Avante! faz 75 anos – Páginas de uma história heróica

Avante! faz 75 anos – Páginas de uma história heróica

 
Indissociavelmente ligada à história do PCP, a história do Avante! é a história da coragem e da dedicação de gerações de comunistas que dedicaram toda a sua inteligência, engenho e sensibilidade para fazer um jornal que constitui um dos mais notáveis exemplos de imprensa clandestina de todo o mundo. Uma história de que os actuais obreiros do Avante! e todos os militantes comunistas se orgulham e à qual darão a necessária continuidade.

Há 75 anos, um pequeno jornal dirigia-se «Ao proletariado de Portugal», incitando-o para a organização e para a luta contra o fascismo que despontava. Estava-se a 15 de Fevereiro de 1931 e saía o primeiro número do Avante!, órgão central do Partido Comunista Português.
O Avante! não foi o primeiro jornal do PCP. Logo no ano da fundação do Partido, dez anos antes, em 1921, é lançado O Comunista. Em 1929 sai O Proletário. Como outros, estes órgãos tiveram uma vida efémera. Com dirigentes naturalmente inexperientes, mal preparados e com fraca formação marxista-leninista – muito influenciados ainda por concepções anarco-sindicalistas e oportunistas –, embora determinados e convictos, o PCP debate-se com grandes dificuldades nos primeiros anos de vida. O golpe militar fascista de 28 de Maio de 1926, na véspera do início do II Congresso do Partido, e a imposição da clandestinidade no ano seguinte, agravaram ainda mais as já difíceis condições em que actuava o PCP. Tudo isto teria reflexos na imprensa partidária.
A conferência de Abril de 1929, onde foi designado secretário-geral Bento Gonçalves, marca o início da reorganização do Partido. Este processo, que passou pela revisão dos processos de trabalho e de aspectos fundamentais da linha política, acabaria por transformar um núcleo de comunistas dedicados, corajosos e relativamente activos, num partido proletário, marxista-leninista, mais preparado para resistir e lutar em condições de clandestinidade e de feroz perseguição policial. Dois anos depois, nascia o Avante!.

Entre duas reorganizações

A reorganização dá os seus frutos. O Partido cresce, alarga a sua influência junto da classe operária e dos trabalhadores, dirige as suas lutas. São anos de grandes greves operárias, do 18 de Janeiro de 1934, da revolta dos marinheiros dois anos depois.

Apesar dos avanços, o Partido vive anos difíceis. O fascismo ganha um novo fôlego com a liquidação da República espanhola e com o desencadear da Segunda Guerra Mundial e concentra sobre o PCP as suas forças repressivas. A repressão abate-se sobre os comunistas e desfere rudes golpes na organização do Partido. Em 1935, é preso o Secretariado e destacados militantes caem às mãos da polícia política. A falta de quadros provados e experimentados que assegurem a existência de uma direcção capaz faz-se sentir.

O Avante! acompanha a evolução do Partido e a sua saída é irregular. Neste período, a sua publicação é interrompida, e de novo retomada, por cinco vezes. Apesar disto, entre 1937 e 1938, nos anos da Guerra Civil Espanhola, onde combateram muitos comunistas portugueses, o Avante! chega a ser semanal, com tiragens a atingir os 10 mil exemplares. Mas os golpes repressivos na estrutura dirigente do Partido e a captura, pela polícia política, da tipografia do Avante!, aliados às fragilidades da estrutura partidária, ditariam a interrupção da publicação jornal por mais de dois anos.

No início da década de quarenta, Bento Gonçalves era lentamente assassinado no Campo de Concentração do Tarrafal e muitos dos melhores quadros do Partido encontravam-se presos. Os dirigentes que restam em liberdade mostram-se incapazes de defender o Partido e não merecem a confiança da direcção.

Um grande Partido nacional

Com a libertação, em 1940, de um grande número de jovens militantes, entre os quais Álvaro Cunhal, Militão Ribeiro, Sérgio Vilarigues, Pires Jorge, José Gregório, Pedro Soares, Manuel Guedes e Júlio Fogaça, dá-se início à reorganização do PCP. O objectivo era, como afirmou ao Avante!, em 2001, Sérgio Vilarigues, cortar o Partido pela sua «parte sã».

A reorganização acabaria por transformar o PCP num grande partido nacional, com implantação junto de amplos sectores da população e mais preparado para resistir às ofensivas da polícia. Anos mais tarde, escreveria Álvaro Cunhal, no Rumo à Vitória: «foi após a reorganização de 1940-41 que, pela primeira vez no período de vida clandestina do Partido, se criou um Comité Central, uma direcção colectiva e um forte corpo de revolucionários profissionais que, embora com períodos difíceis e alterações e renovamentos na sua composição, se tem mantido até hoje».

Afirmava Manuel Guedes, no seu relatório ao III Congresso, em 1943, que o Partido «pode contar já com uma centena de organizações locais e regionais e, nos grandes centros, com umas dezenas de células de empresa».

Com a guerra e a política salazarista de colaboração com a Alemanha nazi, a situação dos trabalhadores tornava-se desesperada: os salários são muito baixos, escasseiam os produtos essenciais, o açambarcamento generaliza-se, a fome alastra. Os trabalhadores lançam-se na luta e à sua frente, mobilizando, dirigindo, dando ânimo, está o PCP. No seu relatório ao III Congresso (I ilegal), sobre as grandes greves de 1942 e 1943, José Gregório afirma que «pela maneira como organizou e conduziu as massas trabalhadoras nas jornadas de Julho/Agosto, o nosso Partido dirigiu o maior movimento operário desde o advento do fascismo, obteve uma grande vitória política sobre o fascismo».

O Avante! volta a sair…

Com a reorganização, veio a preocupação de voltar a pôr o Avante! nas ruas. Em Agosto de 1941, o Avante! volta a sair, para não mais deixar de se publicar regularmente até ao 25 de Abril. Sempre composto e impresso no interior do País, o Avante! é, em todo o mundo, o jornal que durante mais tempo resistiu à clandestinidade. Entre o III e o IV congressos do Partido, separados por menos de três anos, o Avante! quadruplicou a sua tiragem.

Aplicadas novas medidas conspirativas de defesa do Partido e das tipografias clandestinas, o Avante! conseguiu finalmente cumprir cabalmente o seu papel de órgão central do PCP. Como jornal operário foi, durante décadas, um grande órgão de mobilização, de consciencialização e de unificação dos trabalhadores. Como jornal antifascista, foi um combatente incansável pela unidade de todos quantos se opunham à ditadura. Num País silenciado pela censura, foi um lutador pelo direito à informação e pela liberdade de expressão. Em Abril de 74, o Avante! sublinhava a necessidade de «aliar à luta antifascista os patriotas das forças armadas». Era o anúncio da Revolução…

… para não mais parar

O primeiro Avante! legal, saído a 17 de Maio de 1974, é disputado nas ruas, nas fábricas e no campo e tem um impacto estrondoso: são vendidos 500 mil exemplares. Em tempos de Revolução, de conquista de direitos, o Avante! dá voz aos que nunca a haviam tido e que se haviam tornado nos protagonistas desse tempo – os trabalhadores.

Mas a contra-revolução faz o seu caminho. Os tempos são novamente de resistência, desta vez em defesa das conquistas de Abril. Pela mão do PS e do PSD, com e sem o CDS, a política de direita reforça o ataque a essas conquistas: a Reforma Agrária e as nacionalizações são destruídas e aspectos essenciais de Abril são subvertidos. As lutas são muitas e o PCP e Avante!estão em todas elas, mobilizando, consciencializando, combatendo.

Em tempos de feroz ofensiva do capitalismo e do imperialismo, o PCP resiste e afirma-se novamente, em outras condições, como o grande Partido da resistência e da luta pela democracia de Abril. O Avante!, acompanhando a par e passo a realidade do País e do mundo, rompe o manto mediático ao serviço do grande poder económico e dá voz aos problemas e aspirações dos trabalhadores e dos povos.

As tipografias clandestinas – «O coração da luta popular»

Aparentemente, nada destinguia uma tipografia clandestina de uma casa igual a tantas outras onde vivia uma família também ela igual a tantas outras. Mas dentro de portas, onde olhos indiscretos não alcançavam, escondia-se «o coração da luta popular», como lhe chamou José Moreira, responsável durante vários anos pelas tipografias.

Nessas casas, realizavam os tipógrafos o seu duro trabalho: receber os textos manuscritos ou dactilografados, imprimi-los nos mais curto prazo possível, por vezes durante dias e noites consecutivos. Por vezes, devido à acção policial, era necessário transferir imediatamente uma tipografia para outro local. Desmontado o prelo, era transportado, juntamente com os tipos de chumbo.

O transporte, muitas vezes feito a pé ou de bicicleta, era arriscado, pois eram dezenas de quilos e pouca discrição.

Apesar de todos os riscos e apesar de as tipografias serem um dos alvos privilegiados da repressão fascista, a partir da reorganização de 1940/1941, a imprensa clandestina do PCP funcionou ininterruptamente, apoiando a luta popular e a acção do Partido.

Os construtores do Avante!  – Vidas consagradas à luta

«A história do Avante! é a história de numerosos comunistas que, ao longo dos anos, entregaram toda a sua vida à causa da classe operária, de homens e mulheres que passaram dezenas de anos na clandestinidade, de muitos outros que, por imprimirem, distribuírem ou lerem o Avante! foram presos, torturados e condenados», afirmou em 1974 Álvaro Cunhal.

O funcionamento do aparelho de imprensa do Partido só foi possível graças à dedicação sem limites, à coragem, à abnegação, à firmeza revolucionária e ao esforço de milhares de militantes comunistas.

Muitos nunca tinham visto um prelo ou uma caixa de tipo mas fizeram-se tipógrafos. Alguns, nem ler sabiam, mas escreveram e imprimiram as notícias que a censura tentava esconder.

No seu relatório ao VI Congresso do Partido, afirmou Joaquim Gomes: «Quem pode imaginar quantas dificuldades é necessário vencer para montar, alimentar e manter uma tipografia nas condições de clandestinidade a que somos forçados? Quem pode imaginar quantos olhos e nervos têm sido gastos, em dias e noites seguidas, a juntar letras que nem sempre a escola ensinou a conhecer? Quem pode imaginar que, junto às caixas do “tipo”, têm crescido crianças e jovens que quase nunca brincaram com outras crianças e jovens, que da vida pouco mais conhecem que juntar letras e levar aos encontros, a horas certas o Avante!ou O Militante? E tudo isto não está nas páginas do Avante! ou nas linhas impressas, mas nas linhas que se não lêem e dificilmente se podem imaginar.»

Foram muitas as vidas vividas e acabadas na luta antifascista e profundamente ligadas à imprensa clandestina. José Moreira, Maria Machado, Joaquim Rafael e José Dias Coelho são apenas alguns, que fazem parte do património histórico do Avante!.

José Moreira

24 de Janeiro de 1950. O corpo de José Moreira, horrivelmente esfacelado, deu entrada na morgue com a indicação de que caíra numa janela. Mas a verdade era outra. José Moreira, operário vidreiro da Marinha Grande e funcionário do PCP desde 1945, tinha sido preso no dia 22. A PIDE sabia que ele era o responsável pela ligação à tipografia do Avante! e interrogou-o brutalmente para que ele a entregasse. O comunista recusou-se a falar e foi espancado até à morte e atirado da janela da sala de interrogatórios.

Maria Machado

Professora primária e funcionária clandestina entre 1942 e 1945, Maria Machado trabalhava numa tipografia na povoação de Barqueiro, em Alvaiázere, quando a PIDE a assaltou. Tendo ficado para trás para permitir a fuga aos restantes tipógrafos, foi presa e torturada, e não prestou quaisquer declarações. Enquanto era arrastada pelos agentes da PIDE, gritou: «Se a liberdade de imprensa não fosse uma farsa, esta tipografia não precisava de ser clandestina. Isto aqui é a tipografia do jornal clandestino Avante!. O Avante! defende os interesses do povo trabalhador de Portugal.»

Joaquim Rafael

Uma vida de inteira abnegação dedicada à imprensa clandestina do Partido. Entre 1943 e 1945, Joaquim Rafael esteve ligado à distribuição do Avante!, passando depois para as tipografias. Nos vinte e cinco anos que se seguiram, tornou-se num dos melhores tipógrafos clandestino e um mestre para novos camaradas que entravam para as tipografias. Referência maior na história da imprensa clandestina, morreu em 1974, com a saúde completamente arrasada.

José Dias Coelho

Escultor, funcionário do PCP, foi assassinado a tiro pela PIDE em 1961, quando se dirigia para um encontro clandestino. Pondo os seus dotes de artista plástico ao serviço da sua causa e do seu Partido, deu um contributo decisivo para a melhoria do aspecto gráfico de vários órgãos de imprensa clandestina, nomeadamente do Avante!. Das suas mãos saíram muitas das famosas gravuras – de linóleo ou de madeira – que podemos encontrar em numerosos exemplares do Avante! clandestino.

Artigo publicado no Avante nº 1681