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Transporte Rodoviário de passageiros: Cascais não é uma ilha!

mobi cascaisNa reunião extraordinária da Câmara Municipal de Cascais foi a discussão e votação do Concurso Público de Prestação de Serviço Público de Transporte Rodoviário Regular de Passageiros no Concelho de Cascais. Desde há muito que o PCP combate este modelo defendido pelo PSD/CDS-PP/Carreiras que isola o municipio do resto da Área Metropolitana de Lisboa, que só serve aos interesses privados e que recusa qualquer preocupação com trabalhadores e utentes. O PCP votou contra o modelo apresentado e apresentou a seguinte declaração de voto:
 

 

PARA O PCP, CASCAIS NÃO É UMA ILHA !
Intervenção de Clemente Alves, Vereador do PCP na Câmara Municipal de Cascais

O modelo de Serviço Publico de Transportes de Passageiros que o PCP tem vindo a defender para Cascais, tem em conta as necessidades de mobilidade de quem aqui vive, precisa de se deslocar não apenas internamente, mas também e sobretudo para fora da área do Concelho, assim como de quem para cá se desloca para trabalhar.
Sabendo-se que os movimentos são pendulares dentro duma área geográfica mais vasta que a área do município, é impensável para nós que um Concelho possa entender a solução para os seus problemas de mobilidade sem levar em conta os problemas de mobilidade nos concelhos contíguos ao seu.
Foi por pensarem como nós que 17 dos 18 Concelhos que constituem a Área Metropolitana de Lisboa optaram pela solução lógica, de encararem a mobilidade como um problema de todos, que só todos podem resolver.
Cascais, pelas mãos do PSD e do CDS, como se mais mundo não houvesse, entendeu tratar de si, constituindo-se em Autoridade Municipal de Transportes e, como uma ilha situada no meio do largo oceano donde poucos saem e ainda menos entram, decidiu levar a concurso um Serviço de Transporte Rodoviário de Passageiros para operar apenas dentro do seu território.

Quem precisa diariamente de entrar ou sair de Cascais vai fazer para “atravessar as fronteiras” que os diferentes operadores não vão deixar de levantar para defenderem os seus interesses comerciais, é a questão de que o PSD e o CDS não querem saber.
O que é que garante que as ligações aos demais concelhos vão funcionar de modo a que, quem parte daqui para Odivelas, para Sintra, Amadora, Oeiras, Lisboa, Loures ou Vila Franca de Xira, o pode fazer sem ter que mudar duas, três ou mais vezes de autocarro, esperando que o próximo não demore, e que os custos que vai suportar sejam mais baixos que aqueles que até agora o levaram a preferir deslocar-se no carro próprio?
Obviamente que Cascais não pode garantir nada. Apenas pode falar do que se passa dentro do concelho, onde vamos pagar mais para ter mais autocarros, mais linhas e mais horários.
É verdade que, com os 18.950.826,45€ que a Câmara vai gastar em cada ano com o seu “operador privado de transportes” este teria a obrigação de prestar um muito melhor serviço que aquele que existe hoje. Se atentarmos que o volume de negócios da Scotturb (que serve os concelhos de Sintra, Cascais e Oeiras e ainda assegura ligações intermunicipais) foi de 18,1 milhões de euros em 2015 e de 18,2 milhões de euros em 2016, a Câmara de Cascais propõe-se assegurar para o operador privado MAIS DO QUE ESSA VERBA só para realizar o serviço em Cascais e com quase metade da frota utilizada pela Scotturb.
Mas, sair da ilha é que vai continuar ser o cabo das tormentas. Porque o PSD e o CDS continuam a entender que Cascais é mesmo uma ilha e que são eles e mais ninguém que nela mandam.

Detenhamo-nos então sobre algumas das condições que o PSD e o CDS decidiram levar a concurso para aquilo a que chamam “Serviço Público de Transporte Rodoviário Regular de Passageiros no Concelho de Cascais”.
Forçosamente só algumas considerações, porque o tempo que tivemos para apreciar milhares de páginas de documentos que compõem o processo foi mais que escasso.
Documentos que compõem o processo que deveriam ser profundamente estudados por quantos aqui temos o poder de decidir e para, com plena consciência de que o que vamos decidir é mesmo o melhor para os munícipes que nos elegeram, convenhamos que as poucas horas que o PSD e o CDS nos concederam só servem mesmo para que sobre o assunto não fiquemos com mais do que umas luzes.
Para que neste pouco tempo não consigamos nem ver nem saber de pormenores que podem fazer mais diferença que aquela que convém que as oposições saibam.
Mas adiante.
A primeira questão que se coloca é, desde logo, a seguinte:
– Se a CMC, que assumiu para si a prerrogativa de ser Autoridade Municipal de Transportes, que desenha um Caderno de Encargos com todos os aspectos da operação, desde a definição do número de autocarros, e nestes até a quantidade de lugares sentados ou de pé, o número de linhas a explorar e a quantidade de horários a cumprir, dos quilómetros a percorrer em cada ano e os preços a cobrar aos passageiros; sabendo, como diz que sabe, quais as reais necessidades de mobilidades dos munícipes, então porque não se assume a Câmara como operadora directa do serviço, que, só assim, se poderia chamar de “Serviço Público de Transportes”, porque tudo o que o paga é dinheiro público ? – Porque não o faz?

Apesar de serem os munícipes, a Câmara e o Estado que integralmente vão pagar o serviço de transportes rodoviários de passageiros em Cascais, o que vêm os privados cá fazer, além de arrecadar lucros limpos, sem risco ? É que a Scotturb já ganhava mais de 2 milhões de euros limpos por ano (2,6 em 2015 e 2,8 em 2016), agora, com a CMC a garantir à partida um volume de negócios maior, para menos de metade da área, e cerca de metade da frota e dos trabalhadores, esses lucros vão, obviamente, disparar, não graças à gestão privada, mas graças à generosidade de PSD/CDS em transferir dinheiros públicos para operadores privados.
O que a empresa privada que vem explorar os autocarros de passageiros em Cascais vem fazer é exactamente a mesma coisa que faz a empresa privada que explora a água que sai nas torneiras das casas de quantos aqui vivemos, produto de qualidade duvidosa e a custo muito mais alto que aquele que pagariam se a água em Cascais fosse efectivamente pública e municipal.

Procurando possíveis respostas que nos levassem a entender a lógica do sistema de transportes, desarticulado do sistema metropolitano, que o PSD e o CDS defendem, mas que ainda assim querem que os munícipes “comprem” como sendo melhor do que aquilo que agora têm, catámos o que nos foi possível para encontrar uma referência que fosse ao “Passe social Intermodal”, aquele titulo que nos deveria permitir a utilização de todos os modos de transporte, quaisquer que sejam os operadores, a preços sociais compatíveis com as possibilidades dos utentes e a necessidade de lhes oferecermos condições que os levem a considerar economicamente mais vantajoso o transporte colectivo em vez do individual.
Procurámos, catámos e nada. Aliás, a própria Autoridade Municipal de Transportes, cujo parecer é vinculativo, exige da CMC esta articulação prévia com a Área Metropolitana de Lisboa e os restantes municípios e, sobre isso, nada encontrámos nas peças que nos foram enviadas.
E doutra maneira não podia ser, porque não podendo o PSD e o CDS dizer-nos que o Passe Social Intermodal está garantido, porque só o facto de terem colocado Cascais de fora daquilo que os outros municípios fazem para conjuntamente resolver o seu problema metropolitano, não podem, de facto, dizer-nos nada sobre o Passe Intermodal. Tal como nada podem garantir sobre as ligações dos autocarros que andam em Cascais com os autocarros de Oeiras, de Sintra, da Amadora e com os de todos os demais operadores privados ou públicos.

Se em relacção aos autocarros que vão integrar o “Serviço”, o CDS e o PSD são capazes de dizer aos operadores privados interessados no negócio que estes, os autocarros, não precisam, na maior parte, de serem novos; que o preço a pagar pela Câmara ao privado é de 2,21€ por cada quilómetro percorrido, independentemente de levar ou não passageiros, valor que será anualmente actualizado; de garantir ao operador privado que para ter mais lucro até pode subcontratar a terceiros 50% dos autocarros e pessoal necessário ao serviço; de se darem todas as garantias ao prestador privado de que, haja o que houver, receberá sempre bons lucros.
Por outro lado, e no que se refere aos trabalhadores, àqueles sem os quais os autocarros não andam, para estes o “Caderno de Encargos” e as demais peças do processo prevêem NADA.
Nenhuma garantia para os motoristas e demais trabalhadores da actual operadora, a Scotturb, de que os seus postos de trabalho serão transferidos para a nova operadora, com o respeito pelos direitos e antiguidade. Nenhuma garantia de que, mesmo para aqueles que o novo operador admita para cumprirem o tempo do contrato, os direitos que esses trabalhadores tiverem consagrados nos contratos colectivos de trabalho serão respeitados.
Não só Carlos Carreiras mentiu aos trabalhadores da Scotturb quando lhes prometeu o oposto, como a AMT está à faltar às suas obrigações quando não aponta esta falha no Caderno de Encargos.
A CMC tem a possibilidade e a obrigação de deixar claro para todos os concorrentes que terão de respeitar as condições laborais existentes, ou melhorá-las, que terão que receber os trabalhadores da Scotturb cujo posto de trabalho seja extinto pela perda da concessão (se tal vier à acontecer). Não o faz por uma opção a favor da exploração dos trabalhadores e do maior lucro possível dos patrões.

Dissemos atrás que NADA se prevê quanto aos trabalhadores, mas não é bem assim. O PSD e o CDS não se esqueceram de prevenir que os futuros motoristas dos futuros autocarros terão que usar uma farda, aquela que a Câmara decidir que devem usar.

Aquilo que nos foi humanamente possível ler nas escassas horas que nos foram concedidas, chega para confirmar o que já sabíamos:
– Que o PSD e o CDS não estão preocupados com os problemas que tolhem a mobilidade dos munícipes de Cascais e que colocam o nosso concelho no primeiro lugar entre os de pior mobilidade na AML ;
– Que o PSD e o CDS na Câmara de Cascais, embora apelidem de “público” o serviço de transportes rodoviários que põem a concurso, escondem que este só terá de público o dinheiro que o vai sustentar, dinheiro que virá directamente do bolso dos passageiros e, indirectamente, dos impostos, das taxas e das tarifas que os cascaenses pagam ao Estado e à Câmara;

Para concluir:
– Na certeza de que os verdadeiros interesses dos munícipes de Cascais, sobretudo daqueles que trabalham fora do Concelho e dos que cá vêm trabalhar, não são os mesmos interesses que o PSD e o CDS dizem promover quando se colocam fora do sistema metropolitano integrado de transportes, bem como quando entregam à exploração privada a exploração do transporte rodoviário de passageiros, que assegura ao operador as melhores condições de lucro, ao mesmo tempo que ignora e despreza os trabalhadores que fazem funcionar os respectivos os transportes;
– Na certeza que, infelizmente, as filas na estrada marginal e na A5 de automóveis que transportam munícipes de Cascais para os seus destinos fora do Concelho vão continuar a crescer e o número de horas roubadas às famílias e ao descanso a aumentar, apesar dos mesmos munícipes irem pagar em cada ano 18.950.826,45€ por autocarros que, em muitos casos, os vão deixar ainda mais longe do destino final.

Por tudo isto o voto o PCP acerca do propósito do PSD e do CDS de levarem a concurso, para exploração de privados, o Serviço de Transporte Rodoviário Regular de Passageiros no Concelho de Cascais só pode ser frontalmente contra, e além disso de ficar registado como voto de vencido, pois acreditamos que como em todas as anteriores PPP, chegará o dia em que este esbulho de recursos públicos será objecto do devido tratamento judicial.

Cascais, 2 de Outubro de 2018