O artista militante

O artista militante

Margarida Tengarrinha

Como artista militante, José Dias Coelho teve uma participação activa na organização das Exposições Gerais de Artes Plásticas (EGAPs), fazendo parte do núcleo inicial desde a primeira realizada em 1946 e expositor desde a segunda.

No decurso dos dez anos em que estas exposições decorreram ficou bem claro o importante papel que elas desempenharam quer na renovação do panorama artístico português, quer na unidade antifascista dos intelectuais.

José Dias Coelho tinha-se matriculado na Escola de Belas Artes de Lisboa em 1942, e foi contemporâneo de Júlio Pomar, Victor Palla, Sá Nogueira, Fernando Azevedo, Vespeira e outros, que iriam influenciar o percurso das artes plásticas em Portugal. Desde logo mostraram o seu inconformismo com os padrões fossilizados que então vigoravam na EBAL.

Em 1943, Júlio Pomar publica um artigo intitulado «Da necessidade de uma Exposição de Arte Moderna» e em 1945 organiza com Victor Palla a «Exposição Independente», em Lisboa, onde participam outros jovens artistas. Tornava-se premente a necessidade de um espaço mais amplo e mais aberto a novas correntes e à liberdade de expressão artística, o que levou à organização da primeira Exposição Geral de Artes Plásticas na Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA). Isto tornou-se possível porque a direcção da SNBA tinha sido renovada, no decurso de um trabalho persistente para a alteração da correlação de forças através da adesão de sócios jovens e progressistas. Trabalho a que José Dias Coelho não foi alheio.

Com a sua perspicácia política e a sua capacidade para desenvolver os largos consensos que as EGAPs implicavam, ele soube dinamizar um trabalho colectivo em que participaram, ao longo de dez anos, artistas de várias correntes e sensibilidades. E assim, as EGAPs abriram as suas portas e congregaram unitariamente desde neo-realistas a surrealistas, naturalistas e abstractos, que de comum tinham o facto de negar-se a pactuar com a orientação definida por Salazar, como a «política do espírito», e que António Ferro procurava levar à prática no campo de cultura e particularmente nas artes plásticas, com o seu Secretariado de Propaganda Nacional (mais tarde Secretariado Nacional de Informação – SNI), que fora criado em 1933 segundo a matriz nazi, adaptada inteligentemente às nossas condições nacionais. Sem que se exercessem pressões nem censuras de carácter político ou estético, nas EGAPs reuniam-se os artistas que tinham, de forma mais ou menos explícita, ideais antifascistas.

E é um facto incontroverso que elas conglomeraram o que de mais válido e significativo surgiu então nas artes plásticas em Portugal. Constituíram, como era objectivo do núcleo organizador, uma ampla abertura para a apresentação de manifestações artísticas que lutavam pela conquista da expressão livre, pelo que a cada artistas interessava exprimir como fundo e forma. Acolheram pela primeira vez a fotografia como expressão artística e deram um incremento enorme à gravura nas suas várias modalidades, dentro do critério de que a gravura é uma das formas de arte que mais facilita a multiplicação e a divulgação ampla entre as camadas populares. Também pela primeira vez foram expostos maquetes e projectos arquitectónicos modernos e inovadores.

Novos artistas

Com as EGAPs a arte portuguesa encontrou o veículo adequado para o embate contra os obscurantismos estéticos, contra as limitações impostas por um meio restritivo e preconceituoso. E é assim que nas EGAPs, ao lado de artistas consagrados e mais idosos como o Mestre Abel Manta, Carlos Botelho, Mário Dionísio, Arlindo Vicente, Avelino Cunhal e o arquitecto Keil do Amaral, surgem com a força e a pujança da juventude novas camadas de artistas que iriam afirmar-se no futuro como artistas marcantes na arte portuguesa. Entre eles Júlio Pomar, Rolando Sá Nogueira, Rogério Ribeiro, João Hogan, João Abel Manta, Alice Jorge, Cipriano Dourado, Lima de Freitas, Maria Keil, Pavia, António Alfredo, Querubim Lapa, Jorge Vieira, Vasco da Conceição, Maria Barreira, Lagoa Henriques, Guilherme Casquilho, os arquitectos Castro Rodrigues, Victor Palla, Sena da Silva, Celestino de Castro, Conceição e Silva, Torres e muitos outros que se contavam entre os amigos de Dias Coelho e junto dos quais manteve uma influência política, quer no âmbito do Partido, quer do MUD Juvenil, na luta pela Paz, ou simplesmente na consciência antifascista.

Com muitos deles irá travar batalhas contra os métodos pedagógicos arcaicos na Escola de Belas Artes e pela eleição de júris idóneos e abertos à modernidade das exposições na Sociedade Nacional de Belas Artes, lutas de grande amplitude unitária, que levaram à demissão do director da ESBAL, o incompetente Cunha «Bruto», da cadeira que leccionava e à expulsão de sócio da SNBA do pintor do regime Eduardo Malta, no decurso de uma provocação por ele montada contra Dias Coelho, incidente que levou ao encerramento da SNBA como retaliação.

Quando a décima e última Geral de Artes Plásticas se realizou em 1956, já Dias Coelho militava há cerca de um ano na clandestinidade. Os colegas e amigos que a organizaram fizeram questão de marcar a presença do ausente expondo uma escultura sua, para que o seu nome figurasse no catálogo. Com esta acção de solidariedade discreta, mas significativa, eles quiseram prestar assim homenagem ao colega que tinha partido para outras batalhas.