Mais de 100 Mil professores manifestaram-se em Lisboa este 8 de Novembro. Como o PCP tem sublinhado, cresce a contradição com a política de direita desenvolvida pelos sucessivos governos. Hoje os professores – numa impressionante jornada de luta – reafirmaram que estão unidos e determinados na defesa dos seus direitos e da qualidade do ensino em Portugal. |
Suspensão da aplicação do regime de avaliação do desempenho de professores previsto no (Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro)
Numa perspectiva política claramente contrária à Constituição da República Portuguesa e à Lei de Bases do Sistema Educativo, o Governo vai aplicando uma política de limitação do papel da Escola Pública, diminuindo objectivamente a sua qualidade e democraticidade e desmantelando a capacidade educativa do sistema público de ensino. Neste processo de reconfiguração, inclui-se uma estratégia de instrumentalização e governamentalização de cada escola e de desvalorização da componente pedagógica do ensino, submetendo o sistema a todo um conjunto de condicionalismos meramente burocráticos e administrativos.
O fim da democracia na gestão das escolas juntamente com as alterações ao Estatuto da Carreira Docente e o seu regime de avaliação resulta numa profunda alteração do papel do professor na administração escolar e, mais grave ainda, numa hierarquização forçada entre pares, criando uma cadeia de comando que funciona em ligação directa com o próprio Ministério da Educação. Toda a estratégia do Governo se resume à governamentalização das escolas, através da formatação do professor, desprezando a dimensão criativa do seu trabalho, ignorando o esforço e empenho exigidos dentro e fora das salas de aula a esses trabalhadores da Educação.
A extensão administrativa do Governo, nomeadamente através do Ministério da Educação, até ao interior de cada estabelecimento de ensino, eliminando quaisquer possibilidades de gestão que ultrapasse as limitações da mera gestão de tipo empresarial; a entrega de importantes decisões estratégicas que envolvem toda a comunidade escolar a empresas e entidades externas à escola; a hierarquização artificial da carreira docente, assim divida em duas; a imposição de um regime de avaliação que entrega os professores a um processo burocrático de grande envergadura e de nula eficácia pedagógica; constituem portanto diferentes peças de uma mesma engrenagem que o Ministério da Educação engendrou como forma de subtrair à Escola Pública o seu verdadeiro papel.
Assistimos portanto, a um clima absolutamente insustentável nas escolas: uma tremenda instabilidade emocional com reflexos óbvios e incontornáveis na dimensão pedagógica do ensino; uma incompreensão e desilusão que se aliam a um esgotamento e cansaço colectivo entre os professores que prejudica a sua disponibilidade para a tarefa central que lhes deveria ser exigida. Segundo o Ministério da Educação, as suas políticas são orientadas no sentido de centrar o processo de ensino-aprendizagem no estudante, de dirigir a escola para a sua função nuclear de educar e, no entanto, todas as medidas impostas pelo Governo até agora apontam no sentido oposto. São estas políticas que têm impedido os próprios professores de centrar os seus esforços no aluno e na turma, ou seja no ensino. As exigências administrativas, a alteração do seu papel social e educativo, são de tal ordem que os professores e professoras estão hoje imersos num conjunto de processos que contribuem acentuadamente para a subversão do papel da Escola, particularmente se enquadrada numa perspectiva de formação integral do indivíduo, bastante distinta da escola-empresa que o Governo tanto tem vindo a defender.
Todavia, a avaliação de desempenho é um mecanismo necessário para a própria capacidade de aferição do sistema educativa, particularmente no que toca à detecção de insuficiências para que assim se possibilite a procura de soluções. Ou seja, qualquer processo de avaliação, quer seja de escolas, quer seja do corpo docente e dos professores individualmente considerados, deve ser sempre orientado pela necessidade de melhorar todo o sistema e nunca, como acontece actualmente, pelas imposições economicistas do Governo e pela obsessão, também ela economicista, de limitar a progressão na carreira. Uma avaliação que tenha como objectivo a seriação e o impedimento de progressão é, em si mesma, um processo injusto, independentemente dos critérios de avaliação escolhidos, da sua funcionalidade, cientificidade ou aplicabilidade. Acresce o facto de o presente processo de avaliação e a forma como decorre não ser funcional, científico ou aplicável. Por todos os motivos estamos perante um mecanismo que é concebido para impor limitações na progressão da carreira e simultaneamente submeter estritamente todo o conjunto dos professores às orientações traçadas nos gabinetes do Ministério da Educação, conduzidos até às escolas através de um sistema de transmissão montado pelo conjunto das medidas já referidas: novo regime de gestão e administração dos estabelecimentos de ensino, novo estatuto da carreira docente e o regime de avaliação que é, aliás, sua consequência directa.
A avaliação de desempenho, tal como se vai verificando, continua a basear-se numa perspectiva totalmente anti-pedagógica que concebe o processo de ensino-aprendizagem como um processo produtivo simples, em que o aluno é o produto e a escola, uma máquina. A sujeição da avaliação de desempenho a factores que não são lineares, por si só, introduz variáveis em número demasiadamente grande para que seja possível classificar toda a avaliação como um processo objectivo. Na verdade, nem o estudante é uma qualquer peça ou produto, nem as realidades sociais, económicas, materiais e humanas, são sequer similares na diversidade que a Escola Pública encerra. Isso significa que o Professor, tal como todo o sistema educativo, não pode ser avaliado em função de parâmetros estanques e administrativos, particularmente quando esses parâmetros conduzem a um desfecho condicionado pela existência de quotas para as avaliações de “Excelente” e “Muito Bom”. O sistema de quotas em si denuncia a lógica subjacente a este regime de avaliação e deita por terra qualquer possibilidade, por mais remota que fosse, de ser um regime apoiado em critérios objectivos.
O actual processo tem provocado situações de flagrante injustiça, fragmentando comunidades escolares, colocando professores no papel de avaliadores sem que para isso alguma vez tenham sido preparados, introduzindo como parâmetro para a avaliação de desempenho a avaliação que o professor faz dos seus próprios alunos e responsabilizando o professor por fenómenos sociais de causas profundas, como o abandono escolar.
A forma como os professores em cada escola são confrontados com a necessidade, os prazos e os métodos para proceder à avaliação do seu desempenho, a forma como os Conselhos Pedagógicos vão aprovando documentos apenas por respeito pela legalidade e pelo esforço dos seus colegas, nomeadamente, os instrumentos de registo de avaliação, denunciam uma situação de pré-ruptura e de esgotamento que exigem uma alteração da política no mais breve prazo.
Os balanços deste sistema de avaliação de desempenho estão à vista: a desestabilização da escola, a alteração do papel do professor, a fadiga e o desespero, a clivagem nas comunidades escolares, a depauperação da qualidade do sistema de ensino e a secundarização do processo de ensino-aprendizagem no interior da escola. Sob o pretexto da promoção do mérito, o Governo promove, isso sim, a divisão e competição entre pares, a desestruturação da escola. É cada vez mais evidente que o ano lectivo se iniciou num momento em que os professores foram forçados a dedicar mais atenção, esforço e horas de trabalho a obrigações processuais e administrativas em torno de si-próprios e dos seus pares do que dos estudantes.
Simultaneamente, o Governo faz por ignorar os contributos dos sindicatos de professores que têm demonstrado capacidade e vontade de discussão inquestionáveis, mobilizando em defesa dos seus direitos, mas também das características essenciais da Escola Pública, todo um grupo profissional. É esse contributo generoso e conhecedor, dos sindicatos, que o Governo quer por força contornar, por saber que se organiza em torno de uma construção colectiva, por saber que é válido e por ter a plena consciência de que esse contributo demonstra a essência do projecto anti-democrático do Governo.
O processo negocial de revisão do regime de avaliação de professores deve, por tudo isto, iniciar-se desde já, suspendendo em todo o país a aplicação desse que já se demonstrou ser lesivo dos interesses do sistema educativo, dos estudantes, e do país.
Independentemente de o Grupo Parlamentar do PCP ter já apresentado à Assembleia da República um Projecto de Resolução para a suspensão do processo de avaliação de desempenho de professores, a situação verificada agora em cada escola propriamente dita, a instabilidade e os custos que esta política de prepotência governamental tem tido para a qualidade de ensino e para a vida dos agentes envolvidos, justifica totalmente o presente Projecto de Resolução e, além disso, torna absolutamente injustificável a sua rejeição por qualquer.
Assim, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português apresenta à Assembleia da República o presente Projecto de Resolução:
Nos termos da alínea b) do artigo 156.º da Constituição da República e da alínea b) do n.º 1 do artigo 4.º do Regimento, a Assembleia da República resolve recomendar ao Governo:
1 – Que proceda de imediato à suspensão do regime de avaliação do desempenho previsto no Decreto Regulamentar n.º 2/2008, de 10 de Janeiro, bem como da sua aplicação, sem prejuízos para os professores e educadores.
2 – Que antecipe o processo de negociação com as estruturas sindicais dos professores e educadores para a alteração do actual regime de avaliação de desempenho, salvaguardando a estabilidade do ambiente escolar, a qualidade do ensino e os direitos dos professores e educadores.
Assembleia da República, 22 de Outubro de 2008
Os Deputados,