.
De
facto, os subsídios previstos ao arrendamento e já divulgados pela
imprensa, juntamente com a renda a pagar pelo arrendatário não ficará
muito aquém do que a banca vem arrecadando. Ora as
imobiliárias-construtoras também devem, e de que maneira, aos bancos.
Alugando o que anteriormente vendiam, vão saldando as dívidas e sempre
à nossa custa. De facto, o empreendedorismo privado é muito criativo e
inovador.
Outro
caso bem ilustrativo das “virtudes” do sector privado e da necessária
ausência de Estado à boa e rentável gestão, é o recente acordo
ADSE-Hosp. da Luz. Claro como água que um hospital daqueles não se
governa apenas com seguradoras, nem com clientes particulares. Precisa
do Estado para obter os retornos do capital investido e, como é usual,
lá pagamos todos.
Em
1976 na Gulbenkian, e após as nacionalizações, dois professores
americanos de economia (um deles Prémio Nobel) declararam que contra as
expectativas, a economia portuguesa se encontrava saudável e com
perspectivas óptimas. Isto está escrito e publicado. Quem fala nisso?
Quem fala que foram as nacionalizações que acabaram por salvar a
economia portuguesa, não apenas pela apropriação, mas fundamentalmente
pela gestão subsequente?
Assistimos diariamente, em mesas redondas, colóquios, seminários (work-shops,
como agora é de bom tom dizer) nos jornais, na rádio, na televisão ao
verdadeiro rol de sofismas, falácias e até manipulação de números e de
estatísticas, verdadeiras arengas sobre as virtudes do mercado e da
correspondente necessária ausência do Estado. São sempre os mesmos
confrades que se tratam pelo nome próprio e por tu, e no essencial,
quanto ao paradigma, estão sempre de acordo. E falam, falam de
preferência com palavras difíceis utilizando expressões em inglês para
dar, pacoviamente, um tom de erudição e competência.
Camaradas:
a nós, poucas ou nenhumas oportunidades os ditos órgãos de comunicação
social, salvo honrosas excepções, nos proporcionam. O sistema, a teia,
leva a população a acreditar na inexistência de alternativas, embora
eles não consigam, apesar do muito esforço, escamotear as injustiças
sociais que tecem sempre em benefício da classe parasitária, que nos
vende, como povo e como país em Bruxelas, Maastricht, Nice ou Lisboa.
É
sobre oportunidades de fazer reflectir os trabalhadores deste país
quanto às questões que atrás esbocei, que gostaria ainda de tecer
algumas considerações.
Cingir
a actividade económica e a maioria dos portugueses à prestação de
serviços sem requererem elevada qualificação, tem constituído vector
predominante dos “empreendedores” que por cá vão explorando o trabalho
alheio.
Quanto
à crise financeira que ai está – e para ficar – e cuja extensão,
duração e profundidade é ainda imprevisível, o governo e economistas
encartados esforçam-se, num exercício histriónico, em negá-la. Que
credibilidade pode ter esta gente no campo da competência profissional?
É
tudo isto que urge divulgar. Sendo um dado adquirido que não nos dão
voz, porquanto somos os únicos a desmontar tais falácias e com
contrapropostas concretizáveis, defendem-se marginalizando-nos. Somos
os únicos que eles receiam. Que os aterrorizam. E pela simples razão de
sermos consequentes
Existem meios e locais onde as nossas propostas podem ser divulgadas.
Nomeadamente nas assembleias das autarquias. Temos de fazer um esforço
em participar. E creiam, muito teremos a aprender não apenas com os
camaradas que dia a adia lidam com os problemas das populações, mas
também com aqueles que não tendo ainda consciência social, e por
maioria de razão consciência política, nos podem ensinar a encarar os
diversos auditórios de formas concretas, mas diversificadas. É uma
forma, que me parece válida de maior ligação às massas. Não basta
dialogar com os colegas de profissão, que connosco convivem no mesmo
meio social. É preciso dialogar com todos e sobretudo aprender,
ouvindo-os.