José Dias Coelho – Um artista revolucionário

José Dias Coelho – Um artista revolucionário

 
No espaço das artes plásticas da Festa do Avante! estará em destaque a vida e a obra de José Dias Coelho, artista plástico e funcionário clandestino do PCP, assassinado pela PIDE em Dezembro de 1961. Durante a sua vida de revolucionário, este genial artista colocou o seu talento ao serviço da causa da democracia e do socialismo e do seu Partido, o PCP.

A vida de José Dias Coelho está indelevelmente ligada ao PCP e ao jornal que dá nome à Festa que este ano o evoca, 45 anos depois da sua morte. Artista plástico de grande sensibilidade, José Dias Coelho colocou todo o seu talento e saber ao serviço do seu Partido.

Na clandestinidade, entre outras tarefas, trabalhou na oficina de falsificações de documentos. Graças aos seus firmes dedos de artista, foi possível a muitos destacados militantes e dirigentes comunistas escaparem às garras da repressão. São suas muitas das mais conhecidas e significativas gravuras que, durante anos, surgiram na imprensa clandestina do Partido. A tipografia clandestina ou Jovem Comunista são apenas algumas das suas mais relevantes obras artísticas.

Possuidor de uma sensibilidade multifacetada, foi também responsável pela edição de um livro sobre a violência e repressão fascista e a luta pela democracia em Portugal. Interrompido pela sua morte prematura – assassinado pela polícia fascista – o livro A resistência em Portugal(escrito em estreita colaboração com a sua companheira Margarida Tengarrinha) circulou clandestinamente no País e conheceu edição legal poucos meses após a Revolução.

Na Festa do Avante! estarão patentes obras das várias fases da vida deste artista plástico, enquanto estudante de Belas Artes e, depois, enquanto funcionário clandestino do PCP.

Em Janeiro de 1962, o Avante! publica na primeira página uma gravura representando José Dias Coelho. Uma gravura de stencil, feita com a mesma técnica que ele tantas vezes utilizou. Ao lado, um texto de denúncia da repressão e de mais um crime do fascismo. Linhas de louvor a uma vida dedicada a uma causa maior. Um texto de raiva, em que é visível uma dor lancinante. Mas, sobretudo, um texto que deixa transparecer a confiança e a determinação em prosseguir a luta contra o fascismo e pela construção de um Portugal livre e justo a que José Dias Coelho dedicou toda a sua vida, talento e sensibilidade. Como o próprio Dias Coelho escreveu um dia, «das sementes lançadas à terra é do sangue dos mártires que nascem as mais copiosas searas». O seu exemplo deu frutos e dele – e do de outros – se fez Abril.

Transcrevemos, na íntegra, esse texto histórico:

A PIDE assassinou José Dias Coelho

«No dia 19 de Dezembro foi assassinado a tiro pela PIDE na Rua dos Lusíadas em Alcântara o camarada José Dias Coelho, de 38 anos de idade, membro da Direcção da Organização Regional de Lisboa do Partido Comunista Português.

«O crime foi cometido por uma brigada de 5 agentes da PIDE que saindo de um automóvel o assaltaram em plena rua, disparando dois tiros contra o nosso camarada, que não tinha consigo qualquer arma. Um tiro à queima roupa, em pleno peito, deitou-o por terra e outro foi disparado com ele já no chão.
«Isto passou-se cerca das 8 horas da noite. Precipitadamente, os assassinos meteram o nosso camarada no automóvel e só 2 horas depois o foram entregar, já a expirar, no Hospital da CUF. Que fizeram os bandidos da PIDE a este homem moribundo, nas duas horas em que o tiveram em seu poder?

«Sabemos que o nosso camarada ao chegar ao hospital, tinha somente um bilhete de identidade consigo. Desaparecera a carteira, com 20.000$00, o retrato da filha, a própria aliança. Depois do crime, cometido friamente, os assassinos da PIDE tiveram a crueldade de deixar sem socorros médicos durante duas horas um homem gravemente ferido, que eles não sabiam se se poderia salvar e não hesitaram em roubá-lo.

«Era intuito dos criminosos esconderem a identidade do nosso camarada, para evitarem os protestos da família e dos amigos e a indignação do nosso povo por mais este crime enterrando-o sob uma falsa identidade. Isto porque José António Dias Coelho era um conhecido escultor, com muito prestígio no meio artístico e intelectual. E o seu assassinato levantou nesses meios e em todo o povo trabalhador a mais viva repulsa e protesto.

«Ainda muito jovem, José Dias Coelho aderiu à Frente Académica Antifascista e, mais tarde, já aluno de Belas Artes, fez parte do MUD Juvenil, tendo participado em várias lutas académicas, nomeadamente no movimento de protesto contra a demissão dos professores das várias faculdades, que culminou com a luta contra as forças repressivas na Faculdade de Medicina, em 1947.

«Foi um dos dirigentes das lutas da sua escola pela Associação Académica, das lutas em defesa da paz e contra a reunião do Pacto do Atlântico em Lisboa em 1952, pelo que foi expulso da Escola Superior de Belas Artes, proibido de ingressar em qualquer outra faculdade do País, e demitido do seu lugar de professor do Ensino Técnico.

«Ele poderia ter sido um bom escultor, pois era um artista cheio de sensibilidade e talento, mas nunca quis dissociar a sua vida de homem, os deveres que lhe impunham os seus elevados ideais, da sua actividade de artista. Por isso sacrificou à sua coerência de vida a carreira artística e ingressou no quadro de funcionários do Partido Comunista, onde melhor poderia lutar pela libertação do nosso povo da tirania fascista. Membro do Partido há muitos anos, durante os sete anos que viveu na clandestinidade, José Dias Coelho entregou-se totalmente ao trabalho do Partido, com uma dedicada abnegação que levou até ao sacrifício da própria vida.

«Como Dias Coelho escreveu ao recordar a memória de Maria Helena Magro, falecida na clandestinidade, nós repetimos a seu respeito: “Não te dizemos adeus, camarada! As tuas mãos cerradas não com as nossas mãos cerradas. A tua voz vai com as nossas vozes cantar mais alto a liberdade do nosso povo e, sob a bandeira do nosso Partido, os teus olhos hão-de olhar com os nossos olhos, o Portugal feliz que não reviveste.”»

Apelo

«Este crime não pode ficar impune! Corre um abaixo-assinado em vários pontos do País exigindo um inquérito e castigo dos culpados. Subscrevamo-lo!

«Façamos telefonemas e enviemos telegramas, cartas e postais ao Governo, ao Ministro do Interior e às autoridades locais, civis e religiosas, exigindo o castigo dos culpados!

«Por toda a Europa, onde este crime causou a maior repulsa, corre um abaixo-assinado entre os intelectuais, com um protesto dirigido ao governo português. O Socorro Popular francês enviou à embaixada portuguesa em Paris um veemente protesto contra este crime do fascismo salazarista.

«Exijamos o imediato castigo do bando de assassinos da PIDE!»

Os assassinos

«Dos 5 agentes da brigada da PIDE que na noite de 19 de Dezembro abateram a tiro o camarada Dias Coelho, só dois se identificaram: o assassino, agente Manuel Lavado, morador na Estrada da Damaia, 43, r-c D.º, e o agente n.º 396, Pedro Ferreira.

«Tudo leva a crer que esta brigada era chefiada por José Gonçalves, criminoso conhecido da PIDE e assassino confesso do camarada Alex, em 1945.

«Estes criminosos, como tantos outros que mantêm pelo terror e o crime a tirania salazarista, não ficarão impunes. Um dia virá em que a justiça popular os alcançará lá onde eles estiverem!»

Artigo publicado na Edição Nº1705  do Avante!