Pedro Ramos Almeida
Durante mais de cinco séculos, uma das primeiras bases tradicionais da nossa formação humana, mental e escolar assentou no elogio exacerbado da colonização e do colonialismo português e do papel histórico que teria pretensamente desempenhado, tanto para o nosso crescimento e desenvolvimento, como para a felicidade e enriquecimento dos povos a quem de facto impusemos um domínio colonial.
Não serve a aceleração do progresso de nenhum ser humano conhecer mal a História da Humanidade e das leis que a movem.
Ajudarmo-nos uns aos outros a aclarar as leis que têm comandado a nossa História é rasgar o caminho da responsabilização da nossa consciência e fazer crescer a liberdade humana de actuar, confirmando e alargando Abril.
Refractários e desertores contra a guerra colonial
O Avante!, correspondendo a um sentimento de protesto patriótico, crescente entre as massas populares e os jovens recrutados para a guerra, lança em fins de Maio de 1961 um apelo geral à deserção contra a guerra colonial. Era, à escala nacional, a primeira grande palavra de ordem revolucionária por um amplo movimento pela ausência e deserção das forças armadas portuguesas, contra a guerra colonial, declarada e movendo-se em Angola, desde Fevereiro de 1961.
A posição do PCP era, note-se, simultaneamente a de que os seus militantes deveriam de preferência ser ganhos para embarcar e lutar contra a guerra e a opressão coloniais na própria guerra; já em relação à massa incorporada ou em vias de incorporação, a grande campanha de luta pela paz visaria claramente a sua ausência ou deserção. E, de facto, a percentagem de ausências rondará primeiro e ultrapassará depois, largamente, 15% do número total de incorporados…
O Governo e o seu aparelho do Estado fascista e colonial, as suas forças militarizadas e policiais estavam em campo desde o início. Mas não chegavam para as encomendas: porque era necessário conjugar acções, unir e mobilizar as classes dominantes e reprimir camadas populares e trabalhadores, e ao mesmo tempo recrutar e recrutar soldados para uma guerra injusta que não era nem querida nem popular e que, ano após ano, já passara da frente de Angola, às três frentes de Angola, Guiné e Moçambique, com centenas de milhar de km2 e com diferenciadas, quando não contraditórias, situações militares, sociais e políticas…
Já em 21de Setembro de 1961, Jorge Jardim, informador predilecto e agente especial de Salazar, que abandonara Angola em Maio e voltara em Agosto, lhe escrevera salientando como os poderosos se escapavam à guerra colonial que os servia: “Um dos aspectos que me preocupam nesta guerra é a indiferença, ao menos aparente, das nossas elites, pelo combate que em Angola se trava (…). Das elites do país (da política, do sangue, da finança) nada encontrei por estes caminhos de Angola (…). Mas não há meia dúzia para lutar em Angola? Eles ou os filhos? Desde Março que os procuro (…). Nesta guerra, como me dizia o general Gomes Araújo, queimam-se generais, distinguem-se capitães”.
É interessante notar que mesmo Franco Nogueira, o ministro-cronista do regime salazarista, escolhido por Américo Tomás, não deixa, ao defender o carácter “patriótico” da guerra colonial, de distinguir a “massa popular” que se bate, da “alta burguesia” que é “a favor de todos os sacrifícios, se os outros os suportarem”…
Para além desta crítica certeira aos filhos – família dos senhores do regime, ou dos senhores a quem o regime servia – sempre prontos a falar de sacrifício, para sacrificar os outros – Franco Nogueira parece ter ignorado que em nenhum outro país colonizador da Europa Ocidental, houve um movimento semelhante de refractários e de deserções maciças à guerra colonial. Se atendermos aos números apresentados em 1988 pelo próprio Estado-Maior do Exército, vemos que a sua proporção foi sempre crescendo. Tomando os dados referentes aos recenseados e contabilizando seguidamente os apurados e faltosos, verificamos que em 1961 a percentagem de faltosos foi de 11,68%; em 1962, já era de 12,8%; em 1963, atinge os 15,6%; em 1964, subia para 16,5%; em 1965, alcançava os 18,6%; em 1966 mantinha-se nos 18,4%; em 1967 picava para os 19,2%, conservando-se nos 18,6% em 1968! E note-se que em 1970, 1971 e 1972 passava sempre os 20% (20,9%, 20,3%, 20,3%)! Será este o movimento da “mística colectiva” em que se refugiava Franco Nogueira?
Que eu saiba, não há neste campo, na Europa Colonial, um movimento semelhante de resistência à guerra colonial.
Três guerras coloniais. Um racismo crescente…
Salazar era um perito pragmático a manejar os princípios e conceitos imperialistas básicos. Um especialista, em quem, inesperada e discretamente, cada vocábulo ia evoluindo. Com o correr dos tempos, tornavam-se semanticamente distintos – embora mantendo-se idênticos –, ganhando, pela prática, acentuações e conteúdos dissemelhantes, ou mesmo opostos, consoante as fases de luta e as necessidades e possibilidades das classes dominantes e do seu poder político.
Exemplos claros do que dizemos encontram-se na evolução da forma, como Salazar foi valorizando os diferentes ângulos do racismo: antes da II Guerra Mundial, sob a pressão nazi-fascista, como concepção do mundo e princípio geral da acção; depois, ainda nos anos trinta, mas mais clara e pressionante nos anos sessenta, da guerra colonial, ele voltará ao racismo colonial como forma discriminatória própria do regime…
Em 30 de Julho de 1930, Salazar pronuncia um discurso (Princípios fundamentais da revolução política), na Sala do Conselho de Estado do Ministério do Interior, para promoção da União Nacional (UN). Diz ele, falando dos “princípios fundamentais da nova ordem das coisas”: “Na nova ordem política a primeira realidade é a existência independente da Nação Portuguesa, com o direito de possuir fora do continente europeu, (!) acrescendo à sua presença peninsular, por um imperativo categórico da História, e pela sua acção ultramarina em descobertas e conquistas, e pela conjugação e harmonia dos esforços civilizadores das raças (sublinhado nosso) o património marítimo, territorial, político e espiritual abrangido na esfera do seu domínio ou influência”. Enfim, são as demagogias nacionalista e fascista, racista e colonialista que marcaram encontro com Salazar desde os primórdios da sua acção de governante…
Em Dezembro de 1932, Salazar concede uma entrevista a António Ferro que nesse mês sairá no Diário de Notícias e que, em Janeiro e Fevereiro de 1933 será publicada, depois de nova revisão, em livro (Salazar, o homem e a sua obra), de que foram lançados, no mês de Fevereiro de 1933, 125.000 exemplares! E lá voltará a raça, “as formidáveis qualidades da raça”, cujo aproveitamento permitirá dar à “Nação” uma doutrina “nova”. A raça tudo determina: a própria “revolução russa” de 1917 é “um fenómeno puramente rácico”. Para Salazar a raça russa é que não prestava, subentende-se…
E afirmará (A Nação na política colonial) – no ano de 1933, a 1 de Junho, na abertura solene da I Conferência dos Governos Coloniais: “o orgulho que sinto de o Estado Novo ter feito inserir na Constituição Política (…) a nossa posição de grande potência colonial” (!) (…) “ por cima de tudo, porque mais alto e mais belo, devemos organizar cada vez mais eficazmente e melhor a protecção (!) das raças inferiores cujo chamamento à nossa civilização cristã é uma das mais altas obras da civilização portuguesa”.
Que o racismo e o colonialismo vão tentar legitimar-se em Portugal, na Europa e no mundo, através da acção continuada de potências e ditaduras racistas e colonialistas, designadamente europeias, documentam-no também as palavras que Salazar profere a 13 de Abril de 1961, perante a manifestação “espontânea”, com a presença de “representantes de Angola”, de “apoio e agradecimento” a Salazar, na Sala dos Passos Perdidos da Assembleia Nacional: “A verdade é que o amaldiçoado colonialismo (…) levou a paz a África, permitiu o convívio das populações, promoveu o crescimento demográfico, dotou o continente de mais largos meios de comunicação, descobriu e explorou riquezas, e pôs os seus 240 milhões de homens em contacto com a civilização” (e a escravatura…) (…) “O caminho seguido (…) era fatal fizesse eclodir outra espécie de racismo – o racismo negro – (?!) E assim se chegou à infeliz situação actual”.
Amaldiçoados negros! Apesar da continuada “protecção das raças inferiores”, na paz como na guerra, ainda querem impor o racismo contra os brancos! Valerá a pena que os brancos se sacrifiquem tanto?
Uma guerra colonial contra a descolonização africana e mundial
Em Fevereiro de 1961, quando em Angola, Guiné e Moçambique começou a ganhar expressão o movimento social armado, pela formação e libertação nacionais dos povos oprimidos sob domínio colonial português, já o movimento anticolonial ia bastante adiantado no conjunto do continente africano.
Sem considerar agora aqueles Estados coloniais em que colonialistas e colonizados vivem no mesmo espaço geográfico, tal como acontecia com a África do Sul e a Rodésia do Sul, só sete Estados africanos eram então formalmente independentes:
· Libéria, Estado costeiro constituído na sequência da revolução anti-esclavagista americana, em 1886; sito em África, na Costa Ocidental, a sul da Serra Leoa, para reexportar ex-escravos americanos. Acabaram por regressar só 20.000, que mal se integraram na população africana, a tal ponto que só 15% da actual população fala inglês.
· Egipto (2.001.000 km2) e Etiópia (1.222.000 km2), independentes desde 1945; Sudão (2.506.000 km2) e Tunísia
(164.020 km2), desde 1956; Gana (239.000 km2), 1957; Guiné-Conacry (246.000 km2), 1958. Sete Estados que ocupavam uma superfície aproximada de 5.400.000 km2.
Em 1960, sobretudo por iniciativas neocolonais francesas, são declaradas independentes 16 colónias, designadamente: Benim (113.000 km2), Burkina Faso (actual designação do Alto Volta, 274.000 km2), Camarões (475.000 km2), Chade (1.284.000 km2), Congo-Brazaville (342.000 km2), Costa do Marfim (322.000 km2), Gabão (268.000 km2), Madagáscar (587.000 km2), Mali (1.240.000 km2), Mauritânia (1.025.000 km2), Niger (1.267.000 km2), Nigéria (942.000 km2), República Centro-Africana (623.000 km2), Senegal (196.000 km2), Togo (57.000 km2), Zaire (2346.000 km2) – que, por si só, atingindo um caminho próximo da independência formal, somavam uma área conjunta de mais de 11 milhões de km2!
De 1961 a 1969, outros 12 Estados alcançarão a independência em África, com formas diversas de soberania própria (1961: Lesoto, (30.000 km2), Serra Leoa (72.000 km2) e Tanzânia (945.000 km2); 1962: Argélia (2.382.000 km2), Burundi (28.000 km2), Ruanda (26.000 km2) e Uganda (236.000 km2); 1963: Quénia (580.000 km2); 1964: Malawi (118.000 km2); 1966: Botswana (582.000 km2); 1968: Maurícia (Ilha) (2.060 km2); 1969: Líbia (1.750.000 km2). Ao todo, estes 12 novos Estados abrangem cerca de 6.750.000 km2.
Ou seja: Em 1959, os sete Estados africanos independentes, que não viviam em situações de expressa dependência colonial e carência de soberania, totalizavam, como vimos, cerca de 5.400.000 km2 (17,8% do total africano). Em 1969, percorridos os anos sessenta, cinco ou seis anos antes da independência das colónias portuguesas, os Estados africanos formalmente soberanos já abrangem mais de 78% de superfície africana! Tal é, mesmo com todos os limites que lhe tenham sido impostos, o sentido dominante do movimento libertador dos anos sessenta em África!
É todo este avanço dos Estados e povos africanos que querem ser independentes, que se entreajudam e que entreajudam e que desse modo buscam criar no mundo uma frente livre de Estados não imperialistas, nem colonialistas, opostos à exploração dos Estados mais fortes pelos Estados mais ricos, que desagradam ao Governo de Salazar.
É nessa base que com pleno acordo da África do apartheid, ele vai procurar agir para que, como efectivamente veio a acontecer, se forme uma aliança ou cooperação de Estados colonialistas, com a participação, além de Portugal, da África do Sul, Rodésia, Niassalândia, etc..
Em finais de Agosto de 1963, escreve Salazar ao Primeiro-Ministro da África do Sul, H. Verwoerd, “uma longa carta secreta”, onde, designadamente, se lê: “Nós estamos quase sós em África, Senhor Primeiro-Ministro, e se a Rodésia do Sul for compelida a aceitar as condições que tenho visto expostas na imprensa no sentido do domínio absoluto da raça negra, penso que não ficarão então no continente africano mais que os territórios portugueses e a União Sul Africana a representar e defender a civilização do ocidente (…) (1) : “Felizmente a guerra no seu aspecto de luta subversiva, empreendida por terroristas, ou de luta clássica travada por exércitos dos países independentes, está muito longe das vossas fronteiras, mas rapidamente estará às vossas portas, se Portugal não puder resistir. Quer isto dizer que há interesse ocidental e claramente sul-africano em que tal hipótese se não verifique, e por esse motivo todas as formas de cooperação que possam ser dadas a Portugal nos territórios de Angola e Moçambique são muito úteis à nossa resistência, à vossa defesa própria”. (…)
Duas guerras opostas e complementares: a pública e a secreta
A Guerra Colonial de Angola, Guiné e Moçambique foi a forma suprema que assumiram as tentativas muitas vezes contraditórias, de salazaristas e imperialistas para atacar, confundir, corromper, destruir e ultrapassar o movimento popular armado angolano, guineense e moçambicano pela autonomia e independência; e, simultaneamente a forma de combater e reprimir a crescente troca de informações, cooperação e entreajuda entre o MPLA, PAIGC e FRELIMO e as forças operárias, democráticas e progressistas portuguesas na luta pela paz, pela autodeterminação e independência dos povos e territórios coloniais.
Em meados de 1961, diz Franco Nogueira, os serviços “especializados” da embaixada salazarista no Congo tomaram conta de vários documentos oficiais que conseguiram obter em meios africanos: designadamente, um protocolo de acordo político entre o Encarregado de Negócios americano em Leopoldville e Holden Roberto, discriminando subsídios financeiros e fornecimento de armas; e o original do passaporte emitido pelo Ministério do Interior da Tunísia (sob forte influência norte-americana) a favor de Joe Gilmore, pseudónimo de Holden Roberto, com vistos de vários Estados, incluindo dos EUA… Salazar, ao tomar deles conhecimento, comenta, sorridente, ao observar que documentam a passagem de Holden Roberto e da sua UPA, de supostos anticolonialistas a subordinados do neocolonialismo americano: “Guardamo-los como se de nada soubéssemos para os usarmos na altura própria. Que bela coisa!” Era a prova acabada da intromissão do neocolonialismo americano com a sua solução egoísta própria, na questão colonial africana e portuguesa.
Por seu turno, Jonas Sidónio Malheiro Savimbi teria começado a ser sondado pela CIA através do dirigente queniano Tom Mboye, em 1961. Na ocasião, Savimbi já estava ligado à UPA de Holden Roberto. Foi mesmo, até 1964, alto dirigente da UPA/FNLA/GRAE, tendo vindo a ser designado Ministro dos Negócios Estrangeiros do chamado Governo Revolucionário de Angola no exílio, como representante da tendência pró-americana, cargo de que se demitiu apenas em Julho de 1964. Desde essa época teria tido contactos com a CIA (como já vimos) com o colonialismo português e o seu governo (como veremos imediatamente a seguir), com o apartheid, com traficantes de diamantes e de armas, etc., etc..
Neste contexto, era também de tal modo um colaborador próximo do colonialismo português em guerra que, no dizer de Silva Cunha, o último ministro caetanista da Defesa Nacional e o penúltimo ministro do Ultramar”, “quando eclodiu o 25 de Abril estava-se à beira de uma solução, baseada na reintegração de Savimbi, com a organização que chefiava, na soberania portuguesa”. (2) e (3) Quer dizer: no estertor do colonialismo português, apresentavam-se em Angola, contra o seu domínio, não um, mas dois candidatos contraditórios a sucessores – os partidários de um regime anticolonialista de formação e libertação nacionais e revolucionários, e os adeptos de um regime neocolonialista americano ou de ascendente de americano, que pretende fazer consagrar uma nova forma de integração colonial-imperialista, sob uma “soberania” africana de forte base tribal e meramente formal, de longínquo e cada vez mais indirecto controlo popular.
Era o globalismo imperialista que avançava, a longo prazo, numa fase já adiantada da crise do sistema colonial tradicional, impondo novas formas neocoloniais de integração monopolista, porém sempre destituídos de base democrática, carentes de órgãos de poder assentes directamente no sufrágio universal ou de acompanhamento da sua conduta, de verificação e correcção do poder.
Uma grande vitória da democracia e do anticolonialismo
A derrota revolucionária do colonialismo português, em África, em Portugal e no mundo, foi uma derrota histórica e internacional do colonialismo e do imperialismo, uma grande vitória da secular luta de formação e libertação nacional dos povos de Angola, Guiné e Moçambique. Foi também uma vitória da sua aliança com a luta operária, trabalhadora e popular da população portuguesa contra o fascismo e o colonialismo, que robusteceu a sua própria acção pela democracia e a independência e soberania nacional.
Foi uma luta que teve importantes consequências internacionais, sociais e democráticas. Em África, a sua vitória contribuiu, à sua escala, para a derrota do apartheid na África do Sul, para a libertação da Namíbia e do Zimbabwe e até, muito antes, para o desaparecimento de consagrados conspiradores imperialistas como Jan Smith e Tschombé.
A luta anticolonialista em Portugal é uma luta de massas historicamente recente. Só no quadro do fascismo salazarista é que a consciência anticolonial se veio a desenvolver com a intervenção das massas operárias, trabalhadoras e populares numa luta que se foi estreitamente ligando, graças à acção do PCP, às restantes frentes de lutas reivindicativas, políticas e sociais, contra a ditadura salazarista.
Durante quase cem anos de liberalismo, monárquico e republicano, o anticolonialismo não teve expressão corrente na acção das massas. Para os grupos sociais dominantes, o colonialismo era uma ideologia e uma prática aparentemente apenas condenável a muito longo prazo; entretanto, era natural e admissível que os Estados mais ricos e poderosos tirasse dele proveito.
É quase só de facto com o aparecimento, em 1921, do Partido Comunista Português, que a análise e a prática anticolonialistas se vão tornando mais conhecidas. Como o PCP surge cinco anos antes da Ditadura Militar e aproximadamente dez anos antes do salazarismo fascista, pode-se dizer que é com o fascismo que a acção e a teoria anticolonialistas vão crescer em Portugal, embora nem sempre com a necessária autonomia e valorização.
· Para falar em anos já mais recentes, próximo dos anos sessenta, refira-se que a V Reunião Ampliada do CC do PCP, em 1954, “(…) considera necessário intensificar a luta dos povos coloniais que são aliados da nossa luta”.
· Um ano antes, no decorrer do IV Festival Mundial da Juventude (Bucareste) entre as delegações do MUD Juvenil (Aurélio Santos e outros) e de organizações juvenis de territórios sob domínio colonial português (Marcelino dos Santos, Vasco Cabral e outros) é formalmente expresso o reconhecimento aos “jovens e povos das colónias portuguesas do direito à sua independência nacional”. Oito anos antes do início da guerra colonial de Angola!
· Em 1954 crescem as acções pela paz em Goa, sob a forma de concentrações, manifestações, abaixo-assinados, distribuição de documentos, nomeadamente em Sacavém, Póvoa, Alhandra, Alverca, Amadora, Pias, Vale de Vaigro, Santarém, Serpa, Santiago do Cacém, etc..
· Os soldados de Caçadores 5 (Lisboa), Caçadores 6 (Abrantes), Infantaria 11 recusam oferecer-se como voluntários para expedições militares colonialistas.
· Em meados de Setembro, a Comissão Central do MUD Juvenil e a IV Assembleia de Delegados do Movimento deliberam que nos meses mais próximos, o sentido dominante da sua iniciativa política girará em torno da luta pela paz na Índia e pela restituição à liberdade dos dirigentes do MND, nela empenhados.
· Em Junho de 1955, o Avante!, escreve: “O colonialismo tem os seus dias contados. Nem os discursos de Salazar, nem os planos, nem as medidas de guerra, nem a intensificação da repressão e da exploração o poderão salvar”. Seis anos antes de comeaçar a guerra colonial!
· A acção e o pensamento contra a guerra colonial e o colonialismo, e as suas consequências para Portugal, a sua soberania e o seu desenvolvimento, vão-se entretanto alargando a sectores católicos e repercutindo mesmo em meios militares, igualmente sujeitos a pressões imperialistas americanas que pretendem não perder o comboio da evolução africana.
· Ainda em 1955, em Agosto, a VI Reunião Ampliada do CC do PCP defende a abertura de negociações relativas à questão de Goa e o direito à autodeterminação dos povos das colónias portuguesas.
· Em 31 de Janeiro de 1961, é elaborado e assinado por mais de meia centena de individualidades liberais e democráticas, o documento “Programa para a Democratização da República”, cujo primeiro signatário é Mário de Azevedo Gomes. É redigido por Mário Soares, José Ribeiro dos Santos, Francisco Ramos da Costa e Piteira Santos. Pretende definir “uma política coerente de centro-esquerda”. E dar a conhecer “uma linha de pensamento estilo europeu”, desmentindo assim o velho dilema absurdo da propaganda oficial, de que as únicas alternativas seriam “o comunismo ou o caos”. Todos os signatários serão incriminados, mas virão a ser abrangidos por uma amnistia. Na questão colonial, retomando velhas posições liberais, diz expressamente o Programa para a Democratização da República: “Promover-se-á como condição de desenvolvimento económico a eliminação das barreiras alfandegárias entre e Metrópole e o Ultramar (…) por forma a assegurar-se a livre circulação de pessoas e mercadorias”.
· O vigário-geral da diocese de Luanda , reverendo Mendes das Neves é preso em Luanda. Acusação: “ser o chefe da organização responsável pelo actos terroristas em Angola”. Neste mesmo ano, oito padres angolanos serão deportados para Portugal: padre Franklim da Costa, exilado em Braga; padre Alfredo Osório, em liberdade vigiada em Viana do Castelo; padre Gaspar Domingos, torturado durante meses, exilado em Lisboa; padre Martinho Samba, preso e torturado durante 6 meses; padre Joaquim de Andrade, quatro vezes preso, padre Alexandre do Nascimento, preso (já antes estivera preso); padre José Vicente; padre Lino Guimarães, preso e torturado. (4)
· A Conferência Episcopal de Angola denuncia, logo após o desencadear da luta armada, “os atentados contra a vida quaisquer que sejam os seus autores” e apoia “as aspirações justas e legítimas dos negros” (Pastoral de 17 de Abril de 1961).
· Em 31 de Janeiro de 1962, dezenas de milhar de pessoas manifestam-se no Porto, gritando “Abaixo o fascismo!”, “Paz em Angola”. Dezenas de manifestantes são presos.
· A 12 de Março de 1962, principiam as emissões da Rádio Portugal Livre, órgão de informação do PCP, que se manteve diariamente em actividade durante mais de 12 anos, até pouco depois do 25 de Abril. Será um dos mais importantes, escutados e influentes órgãos de informação do PCP. A seu lado, surgirá em 1964, a Rádio Voz da Liberdade, órgão unitário da FPLN, que será também um órgão de informação democrático, em emissões trisemanais. Ambas desempenharão um papel de relevo na mobilização e esclarecimento populares contra a guerra colonial e o colonialismo.
· Julho de 1962: Agostinho Neto, dirigente do MPLA – acompanhado da sua mulher, Maria Eugénia, e de dois filhos pequenos, e Vasco Cabral, dirigente do PAIGC, evadem-se clandestinamente de Portugal a partir da Doca do Bom Sucesso, em Pedrouços, graças à cooperação de antifascistas portugueses, entre os quais os dirigentes do PCP Jaime Serra e António Dias Lourenço.
· Salazar, para colocar alguma pressão nas reservas norte-americanas à sua política africana, resolve reconhecer o Governo da China Popular. Por isso, “escolhendo o homem a enviar a Pequim”, opta pelo seu agente especial Jorge Jardim, que é chamado “com urgência” a Lisboa. Mas o receio das reacções norte-americanas, leva-o a adiar a concretização do seu plano. (Fevereiro, 1964)
· Em Setembro de 1965, realiza-se o VI Congresso do PCP, que será o último a conhecer nesse século a clandestinidade. É nele que se aprova o Programa para a Revolução Democrática e Nacional que assinaladamente destaca como objectivo o fim das guerras coloniais e do colonialismo.
· 3 de Outubro de 1965: Inicia-se em Des-es-Salam a II Conferência da CONCP dos movimentos de libertação da África Colonial Portuguesa – Frelimo, MPLA, PAIGC. Estão presentes como observadores convidados, representantes da oposição antifascista e anticolonialista portuguesa, designadamente uma delegação da JRP da FPLN, composta pelo Dr. Rui Cabeçadas (já falecido) e o autor. É um caso relativamente excepcional na história anticolonial europeia e mundial, este nível de cooperação – na fase da luta armada e da guerra colonial – entre os sectores mais progressistas do movimento de libertação e os sectores mais progressistas do democrático do Estado ocupante, entre os povos colonizados e o povo do Estado colonialista. A conferência durou 8 dias tendo a delegação portuguesa usado da palavra, a convite da Conferência.
· 4 de Outubro de 1965 é divulgado o “Manifesto dos 101 católicos que abertamente tomam posição contra a guerra colonial, criticando a cumplicidade da hierarquia católica com o regime de Salazar. Entre os seus signatários figuram os nomes de Sofia de Melo Breyner, Pereira de Moura, Lindley Cintra, Alçada Batista, Helena Cidade de Moura, Lino Neto, Ruy Belo, Aurora Cunha Monteiro, Domingos Megre, Manuel Megre, João Bérnard da Costa, José Manuel Galvão Teles, Nuno Teotónio Pereira, Pedro Tamen, Vitor Wengorovius, etc..
· Em Janeiro de 1968, Lisboa manifesta-se abertamente contra a guerra colonial, apesar da repressão salazarista.
O crescimento da luta popular democrática que consagrará, a partir de Setembro de 1968, o desaparecimento político, e depois físico, de Salazar, anunciarão logo, desde 1968/1969, novos tempos para Portugal! É a grande afirmação da certeza que o fascismo, a guerra e o colonialismo têm os dias contados e que chegou agora a hora de lutar mais livremente pelo triunfo da liberdade, da independência nacional, da soberania popular e da paz.
Abril chegará e com ele a descolonização conquistada graças à heróica luta dos povos de Angola, Guiné e Moçambique e do povo português.
(1) Franco Nogueira – Salazar: a resistência – 1958/1964, (vol. V), Livraria Civilização, 1984, pág. 513-519.
(2) Silva Cunha – O Ultramar,a Nação e o 25 de Abril, Atlântida Editora, Coimbra, 1977.
(3) João Paulo Guerra – Savimbi. Vida e Morte, Livraria Bertrand Editora, Lisboa, 2002.
(4) Raymond Thidimbo: “Dom Raymond Thidimbo e a Angola de Salazar”.
«O Militante» – N.º 260 Setembro/Outubro de 2002