OPA’s
Tiago Cunha
(in Caderno Vermelho 14, Setembro 2006)
1º – Enquadramento Económico
A OPA, paradigma da economia de mercado;
As sucessivas notícias sobre as diferentes OPA’s (Oferta Pública de Aquisição) surgem sempre associadas à ideia central que tal fenómeno constitui um sinal de vitalidade e saúde do “mercado”. Para a vasta maioria daqueles que têm lugar cativo nos média, dos formatadores de opinião, a multiplicação deste tipo de operações é encarada de forma positiva, transmitindo recorrentemente que é a economia portuguesa quem lucra com uma OPA.
No entanto, e por mais que seja repetido o contrário, a tradução prática de uma OPA é uma maior concentração da riqueza através da apropriação por parte de um grande grupo financeiro sobre um, ou parte de outro. Numa perspectiva de classe, na perspectiva da classe dominante, este tipo de dinâmicas é natural, mais, é um sinal de “saúde” e “vitalidade”. A função da empresa sobre a qual é desferida uma OPA e o seu papel na economia é de todo irrelevante quando se analisa, se comenta e se prepara a decisão na “opinião pública”. O fenómeno é analisado à luz de uma matriz financeira o que, num modelo em que sempre que possível se induz que o económico e o financeiro são uma e a mesma coisa, se converte em fenómeno económico vazio de qualquer dimensão social.
Esta abordagem da economia, reduzindo-a a aspectos financeiros tem sido o método, convertido em paradigma, que permite justificar a multiplicação da riqueza através da actividade especulativa. Uma OPA é o meio, inserido no coração onde tais práticas ocorrem – a bolsa, de aumentar o peso de um grande grupo. Como consequência inevitável há uma maior dependência face aos grupos financeiros, que é causa e consequência de uma subjugação do poder político face ao poder económico, tornando-se assim em factor de degradação do sistema democrático, porquanto a larga maioria do povo está marginalizada destes processos e o Estado, ao demitir-se da defesa dos interesses nacionais, arreda a vasta massa dos trabalhadores e dos portugueses da condução dos destinos do país, entregando tais desígnios ao “mercado” e a quem dele se serve.
Outro elemento a ter em conta e que raramente é abordado, é a forma como os agentes nacionais servem de intermediários na transferência dos centros de decisão para o estrangeiro. Esta dinâmica, enquadrada na fase imperialista do capitalismo e a consequente reorganização do espaço económico, onde a cada país é atribuído um papel, mais ou menos relevante, está bem patente ao observarmos a que instituições se recorreu para a persecução da OPA sobre a PT, ou quem se poderá apoderar da BRISA (i) .
O dogma da economia de mercado
Recuando um pouco no tempo, se formos até 1989, altura em que foi aprovada a revisão da Constituição da República Portuguesa por forma a permitir a privatização de importantes actividades sob alçada do Estado, fazendo um esforço conseguimos recordar a falácia da economia de mercado popular, primeira maquilhagem com que as privatizações foram impostas aos portugueses… dizia-se, nessa altura, que seriam os trabalhadores e o povo a deter as empresas através da compra de acções. Esse tempo já lá vai e a justificação apresentada caiu em desuso; serviu na altura, naquele momento histórico em que a economia de mercado venceu uma importante barreira, um obstáculo como repetidamente era referido. Houve quem lembrasse o significado das nacionalizações, a importância do Sector Empresarial do Estado, o papel de suporte ao regime fascista que os monopolistas tinham tido e do impacto que a redução do papel económico do Estado teria na satisfação das necessidades individuais e colectivas da maioria da população.
Hoje, quando são apresentadas acções com as características de uma OPA, os argumentos são outros… dizem-nos que é uma questão do “mercado”. E o interesse do “mercado” sobrepõe-se a qualquer outro. O “mercado” é-nos apresentado como um sistema autómato, intangível, independente. Por vezes ganha a forma de ser divino, quando se trata de justificar a deslocalização de uma empresa, o desmantelamento de um sector de actividade ou o desemprego de milhares de trabalhadores. Mais não se adianta. As regras deste “mercado” são assim, funcionam, têm entidades próprias que as regulam. Aos trabalhadores e restante população, uma vez que o Estado se demite de ter qualquer papel neste âmbito, resta servir o “mercado” e o mesmo é dizer, servir quem se serve do “mercado”.
Como forma de ludibriar a compreensão de todo este fenómeno, o “mercado” é apresentado como um fim em si mesmo, é um dogma.
O “mercado”, como uma qualquer sociedade secreta, é dominado por um grupo restrito. É no seio deste grupo que emergem as instituições com capacidade para realizar uma OPA. No caso que adiante se analisa com mais pormenor, o da OPA sobre a PT, há vários interessados que jogarão o futuro da empresa com as regras próprias do “mercado”.
2º – A OPA à PT
Definição de OPA – A OPA da Sonae à PT;
Uma OPA (Operação Pública de Aquisição) consiste na materialização da vontade de uma sociedade em adquirir uma participação noutra empresa, que pode passar pelo seu controlo. Isto é conseguido com uma operação, na bolsa, que tem por objectivo a aquisição de todas as acções a um preço pré-determinado. Assim, no caso da OPA da Sonae à PT, o valor que Belmiro de Azevedo pagará por cada acção será de 9,5€. Em relação às obrigações convertíveis (ii) em acções o preço que a Sonae pagará será de 5000€.
Tanto no caso das acções como nas obrigações os proprietários destes títulos não são obrigados a vender mas, caso o pretendam fazer, a Sonae fica obrigada a adquiri-los pelo preço que ofereceu. “E uma das condições impostas pela Sonae, que consta do seu anúncio preliminar, é que essa obrigação de compra só existirá, se existirem detentores de acções interessados em vender que permitam à Sonae obter 50,01% do capital da PT. Se esta condição não se verificar, a Sonae não é obrigada a comprar e, consequentemente, a OPA morre.
Apesar dos detentores das acções e obrigações não serem obrigados a vender, no entanto existe no anúncio da Sonae uma ameaça com o objectivo de criar a insegurança e forçá-los à venda. E essa ameaça consta do ponto 13 do anúncio da Sonae: no caso de obter mais de 90% das acções, a Sonae "admite recorrer ao mecanismo de aquisição potestativa previsto no artº 194 do Código dos Valores Mobiliários"? E o que significa isto? A Sonae pode obrigar aqueles que não querem vender a vender à força, e por um preço que pode até ser inferior a 9,5 euros por acção. E isto porque, de acordo com o manual de "Respostas às perguntas frequentes dos investidores da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), em relação às acções remanescentes, ou seja, aquelas que a Sonae não comprar durante a OPA, "uma vez efectuada a escritura pública e o registo da aquisição potestativa, a totalidade dessas acções passam a estar inscritas na conta do adquirente (neste caso a Sonae), deixando, por conseguinte, de estar inscritas na conta dos anteriores titulares", sendo "o valor do preço depositado à ordem de cada titular das acções adquiridas". E o preço já não é o da OPA. Segundo o artº 188 do Código dos Valores Mobiliários é o maior preço registado "nos seis meses anteriores à data de publicação do anúncio da OPA", ou "o preço médio ponderado apurado durante o mesmo período"; portanto, em qualquer caso, um preço inferior a 9,5 euros por acção da OPA.”(iii)
Outra característica sempre presente no anúncio da Sonae é a necessidade de alterar os estatutos da PT (iv) . A acção desencadeada está dependente desta demanda. As principais alterações impostas, para que o grupo de Belmiro “aceite” controlar a PT, são a autorização para que a Sonae adquira uma participação superior a 10% do capital social da PT (art. 9.º dos respectivos estatutos); a alteração dos estatutos da PT de modo a que não subsista qualquer limite à contagem de votos quando emitidos por um só accionista; a eliminação dos “privilégios” inerentes às acções do Estado (golden share), ou da sua restrição de modo a que não sejam invocáveis contra a realização dos actos e operações de implementação do plano de reestruturação da PT constante dos documentos definitivos desta oferta.
De acordo com os Estatutos da PT, a aprovação das deliberações da assembleia geral acima referidas dependem de não oposição do Estado. A Sonae atribui à renúncia por parte do Estado ao exercício de tais prerrogativas ou à aceitação da oferta ou ainda a aprovação do mencionado plano de reestruturação da PT por parte do Estado efeitos equivalentes aos da eliminação da golden share. E como é do conhecimento público, o Estado já disse concordar com, pelo menos, uma parte do “plano de reestruturação” da PT (no que concerne à venda da rede de cobre e cabo (v) ).
A machadada final à PT, deferida pelo grande capital está ainda dependente das entidades que “regulam” as operações bolsistas (CMVM – Comissão do Mercado de Valores Mobiliários) as comunicações (ANACOM – Autoridade Nacional das Comunicações) e a “concorrência” (AdC – Autoridade da Concorrência).
Sabendo que uma das principais razões da OPA se prende com a fusão da Optimus e da TMN, que deste processo resultaria uma concentração de 63% das comunicações móveis, que a PT tem um papel essencial, que é uma empresa estratégica para a economia portuguesa, poderíamos pensar que este é um processo inócuo, que as “entidades reguladoras” nunca darão o seu aval e que o Estado não abdicará da sua posição. Se assim fosse, a única motivação da Sonae neste processo era a sobrevalorização das suas acções no mercado especulativo da bolsa… mas, sabendo também que este é um jogo onde este tipo de lógica pouco interessa, que as regras estão pré-definidas para a promoção da acumulação de riqueza e que o Governo de José Sócrates dança à música dos grandes grupos financeiros, todos os desfechos são possíveis.
3º – A resposta
Numa fase em que a ofensiva contra os direitos dos trabalhadores e do povo português se massifica, quando o sistema adopta paradigmas suportados por poderosos meios de fabrico de consensos, a resposta tem de passar pela luta!
Para o desenvolvimento desta luta interessa esclarecer, desmistificar e mobilizar.
À OPA sobre a PT, às outras OPA’s que a dinâmica capitalista possibilita via concentração da riqueza nas mãos de muito poucos, terão de responder os trabalhadores com a luta. Na PT é fundamental a luta dos trabalhadores que, se se efectivarem as pretensões do Grupo Sonae, verão os seus direitos e postos de trabalho ameaçados.
Mas a resposta está também na luta de todos os trabalhadores por uma sociedade livre da tirania do “mercado”, da actividade especulativa e da lógica do lucro. Uma sociedade que efective o direito ao emprego e que mobilize as suas unidades produtivas para a satisfação de necessidades reais.
É certo que estes são tempos em que assistimos a retrocessos em muitas esferas da vida democrática. Mas não deixa de ser certo, também, que há sinais de resistência e que o povo português dispõe de um instrumento único para organizar a resposta à presente ofensiva – o Partido Comunista Português!
i No caso da PT, pode-se ler no nº 3 do “Anuncio preliminar de lançamento de oferta pública geral de aquisição de acções representativas do capital social da Portugal Telecom, SGPS, SA” enviada pela Sonaecom, que esta recorrerá ao Grupo Santander para financiar a acção; no caso da BRISA, segundo notícia vinculada pelo Jornal de Negócios n.º 725 de 31 de Março de 2006, uma eventual OPA pode aparecer dos “principais operadores espanhóis”, consumando-se assim, por intermédio dos Mello (presentemente com 30,92% dos direitos de voto), a transferência do controlo da BRISA para o estrangeiro.
ii Obrigações convertíveis: obrigações que podem ser convertidas num determinado número de acções do emitente por opção do obrigacionista. A opção de conversão não pode ser transaccionada separadamente da obrigação (…). Fonte: BCP Investimento, Bloomberg
iii Rosa, Eugénio (2006) “A OPA da Sonae sobre a PT–Telecom”, www.resistir.info/portugal/opa_pt_sonae.html.
iv Os estatutos da PT podem ser obtidos em http://www.telecom.pt/InternetResource/PTSite/ PT/Canais/investidores/GovernodaSociedade/Estatutos/estatutos_p.htm
v Em entrevista ao Expresso no dia 4 de Março, José Sócrates afirmou, "Aconteça o que acontecer, quer a OPA tenha sucesso ou não, uma coisa vai resultar: vamos ter mais concorrência nas telecomunicações. Vai haver uma separação entre as redes de cobre e cabo. Para que haja preços mais baixos, em particular no sector das comunicações, tendo em conta, por exemplo, o acesso à banda larga".