Alexandrino Saldanha* – 16.04.09
A chamada reforma da Administração Pública, levada a cabo pelo actual Governo do PS, escudado na maioria absoluta de deputados que detém na AR e contra o que prometeu ao povo português na campanha eleitoral, persegue dois objectivos centrais.
O primeiro, tem em vista o desmantelamento da Administração Pública e da própria concepção de Estado, tal como a Constituição da República os entende, com a privatização dos serviços públicos rentáveis, após a criação das condições ideais para o grande capital os adquirir e maximizar os benefícios daí resultantes – claro que à custa das populações, que terão de pagar, e bem, serviços sociais que o Estado está constitucionalmente obrigado a prestar.
Ora, entre outras vertentes, a Constituição propõe-se “abrir caminho para uma sociedade socialista”(2) ; considera tarefa fundamental do Estado “Promover o bem-estar e a qualidade de vida do povo e a igualdade real entre os portugueses…”(3) ; e determina que “Para assegurar o direito ao trabalho, incumbe ao Estado promover:…A execução de políticas de pleno emprego”(4) ; ou “A lei pode definir sectores básicos nos quais seja vedada a actividade às empresas privadas…”(5) .
Com a brutal campanha ideológica que suporta a ofensiva do Governo – ultimamente “amenizada” pela grave crise do capitalismo e a necessidade do Estado intervir abertamente para salvar o sistema – esquece-se muitas vezes esta realidade constitucional, que nunca é de mais realçar.
O segundo objectivo, que o primeiro exige, é o de “limpar” a Administração Pública de muitos trabalhadores e/ou dos seus direitos fundamentais, conquistados ao longo de décadas de luta, com a institucionalização geral da precariedade, admitindo-se os despedimentos sem justa causa, com a desregulamentação, o subjectivismo, a partidarização, a arbitrariedade e consequente degradação das condições de vida e de trabalho, designadamente dos salários e das pensões.
Com efeito, aprofundando a política de direita, de recuos sociais, políticos e democráticos, seguida desde 1976, pelo PS/PSD/CDS, o Governo do PS aprovou, em Abril de 2006, um Programa para a Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE)(6) , base e suporte da contra-reforma social e laboral mais retrógrada e gravosa para os trabalhadores e o povo português, na Administração Pública, desde o 25 de Abril.
A implementação do Programa
No seguimento do PRACE foram aprovados vários diplomas, apresentados como resultado de negociações com os Sindicatos, que, de facto, constituíram imposições unilaterais do Governo e não deixam dúvidas sobre os seus objectivos.
Sem a preocupação de sermos exaustivos, vejamos as alterações mais gravosas para os trabalhadores, introduzidas por tais diplomas (por ordem de publicação):
A abrangência da contra-reforma
Estas medidas abrangem todos os trabalhadores da AP, mesmo os cerca de 10% que continuam com o vínculo de nomeação.
E, tal como acontece com o problema do desemprego, onde os quadros e técnicos atingem as taxas mais elevadas – no 4.º trimestre de 2008, segundo o INE, a taxa de desempregados com o ensino superior, até aos 34 anos, vai nos 40% – também aqui, na Administração Pública, os quadros e técnicos são brutalmente atingidos com esta contra-reforma.
A degradação da Carreira de Técnico Superior, fundida com a Carreira Técnica, confirma este negativo quadro. Assim como também o confirma o “Projecto de Decreto-Lei que estabelece o regime da carreira especial de inspecção, procedendo à transição dos trabalhadores integrados nos corpos e carreiras do regime especial das inspecções gerais”, cuja negociação com os Sindicatos se vai iniciar.
As consequências destas medidas, apesar da luta que foi e continua a ser desenvolvida pelos trabalhadores, estão a alterar profundamente as relações laborais na Administração Pública.
Realçam-se as mais graves para os trabalhadores:
A precarização e a desvalorização do trabalho reivindicadas pelo grande patronato são impostas pelo PS na Administração Pública
A reivindicação dos patrões de precarização total das relações de trabalho e da sua desvalorização, para criar a chamada “empresa flexível”, que se adapta de acordo com as necessidades do mercado, ou “que respira de acordo com o mercado”, é assim introduzida na Administração Pública.
Para a concretização deste desiderato, a extinção dos quadros de pessoal e a sua substituição por mapas de pessoal assume um papel fundamental. Como afirmam, em anotação à publicação da LVCR, os especialistas de direito administrativo, Paulo Veiga e Moura e Cátia Arrimar, “a eliminação dos quadros de pessoal e a sua substituição por mapas anualmente revistos põe termo à tradicional estabilidade que sempre caracterizou o emprego público e que é, a nosso ver, condição ‘sine qua non’ para se conseguir uma Administração Pública isenta, equidistante, imparcial e eficaz”.
Desta forma, o neoliberalismo puro e duro impõe-se, pela mão do PS, na Administração Pública.
Em detrimento da propalada modernização da AP e da prestação dos serviços sociais que o Estado tem a obrigação de garantir à população, nomeadamente, na saúde, na educação, na justiça, na segurança, no ambiente (água, resíduos sólidos, etc.), na cultura.
Por isso, reiteramos, sinteticamente, que a contra-reforma laboral na AP, levada a cabo pelo governo PS, e conforme temos vindo a referir, visa dois objectivos claros:
É assim subvertida a existência de uma Administração Pública que garanta à população serviços públicos de qualidade e eficazes, como estabelece a Constituição da República, e que garanta também os direitos fundamentais conquistados pelos trabalhadores, ao longo de mais de 3 décadas.
É uma obrigação ética de todos os que defendem um Estado de direito e uma evolução democrática e progressista do nosso país lutarem contra esta violenta política de direita do PS, consubstanciada em brutais ataques à Administração Pública, aos serviços sociais que a esta compete prestar e aos direitos dos seus trabalhadores.
Lisboa, 4 de Abril de 2009
Notas:
1-Resolução do Conselho de Ministros n.º 39/2006, de 21/4
2-Do Preâmbulo
3-Art.º 9.º – alínea d)
4-Art.º 58.º – 2 – alínea a)
5-Art.º 86.º – 3
6-Resolução do Conselho de Ministros n.º 39/2006, de 21/4
7-Decreto-Lei 169/2006, de 17/8, que “Altera, estabelece regras de aplicação e revoga diversos regimes jurídicos constantes dos Decretos-Leis n.ºs 41/84, de 3 de Fevereiro, 259/98, de 18 de Agosto, 100/99, de 31 de Março, 331/88, de 27 de Setembro, 236/99, de 25 de Julho, e 323/95, de 29 de Novembro
8-Decreto-Lei 200/2006, de 25/10, que “Estabelece o regime geral de extinção, fusão e reestruturação de serviços públicos e de racionalização de efectivos”
9-Lei 53/2006, de 7/12, que “Estabelece o regime comum de mobilidade entre serviços dos funcionários e agentes da Administração Pública visando o seu aproveitamento racional”
10-Decreto-Lei 25/2007, de 7/2, que “Cria a Empresa de Gestão Partilhada de Recursos da Administração Pública, E.P.E., e aprova os respectivos estatutos”
11-Lei 52/2007, de 31/8, que “Adapta o regime da Caixa Geral de Aposentações ao regime geral da segurança social em matéria de aposentação e cálculo de pensões” – esta Lei vem no seguimento da Lei 60/2005, de 29/12, que “Estabelece mecanismos de convergência do regime de protecção social da função pública com o regime geral da segurança social no que respeita às condições de aposentação e cálculo das pensões”
12-Decreto-Lei 37/2007, de 19/12, que “Cria a Agência Nacional de Compras Públicas, E. P. E., e aprova os respectivos estatutos”
13-Lei 66-B/2007, de 28/12, que “Estabelece o sistema integrado de gestão e avaliação do desempenho na administração pública”; e Portaria 1633/2007, de 31/12, que “Aprova os modelos de fichas de auto-avaliação e avaliação do desempenho”
14-Lei 12-A/2008, de 27/2, que “Estabelece os regimes de vinculação, de carreiras e de remunerações dos trabalhadores que exercem funções públicas”
15 -Lei 58/2008, de 9/9, que aprova o “Estatuto Disciplinar dos Trabalhadores que exercem funções públicas”
16-Decreto Regulamentar 14/2008, de 31/7, que “Estabelece os níveis da tabela remuneratória única correspondentes às posições remuneratórias das categorias das carreiras gerais de técnico superior, de assistente técnico e de assistente operacional”
17-Decreto-Lei 121/2008, de 11/7, que “Extingue as carreiras e categorias cujos trabalhadores transitam para as carreiras gerais”
18-Lei 59/2008, de 11/9, que “Aprova o Regime do Contrato de Trabalho em Funções Públicas”
19-Lei 4/2009, de 29/1, que “Define a protecção social dos trabalhadores que exercem funções públicas”
* Presidente da Mesa da Assembleia-Geral do Sindicato dos Trabalhadores da Actividade Financeira (SINTAF)