(como prólogo, aconselhamos a leitura de “As lições da Revolução ” de Lénine, sobre a Revolução Russa de 1905)
JANEIRO
Antes da Tempestade
A guerra tinha trazido aos povos do império tsarista russo um sofrimento imenso. No começo de 1917, o país encontrava-se profundamente desorganizado. As dívidas ao estrangeiro cresciam velozmente. A rede de caminhos-de-ferro deixou de funcionar. A terra estava por cultivar e a fome aumentava e espalhava-se. As cidades foram paralisadas por uma onda de greves. A exploração feroz dos operários, a sorte duríssima dos camponeses, a completa ausência de direitos políticos para o povo, a opressão das minorias nacionais – tudo isto fez do império tsarista um campo de agitação revolucionária.
Já em fins de 1916 cresciam os primeiros sinais da tempestade revolucionária. A ofensiva russa do Verão de 1916, depois de alguns êxitos iniciais, parara nos Cárpatos. Fracassara a tentativa para romper uma brecha para a Hungria. Com ela desaparecera a última oportunidade de o tsar Nicolau II e o seu império concluírem a guerra vitoriosamente.
As dificuldades económicas e da política interna multiplicaram-se rapidamente. Só em Outubro de 1916 entraram em greve mais de 200 000 operários. Pelas cidades desfilaram manifestantes, com as palavras de ordem revolucionárias «Abaixo a guerra!» e «Abaixo a autocracia!» Os soldados desertavam da frente. Rebentaram insurreições das minorias oprimidas na Ásia Central, no Uzbequistão, no Kasaquistão, na Tusqueménia e na Quirguísia. A situação tornou-se catastrófica para o tsar e a sua corte. «A oposição entre as amplas massas tem hoje uma dimensão muito maior do que no tempo dos tumultos de 1905 e 1906», dizia um relatório da policia. O descontentamento com as condições vigentes crescia a olhos vistos. Aproximava-se a revolução.
Os grandes príncipes e a alta nobreza, temendo o colapso irremediável do tsarismo, mandaram assassinar o conselheiro do tsar e «milagreiro» Rasputine, a quem imputavam as culpas da tragédia que se abatera sobre a Rússia. Ao mesmo tempo, à volta do tsar tramava-se uma revolução palaciana e uma mudança no trono.
A burguesia liberal, indignada com o colapso calamitoso do abastecimento da indústria, do exército e da população com víveres, matérias-primas e combustíveis, preocupada com as derrotas militares, empenhava-se em conseguir reformas, na esperança de apagar a tempo o fogo revolucionário que rapidamente se ateava.
Crescia a actividade política do proletariado. O partido bolchevique era a força organizadora e dirigente deste processo. Posto fora da lei pelo governo tsarista, era o único de todos os partidos socialistas que se pronunciavam abertamente contra a guerra imperialista, pela sua transformação em guerra civil, pela derrota do seu próprio governo. O Partido bolchevique lutava incansavelmente por uma rápida solução revolucionária dos problemas fundamentais.
Apesar da feroz repressão e do terror, os efectivos do partido bolchevique cresciam constantemente. Em princípios de 1917 contava nas suas fileiras aproximadamente 24 000 membros. Contrariamente aos mencheviques e socialistas-revolucionários, que se encontravam numa situação de confusão ideológica e organizativa, os bolcheviques tinham conseguido restabelecer a sua organização à escala de toda a Rússia. O partido era dirigido por um centro único – o Bureau Russo do CC.
Em fins de 1916 o Bureau Russo do CC propôs ao comité de Petersburgo e ao Bureau Regional de Moscovo a discussão da organização de manifestações de rua e de uma greve geral. Esta proposta apontava para a passagem das greves dispersas de carácter económico e das acções políticas ocasionais à luta política de massas, atraindo a massa dos soldados para o movimento revolucionário e visando a prazo a insurreição armada. Depois de discutir a proposta do Bureau Russo do CC, as organizações de Moscovo e Petrogrado marcaram o início das acções (manifestações de rua, greves, comícios) para 9 de Janeiro, décimo segundo aniversário da sangrenta repressão da manifestação operária de 1905.
“…Vivemos uma época sem precedentes, dias sangrentos: sob a bandeira tsarista, pela causa do capital, combatem na frente milhões de operários, enquanto os restantes gemem sob o peso do custo de vida e de toda a ruína económica. As organizações operárias foram desmanteladas, a voz dos operários estrangulada. A alma e o corpo do operário foram violentados.
Qual a saída?
Os traidores à causa operária chamaram-nos, àqueles que ficaram na retaguarda, a juntarmo-nos sob a bandeira da burguesia. Não, só uma acção revolucionária da classe operária, sob a sua bandeira, sob a bandeira vermelha do socialismo, porá fim à guerra e a todas as violências.
É preciso arrancar o Poder das mãos do governo tsarista e pô-lo nas mãos de um governo criado pela revolução; para concluir a paz de que necessita a classe operária, para criar o regime político de que necessita o operário – é necessário lutar pela república democrática e para que as forças dos operários de todos os países ponham fim à guerra.
Exortamos os operários de Moscovo à greve geral no dia 9 de Janeiro…
Viva o POSDR!
Viva a república democrática!
Abaixo a guerra!
Abaixo a autocracia!”
(de um panfleto da organização de Moscovo do POSDR)
A greve de 9 (22) de Janeiro de 1917 foi o arauto da revolução, que eclodiu nos centros mais importantes do império. Só na Capital, Petrogrado, 145 000 operários participaram na greve. Às centenas de milhares, os manifestantes percorriam as ruas das cidades com bandeiras vermelhas e as palavras de ordem «Abaixo a autocracia!», «Viva a república democrática!». A polícia dispersou as massas. Mas já era tarde de mais para salvar o trono do tsar pelo terror.
A capital tornou-se palco de acções (quase sem um dia de interrupção) do proletariado contra a guerra e a autocracia. Durante Janeiro, 270 000 operários fizeram greve, dos quais 177 000 na Capital.
O novo e contínuo ascenso da luta política aberta dos operários uniu em volta deles as diferentes torrentes do movimento revolucionário do país. Crescia o movimento dos camponeses mais pobres, cujas acções adquiriram grande envergadura em Janeiro de 1917.
O que queria o povo? Queria paz, pão e trabalho, os camponeses queriam a terra que trabalhavam. As nacionalidades oprimidas reclamavam liberdade. Todo o povo exigia direitos cívicos.
“O presente silêncio sepulcral na Europa não deve enganar-nos. A Europa está prenhe de Revolução. Os horrores monstruosos da guerra imperialista, os tormentos da carestia de vida, geram em toda a parte um estado de espírito revolucionário, e as classes dominantes – a burguesia e os seus serventuários, os governos – encontram-se cada vez mais num beco, do qual não podem encontrar saída sem enormes convulsões.” Lénine, “Relatório sobre a Revolução de 1905”, lido a 9 (22) Janeiro de 1917 em Zurique)
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